quinta-feira, 27 de maio de 2010

Jardim do Nego






Este jardim é muito especial. Nêgo é um ser especial. Olhando para ele, escutando sua voz , assimilando sua sabedoria tibetana, seu mutismo revelador, seu terceiro olho, temos a sensação de que ele é um SER que não pertence a este tempo e nem a esta dimensão. A paz do seu recanto, a surpresa e ao mesmo tempo a familiaridade ancestral que emanam de suas esculturas criadas e mantidas à custa de uma vida dedicada a esculpir o amor, nos surpreendem com sua energia vital. Conseguimos sentir no local, uma vibração quase que pré-histórica. Um sítio arqueológico, escavado, esculpido, sem fragmentos concretos de nenhum período neolítico; contudo, a sensação é esta. O cheiro da terra, da umidade, do musgo que cresce e brota, feito artérias, veias e líquidos que circulam dentro de um sistema invisível, onde habitam pulmões, corações, almas... Pura clorofila ... puro barro, onde antes só havia vegetação selvagem . Exatamente isso: um habitat natural de seres vivos,verdes, que necessitam de cuidados, reparos, carinho, muita paciência e muita dedicação.

Que sensibilidade habita dentro deste sábio escultor? Michelângelo do barro, restaurador dos moldes de Adão, do Jardim do Éden ou uma representação do inconsciente coletivo da esperança de que" na natureza nada se perde, tudo se cria ou se transforma"? " E do barro foi feito o homem e ao barro retornarás."

No dia em que meu corpo virar pó, quero ser recriada num jardim qualquer : como adubo, como flor, como erva medicinal, como árvore frutífera, ou quem sabe, como um barranco sem vida , onde as mãos de um artista genial pousarão para me restaurar aos olhos humanos, tal qual uma vez, aconteceu d'eu ver/presenciar/sentir...

Sua arte está gravada em vídeos, matérias jornalísticas, livros, revistas e assim ficará para a posteridade, pois, no dia em que ele se tranportar para um novo jardim, além do que possamos imaginar, um jardim secreto onde todos almejamos um dia habitar, o que será de sua arte viva? Morrerá por falta de cuidados? Por falta de valores humanitários, estéticos, necessários para o bem estar? "A gente não quer só comida."

Espero que este dia não chegue tão cedo, mas quando assim o destino o quiser, que tenhamos um Tistú, um menino do dedo verde, que onde encoste sua "mão boa", nos presenteie com flores ao invés de canhões; com belas , renovadas ou mesmo "repaginadas" esculturas, no lugar de mais um depósito para lixões; no lugar de intermináveis plantações de congênitos; no lugar de uma deliberada escolha feita pelos representantes do povo (vereadores ou traficantes), de transformar o espaço em mais uma favela, para que os sem-teto possam construir seus barracos que um dia uma mera tempestade possa arrastar.

Vamos sonhar e concretizar com este exemplo de cidadania, talento, humildade e muita disciplina, que podemos deixar um mundo habitável para os nossos descendentes. Não é possível que continuemos tão cegos, à ponto de não perceber que aquele mero pedaço de papel que envolve a goma de mascar, não contribui para degradação do meio ambiente.
Vamos reciclar!!! É chato? É! Tudo é chato, incômodo, quando nos recusamos a sair do nosso mísero cotidiano, repetindo sempre os mesmos movimentos ao acordarmos e levantarmos da cama para escovar os dentes. Estamos com tão pouco tempo, que os cinco minutos que temos para fazer a diferença, separando papéis de plástico, latas de vidros e restos de comida, parecem ser parte de um penitência imerecida ou um sacrifício por uma conduta que não é nossa culpa. Este tipo de raciocínio egoísta, esta falta de disciplina, nos remete ao regime militar: obrigações intermináveis aliadas a dor. Mas se todos nós retirássemos o ranço histórico de torturas e barbaridades cometidas contra a liberdade de expressão que advém dos poucos anos que saímos de uma ditadura, poderíamos compreender que a vida, assim como a natureza e as estações, têm suas regras de sobrevivência: a época de preparar o solo, de semear, de esperar, de colher, de armazenar para os tempos difíceis que poderão surgir , assim como as perdas para que uma nova estação possa se formar. O nome disso também é trabalho, esforço, sacrifício, dor. PIONEIRISMO. REINVENÇÃO.

