sábado, 21 de novembro de 2009

Que ser sou eu?


Quero, antes de tudo, ressaltar que também muito o admiro e respeito, Sidarta. Creio que todas essas discussões são benéficas para o crescimento de nossa cidadania e, acima de tudo, nossa identidade, nosso ser. Mas... Ser o que?



Seu texto foi, como não podia deixar de ser, perfeitamente construído. Porém suas palavras não foram o bastante para me convencer do contrário. Prezemos pela humanidade, como bem diz o João. Ser humano é a única certeza que tenho acerca da minha vida.



A semana retrasada foi, na Universidade onde estudo (Estácio de Sá), a chamada “Semana de Letras”. Nesta semana, na qual ocorrem eventos dedicados especialmente ao curso de Letras, destaco aqui uma palestra que me fez parar para refletir sobre um aspecto: o que eu sou, etnicamente falando?



A palestra era sobre capoeira: sua origem, seus componentes, sua importância social/cultural, etc. Muito interessante, por sinal. Em determinado momento da apresentação, um dos mestres de capoeira tomara a palavra e dirigiu a nós, espectadores, um pedido.



-Quem é negro aqui levante a mão, por favor.



Eu, “branco azedo” que sou, não ousei erguer minha mão. Então, para o meu assombro, percebi que muitas pessoas ditas “brancas” levantavam seus braços; até mesmo uma professora, que compunha a mesa principal, ergueu seu braço euforicamente. Ela é branca... Ou não... Já não sei mais. Já não sei mais me definir quanto à minha etnia. Então o mestre concluiu:



-Todos nós aqui somos negros. Somos miscigenados.



Eu, leigo constitucionalmente falando, me perguntei: o que sou eu? Estaria eu ali, ao manter meu braço sobre a perna, cometendo um ato racista? Sou branco, sou preto, sou todas as raças misturadas? Afinal, o que sou?



Diante de tal encruzilhada multicolorida, me tornei adepto de uma nova idéia: sou humano. Esta é a minha condição, já basta para me definir. E, levando ainda em consideração o que disse o mestre, não existe etnia. Somos resultado de uma profunda mescla. Todos sempre foram.



Ora, sendo assim, o Dia da Consciência Negra é o meu dia também. Então as cotas universitárias devem ser abolidas por definitivo, uma vez que não há quem seja negro em específico. O negro é branco, e o branco é negro também. Ou os negros não podem ser brancos? Ou são pessoas que constituem uma raça superior?



Tudo bem, as cotas estão aprovadas pela lei. Que tolo fui eu, poderia ter requisitado a minha cota. Ora, eu sou negro também! Mas não. Eu não precisei recorrer a tal meio apelativo. Nunca estudei em escola particular, tampouco tive condições de pagar explicadores particulares. Não sou branco de classe média alta, antes fosse... Morar de aluguel numa cidade do interior que me oferece oportunidades mínimas de emprego, bem como outros recursos, como saúde e educação, não é fácil.



Antes de prosseguir, quero deixar bem claro que não estou tomando o assunto como pessoal. Estou apenas me usando como exemplo, que, coincidentemente ou não, cabe no texto.



Apesar dessas dificuldades, não desanimei. Corri atrás, tentei o Vestibular, a Prova do Enem. Lembro-me bem, inclusive, da minha ficha de inscrição para a prova do Enem... Havia a seguinte pergunta: qual a sua etnia? Eu, inocentemente, ou não, marquei a alternativa que correspondia a “branca (caucasiano)”. Pra minha felicidade, independentemente de ter optado por esta questão, fui bem sucedido nas questões que integravam a prova. Tive muitos acertos, fui bem na redação, fui aprovado. Após diversos planos burocráticos para comprovação de renda, fui aderido ao programa Pró-Uni, e agraciado com uma bolsa de 100%. Hoje eu posso dizer que a minha cota eu conquistei disputando com mais de 3 milhões de estudantes no país inteiro, e me orgulho muito disso. Conquistei apesar de ter concorrido com muitos estudantes chamados “filhinhos de papai”, que tiveram a chance de estudar a vida toda em um colégio particular, viajar para o exterior, ter contato com novas culturas, entre outras benesses. Vale ressaltar que existem muitos negros bem sucedidos na vida também e que, não obstante sua ótima condição financeira, ainda requisita sua cota por direito... Isso é direito?



Admito que os negros sofrem ainda muito preconceito. Mas não vejo que este seja o melhor caminho para que um dia essa realidade se modifique, ou mesmo seja extinta. Estudar História, se informar sobre dados do passado é, de fato, muito importante. No entanto, vivemos em uma época completamente distinta da de um século atrás. Precisamos nos ater aos contratempos da nossa era. A mulher, por exemplo, era quase um animal doméstico em tempos de outrora. Ela conseguiu dar a volta por cima com louvor, sem estabelecimento de privilégios políticos que influenciassem em sua guinada social.



Com todo respeito, Sidarta, creio que o que você chama de incômodo eu sinto como sendo mais uma forma de discriminação no nosso país.



Dentro da perspectiva de que não há etnia definida, de que em nossas veias percorre um sangue vermelho que representa todas as cores, eu não faço questão do dia da Consciência Branca, nem do feriado para o dia do Índio, muito menos do dia do Sushi em homenagem aos nisseis. Pra que, se somos todos iguais?



Percebo que muitos os que defendem esta causa são, além dos componentes do Movimento Negro, políticos. Políticos demagogos, em grande parte, eu diria, os quais temem serem prejudicados pelos negros em se tratando de eleição...



