terça-feira, 25 de maio de 2010

Humana demais


Já há algum tempo fiquei sabendo que você pergunta por mim
Seria uma curiosidade mórbida, já que você decidiu matar o que sentia?
Sempre que alguém me conta sobre sua preocupação, fico tentando entender o que há por detrás de perguntas feitas sob encomenda e da necessidade de atualização dos fatos acerca de mim.

Justo você, que disse que era preciso optar por algo mais... "edificante!" Foi essa a palavra que você usou. Evolução espiritual, você completou. Covardia, repliquei. Tudo o que você queria era encontrar as palavras certas que definissem seu medo de arriscar, de jogar para o alto a relação infrutífera, porém conveniente que tinha com outro alguém. Até hoje me pergunto se foi por puro descuido ou maldade que o destino nos fez apaixonados. Sim, apaixonados! De que outro modo se poderia explicar a sintonia exata que tínhamos? Vibrávamos na mesma frequencia, íamos além dos cinco sentidos e quase sempre transbordávamos em palavras.

Confesso que achei que você não conseguiria. Duvidei da sua aparente convicção e da sua teoria extremista sobre certo e errado. Apostei na necessidade que tínhamos um do outro. Errada estava eu. Com minha paixão, meu amor entusiasmado, minha pele que insistia em atrair a tua, minhas canções e poesias, sim, minha maldita mania de ver poesia em tudo. Mas de que servem os olhos de um poeta se não para vislumbrar a própria história e enredá-la numa teia belíssima?

Demorei algum tempo para entender a crueza das palavras que ouvi e hoje tenho certeza de que foram apenas ditas por dizer, como quem tenta a duras penas justificar o injustificável. Carnal, você resumiu, reduzindo à carne uma linguagem de almas. E ainda me impôs toda a culpa por sua dificuldade de renúncia. Como um anjo caído, com minhas longas asas, deitei às portas do céu esperando por uma ajuda que tardaria chegar.

Você segue sua estrada cheia de curvas rumo à perfeição. Para quem vive de aparências, está bastante convincente. Disseram-me que seu discurso é impecável e sua conduta, invejável. Mas já que ainda perguntas por mim, digo-te de antemão que continuo meu caminho, sempre na contramão e embora às vezes pare para descansar no meio-fio, sempre encontro forças para levantar e seguir, pois nos ombros só carrego o peso das memórias que quero guardar.

Bem no fundo eu sei o que te inquieta. Eu te leio nas entrelinhas, eu te vejo onde você não está, eu te ouço quando você silencia, eu te sinto quando ninguém mais é capaz. Não me interessam as meias verdades, nem o que vão pensar os outros. Não me encantam as aparências, pois o que enxergo está além. Por isso te desnorteiam meus passos tortos. Pena, você diria. Seria capaz até de me estender a mão, tamanha sua misericórdia. Mas não, não se dê ao trabalho de rezar por mim, guarde esta prece para si e lembre-se de fazê-la antes de deitar, para que enfim seus demônios te deixem dormir.

6 comentários:

Marina disse...

Belíssimo texto. Engraçado que me lembrou algo que escrevi e publiquei ontem no meu blog. "Por medo". Acho que isso resume tudo.

Beijos!

Andréa Amaral disse...

Eu diria que esta é uma daquelas cartas de amor, em que ao mesmo tempo em que nos despimos de nosso orgulho, demonstramos nossa paixão platônica e sabemos através do coração e das "entrelinhas" o que se passa com o objeto de nosso afeto, ainda assim, temos que ratificar mais para nós mesmos do que para o outro, que os rumos se desviaram, que não houve um atalho de retorno, que a despedida é necessária para que possamos continuar. As palavras escritas concretizam o fim, como a lápide que identica o morto, após ele ser sepultado. Me lembrou Castelo Camilo Branco. Mais um texto memorável. ADORO TUDO

Rayanna Ornelas disse...

CAMILA!
Que texto excelente! Prendi a respiração no parágrafo final...!
Essa inquietação, e mais... a insatisfação que permeiam as palavras foi tão forte tão avassaladora..

'minha maldita mania de ver poesia em tudo. '

Você me convence sempre!
hehehe

Parabéns!

Unknown disse...

Camila:
Pqp, q densidade, como disse a Rayanna, é de prender a respiração mesmo.
Bjocas!!!!!!!!!!!!!!!!

Lohan disse...

''Mas de que servem os olhos de um poeta se não para vislumbrar a própria história e enredá-la numa teia belíssima?''

Suas palavras são certeiras, diretamente no além mar das minhas emoções.

A sua teia em prosa-poética é uma daquelas que te prendem facilmente; como se o leitor fosse um mosquito, um ser ínfimo, sem força para o combate. Mas não... É a sua teia que é grande demais em perfeição.

Camila disse...

Obrigada pelos comentários, vocês são muito especiais pra mim!!! Marina, li seu texto e realmente, nossos textos se conectam, se comunicam perfeitamente (que coisa linda a poesia, não?!)
Andréa, que honra fazer lembrar Camilo Castelo Branco, obrigada por suas palavras tão lindas!!!
Ray, que legal ter conseguido te apreender com meu texto e mais, te convencer! Obrigada pelo crédito que me dá!
Tathy, que bom poder causar uma reação com o que escrevo, isso me faz viver. Obrigada.
Lohan, obrigada por se prender em minha teia literária, você é um amor...