Temos a desculpa do dia intenso, trabalhoso, cheio de pessoas grosseiras, tráfego lento, violência... mas temos dentro de nós a capacidade de mudar nossos pensamentos, nossos lixos, o nosso egoísmo, sempre querendo tudo para nós mesmos, sem querer compartilhar nada com o próximo, além da nossa vaidade, do nosso individualismo enlatado, da nossa aparência moderna. Tentamos fingir de conta que os únicos responsáveis pela coleta de lixo são os garis, entidades sem face, vultos sem identidade, que passeiam pelas ruas imundas (ainda assim sorridentes), coletando um lixo que não teria a menor necessidade de ser coletado, se tivéssemos um pouco de consciência e da dita educação burguesa que nos avisa interminavelmente sobre o caos que o planeta está vivendo com o aquecimento global.. Mas preferimos ficar horas diante da tela da tv, do computador, diante do espelho, do que gastarmos um minuto de doação às próximas gerações."É vergonhoso, nojento"; "é coisa de pobre, de empregada, de faxineira"; "é obrigação de quem recebe pra fazer isto"; "é a salvação dos seres à margem da sociedade, sem oportunidades de um trabalho digno"... Pode ser, mas temos por dever, por respeito ao meio-ambiente, por ética, por educação, por cidadania que só aparecem nas propagandas eleitorais, em datas históricas ou em anos de Copa e eleição, de ajudá-los nesta função para que ela não se torne um fardo mais pesado do que já é.

Pois é, as esculturas extravasaram em mim, o grito que elas não conseguem fazer ecoar, por não poderem usar palavras... mas basta estar perto delas, para entender a mensagem.

Obrigada Nêgo, por existir alguém como você. Obrigada meu Deus, por eu ter o privilégio de estar perto deste santuário verde e por ter tido a oportunidade de conhecê-lo. Que os nossos filhos, netos, bisnetos, também possam ter esta oportunidade de sentir o cheiro da terra. Amém.

5 comentários:

Lohan disse...

''No dia em que meu corpo virar pó, quero ser recriada num jardim qualquer : como adubo, como flor, como erva medicinal, como árvore frutífera, ou quem sabe, como um barranco sem vida , onde as mãos de um artista genial pousarão para me restaurar aos olhos humanos, tal qual uma vez, aconteceu d'eu ver/presenciar/sentir...''

Andréa, eu estou sem palavras pra definir esse seu texto. É de uma sensibilidade... Uma crítica social, humanitária, mas você o fez de modo tão cativante...Você me ganhou totalmente somente com esse trecho.
Você voltou com tudo, posso afirmar isso. A boa e fantástica Andréa Amaral de sempre.

Bjs, Lohan

Unknown disse...

Andrea,
lindo, lindo e lindo.
Seu texto é tão vivo, belo e sensível quanto o fantástico trabalho desse artista maravilhoso, o Nêgo.
Vc está sumariamente incumbida de organizar um passeio dos andarilhos letrados pra lá!!! Q tal?
Vamos fazer isso nas mini-férias?
Bjocas!!!!!!
Milhares!!!!!

Unknown disse...

Ah, vc me fez chorar lembrando o Tistu, um dos meus personagens favoritos...
E o nosso filme, vamos???????????????????

Camila disse...

Andréa, realmente seu texto é lindo!!! Muito sensível e reflexivo, eu diria emocionante... Deu vontade de levar minha filha lá!!!
Beijos!!!

Andréa Amaral disse...

Obrigada pelos comentários e desculpem a demora em respond~e-los e comentá-los também. Fiquei sem Pc. Aliás, quero aproveitar para avisar à todos que minha conta do hotmail foi "carbonizada" pelos implantadores de vírus, portanto, só aceitem o que vier do meu novo endereço: amaralandra9@gmail.com.
Já editei no blog dos Autores. Beijos.