sábado, 1 de maio de 2010

Enfim

Não. Esse número não podia estar ligando. Nunca ligou. Por que ligaria agora?
- Alô? – perguntou, incrédula.
-Alô! Oi, tudo bem?
-Tudo bem, e você?
- Estou bem também.
Mal sabia o que estava ouvindo ou o que dizia. A voz dele parecia normal como sempre. Conversaram alguns minutos, ele parecia preocupado com ela, com sua saúde, com o que ela andava fazendo, com o que a preocupava no momento. Tudo soava novo e estranho.

Desligou. Ela ficou olhando a parede do seu quarto, bem mais confusa do que jamais se lembrava estar. Tentou racionar, mas a razão não estava ali... Não estava em lugar nenhum naquele quarto preenchido por passionalidades. Não estava nos olhos marejados dela, definitivamente.
Até pensou em ligar de volta, perguntar meia dúzia de coisas a ele, mas se conteve. Precisava ouvir seu coração de qualquer maneira. Resolveu esperar.

No dia seguinte, se encontraram e ele a olhou diferente. Ela pode jurar que viu. Mal podiam conter os milhares de assuntos que surgiram. Todos já tinham percebido que ali nascia mais que uma amizade. Que ali havia um segredo tão bem escondido que nem seus corações perceberam que o momento de se unirem estava tão próximo.
Sempre a via aos sábados e ocasionalmente aos domingos. Estava sempre bem arrumada, com seus cabelos e óculos, saltos e unhas coloridas. Conhecia todos ali, abraçava os amigos com tanto carinho e tinha um senso de humor fabuloso... Conversava sobre qualquer assunto com a perícia que qualquer observador tem. Era tão surpreendente e tinha um olhar intenso e doce, tudo ao mesmo tempo. Ela era uma profusão de muitas coisas, uma ebulição de contrastes. Ela não fazia bem o tipo dele. Fazia o tipo-amiga: aquela a quem se conta todos os segredos, que é mais que uma irmã e que você jamais beijaria. Nunca planejou desejá-la, e agora mal podia esperar pra sentir seu perfume doce novamente. Ele não queria se machucar. Não queria se apaixonar e sofrer tudo de novo.

Ela se encantou por ele na segunda vez que conversaram. Ele tinha alguma coisa que a encantava. Uma mistura de todas as qualidades que ela jamais sonhou em encontrar numa pessoa só. A maneira como ele tratava as pessoas, seu sorriso lindo e seu caráter tão reto. Seu cuidado e preocupação com as pessoas. Todas as pistas para um romance ideal. Tinha medo de amá-lo. Ela não queria mais viver amores platônicos, não havia mais espaço para isso nos seus vinte e poucos anos.
De nada adiantou tanto medo, agora já estava tudo feito. De repente, os olhares ficaram mais intensos, e as palavras diminuíram. Eles gostavam de se olhar nos olhos e tentar entender o que não era dito.

Seria possível?
O tempo foi cruel, mas finalmente respondeu.
Uma tarde de domingo chegou silenciosa e ele a ligou novamente. Convidando para dar uma volta pela cidade sempre deserta aos finais de semana. Havia chovido muito aquela manhã, mas o final de tarde prometia ser lindo. O sol estava misturado a algumas nuvens. Ele estava decido a passar aquele por do sol ao lado dela, em qualquer lugar que pudesse olhá-la bem de perto e não ter que se conter.
Ela vestia uma calça jeans escura e uma daquelas blusas que ela tanto gostava e que ele não fazia a menor idéia de como se chamavam. Era vermelha, deixava o ombro esquerdo à mostra e quando ela sorria ficava ainda mais linda. Ele se flagrou tremendo quando ela passou as mãos pela cintura dele. Ela estava com dor de estômago.
Compraram sorvete e ficaram observando o vai e vem da água que alisava as pedras. O deck de madeira estralava e balançava levemente. Ela falava muito. Ele sabia que isso era a manifestação de um tipo de nervosismo contido. Ele também sentia um misto de animação e receio, mas sabia muito bem se controlar e não deixar que ela percebesse que ele também estava inseguro. Ambos sabiam o que estava em jogo ali: o começo do futuro.

O sol baixava lentamente, o vento ondulava a água e o cabelo dela fazia uma dança hipnotizante. Ele sentia aquele perfume e tinha vontade de passar os próximos minutos em silêncio, só pra sentir o cheiro dela. Ela estava tentando parar de falar, mas não conseguia. Nem conseguia olhar só pra ele. Tentava se distrair olhando um ponto ao longe, qualquer coisa que a distraísse do desejo louco de abraçá-lo.
Aconteceu o que ela temia: o assunto terminou. Ele também não estava se esforçando, mal respondia suas perguntas, aquela maldita mania de objetividade. Ele tocou a mão dela, depois a segurou forte. Ela se assustou e ele disse, rindo, que não ia machucá-la. Ela respondeu com um sorriso meio tenso.

Ele a puxou pra perto com o máximo de delicadeza que conseguiu reunir. Ela não mostrou resistência, mas estava claramente assustada. Parecia até uma menina indefesa. Ela tentou dizer algo, mas ele a interrompeu, disse que ela só ia escutar. Quando percebeu, já estava se justificando por não ter tomado nenhuma atitude antes. Ela queria chorar, ele viu tudo. O ar faltava ali, mesmo com todo o vento que soprava. Ele a abraçou, ela não se conteve e deixou que uma lágrima caísse sem a menor cerimônia.
Ficaram abraçados por muito tempo. Alguma coisa muito estranha estava acontecendo ali. Ambos sabiam disso. Ele afastou os cabelos do rosto dela e não teve porque esperar mais. Beijou-a. Foi diferente de qualquer beijo recente. Misturava tanta coisa e ao mesmo tempo era tão simples. Ela passou suas mãos pelo rosto dele. Sentia a barba que ele cultivava durante os finais de semana, e aquele cheiro de saudade que ele tinha. Não queria deixar de sentir aquele cheiro não.

Ele segurava forte a cintura dela, como se pudesse perdê-la entre um suspiro e outro. Sabe-se lá quanto tempo depois, eles se olharam. Ela sorria meio tímida, mas ele não conseguiu conter sua gargalhada mais sincera. Tê-la era meio absurdo e divertido.
Ela queria dizer alguma coisa, mas todas as palavras tinham sido levadas pra longe. Ainda bem. O agora não podia mesmo ser traduzido em palavras.

Um comentário:

mauri disse...

Perfeito!!! Os sentimentos tão bem descritos e o texto envolvente.. se ler em silencio da até pra ouvir a respiração do casal . Da até vontade de viver algo assim :)