No caso da novela “Viver a vida”, prefiro acreditar que todas essas críticas à cena exibida no dia 16/11 fazem parte de um processo de desmoralização da emissora mais forte do país. Que me perdoe o internauta Chico Mendes, autor do comentário a respeito da cena, no Blog do Azenha; mas muitas metáforas surgem em mentes de pessoas maliciosas, cujo propósito está muito aquém da defesa da etnia negra... Uma polêmica totalmente sem cabimento (aliás, ultimamente estão “chovendo” polêmicas desnecessárias...). Já assisti a diversas entrevistas do autor Manoel Carlos, onde ele sempre frisa seu horror ao preconceito racial. A Helena, uma das personagens mais consagradas da teledramaturgia brasileira, é a mocinha (pensaram que eu fosse dizer que ela era negra, não? Que diferença faria dizer que desta vez a Helena é negra?). Mocinhos costumam sofrer em novelas, independente de serem de cor ou não. Quantas vezes a excelente atriz Regina Duarte, que por três vezes já viveu a personagem Helena nas novelas do Maneco (História de amor, Por amor e Páginas da vida), não foi esbofeteada, não foi humilhada, não sofreu durante a novela inteira? E a escrava Isaura, era negra por acaso?



O dia 10/11 foi um dia de importantes decisões no Senado brasileiro. Além do estabelecimento das cotas, dos 20% obrigatórios de trabalhadores negros numa empresa, entre outros direitos destinados exclusivamente aos negros, ainda estava em pauta a “obrigatoriedade de cota para atores negros em filmes, novelas e programas brasileiros, em todas as emissoras”. Por sorte, ou não, o bom senso prevaleceu neste caso, e este item foi eliminado da pauta. Ora, supomos que a produção cinematográfica abordasse a vida indígena no Brasil: onde se encaixaria um papel negro? Os roteiristas ficariam limitados a construírem seus roteiros. Seria mais um absurdo aprovado.



O negro precisa ser consciente da discriminação que está direcionando às demais etnias e à sua própria etnia. É desta consciência que me refiro.



Meu cabelo é amarelo, meu sangue é vermelho, minha pele é branca, meus pêlos são pretos, meus olhos são verdes. Eu sou um ser humano, como outro qualquer. Se um dia me perguntarem se sou negro, ou branco; se sou arco-íris, enfim; minha resposta será exatamente esta:


EU SOU UM SER HUMANO.


5 comentários:

Sidarta disse...

Lohan, belas e sensatas palavras.

As minhas não foram para te convencer, mas apenas para criarmos o necessário debate de ideias.

Creio que ainda precisaremos de um distanciamento histórico para avaliarmos com maior precisão o resultado das políticas afirmativas, se serão benéficas para o conjunto da sociedade ou não.

Só sei que um dia ainda lerei um livro seu... rsrsrs

Abraço!

Lohan disse...

Valeu Sidarta! rs Ah, a gente sempre tenta persuadir, nem que seja um ''pouquinho'', rs. Mas concordo com vc. Somente um distanciamento histórico para responder às nossas questões.
Os debates proporcionados aqui no blog são momentos inesquecíveis! rs Como crescemos em criticidade ao participarmos de momentos como este.
Vamos combinar assim: na dedicatória dos nossos livros, colocaremos ''a sidarta/lohan, aquele que vive me contradizendo no blog kkk"
Com certeza lerei o seu livro também. E se discordar de algo, envio um email gigante! kkkkkkkkkkk
Grande abraço meu amigo! E até a próxima...

Simone Prado disse...

Oi, amigo! Li o seu texto.
Muito bem colocado as suas palavras e concordo com você. plenamente, pois também estava na faculdade nesse dia , e apesar de ter levantado a minha mão diante da pergunta de quem era negro ali, infelizmente, o fiz por querer mostrar que também em minha veia corria sangue negro. Mas... no fundo não estava satisfeita com aquilo que fiz, pois não era real o sentimento que passava por mim e eu nem sabia o porquê disso, só depois de ler o seu texto e que compreendi e vi a "besteira" que cometi contra minha pessoa e, principalmente, com aquilo que melhor tenho e que corre em mim: meu sangue vermelho de ser humana que sou.
Sua abordagem foi perfeita. Na verdade , em mim corre sangue negro sim,
e quando levantei a minha "bandeira" privilegiei uma certa raça e me esqueci
das quais sou composta... Em mim correm sangue negro, italiano e principalmente,
indígena. Indígena muito mais .
Mas aprendi com uma reflexão sua que nem me tinha dado conta do porque do meu mal estar em fazer aquilo.
Acredito , também, que muita gente levantou as mãos para mostrarem que não tem preconceito, uma forma de "camuflar" isso, mas aí é que está o perigo... é a sua propagação escusa e isso é horrível!
Levantam suas “bandeiras” para mostrarem o que aparentemente não são e não são mesmo! Pois fazemos parte de um todo miscigenado.
Quando se faz isso, prorroga-se esse sentimento interno que ninguém vê, ta camuflado. E penso que, quando se abre, mostrando aquilo que somos de fato compostos, popensamento pode mudar e admitir o que realmente somos: uma grande mistureba, haja vista a nossa cultura, o nosso país.

Um mega Abraço.
Si.

Lohan Lage Pignone disse...

Adorei Simone, me sinto feliz por ter ''clareado'' sua ideia a respeito dessa questão; daquele dia na palestra.
Somos seres humanos. Pena que nem todos pensam assim.
Bjão, continue nos brindando com seus belos comentários!

Simone Prado disse...

Só me desculpe as muitas redundâncias e errinhos de português (rs)
Abração.