quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O custo do amor

 (*Por Carla Zeglio)

Ah o amor... Tão discutido em prosa e verso.

Uma vez ouvi uma pessoa relatar que para demonstrar o amor pela parceria teria de dar provas constantes sobre ele. Quando peço exemplos o que recebo de resposta é: jantares especiais, presentes caros e assim tinha a certeza de que agradaria a parceria e seria amado.

Muitas pessoas confundem o amor com troca financeira. Não que não seja legal, ter uma graninha, para fazermos carinhos e agrados a nossa parceria, mas só a troca de presentes bons jantares certamente não será uma maneira de fazer a manutenção da relação com qualidade.

Que papo besta esse seu, Carla... Muito melhor chorar na França. Pois é...

Escrevo, pois venho falar de envolvimento afetivo. Capacidade de suportar frustrações na vida a dois que dinheiro nenhum paga... Na volta da França teremos de nos olhar nos olhos outra vez. E ai?

A maioria dos casais que ouvi e ouço, além de amigos e amigas (todos considerados pessoas que estão buscando um padrão de relacionamento com estabilidade emocional), é que existe dificuldade de manter a relação a dois mesmo quando se tem dinheiro se não temos demonstrações de afeto. A falta de grana pode ser um problema. Não falo de amor e uma cabana. Não discuto uma visão romântica de relacionamento... Se assim fosse, teríamos de suportar as princesas e seus príncipes em viagens estonteantes e caríssimas, com qualidade de vida e com o final de foram felizes para sempre. Bonito, né? Só nos livros e filmes de Walt Disney e Cia.

Viver a dois implica em algo mais.

Numa disposição para dar conta do seu sofrimento e do outro... Em celebrar sua alegria e a do outro. Respeitar a ambição sua e do outro. Conviver com a sua família e a do outro... Com a sua sogra e a do outro. (agora eu ri). A sogra do outro é sua mãe.

Saber que o casal não é uma ilha. Muitas vezes acreditam que sejam.

Enquanto escrevo, me vem à cabeça um casal muito querido, que morou anos fora do Brasil, pois ele estava bem colocado numa empresa. De repente, a empresa é vendida e ele perde o emprego. Sem condições de se manterem no país que estavam, decidem voltar ao Brasil, ‘a cidade de origem dele. Que ela conhece muito bem, diga-se de passagem.

De inicio ela sente-se mal com a pobreza, o não poder deixar o guarda-chuva na rua sem que o furtem, as balas perdidas na cidade que mora, as filas do banco, problemas com a Vivo, TIM, Claro, Oi.

Ela me diz: - Não era assim lá no país que morei.

Respondo: A realidade hoje é outra. Você já a conhece. Não tem nada de novo. A situação real é aqui. Não adianta querer algo que hoje é impossível.

Podemos planejar outra volta para lá. Hoje sua verdade é aqui.

Ela me conta que seu companheiro diz a mesma coisa. Lembrando que foi ele quem perdeu o emprego, a estabilidade, a tranquilidade e vive uma sensação de medo, insegurança, incompetência, etc.

Uma semana e meia depois voltamos a conversar e ela me conta que ele está em profundo estado de tristeza como o que ela estava num momento anterior. Que só consegue ver situações ruins na nova-velha cidade, mesmo tendo guardado dinheiro suficiente para jantarem em bons lugares, dar presentes caros e viverem bem.

Ela me diz que tenta ajudá-lo dizendo que a situação está cômoda e confortável. Que não faltará nada. Que tem dinheiro para uma vida confortável.

Ele responde que precisa estar bem com ele para poder estar bem com ela.

Ela sente-se deixada de lado. Pouco importante. E realmente está, com menos importância no momento.

Em alguns momentos a dor individual é tão grande que a parceria deixa de ser foco de nossas preocupações. Não por falta de amor. E sim, por ter de cuidarmos de nós primeiro. Se não existe o eu, não existiremos nós.

Ele afirma que só será de novo, ele mesmo quando tiver um emprego e sentir-se inteiro novamente conseguirá voltar a ser nós.

No momento em que percebe que não é fonte de receber afetos positivos. Ela me diz que vai cuidar dele, pois com ele ela quer ficar, mesmo num momento de crise como esse. Muitas vezes a crise no casal se dá a partir de crises individuais. Se ela não compreendesse o momento seria um peso a mais na dor deste parceiro.

Uma amiga querida de nome Louise, psicóloga também, brinca dizendo a verdade de que o amor muitas vezes precisa de vedação. Senão morre de infiltração. Com dinheiro ou não.

Na crise, uma viagem a França certamente será péssima. Na crise costumamos perder o contato olho no olho. Perdemos a capacidade de sermos assertivos na nossa necessidade. Perdemos a noção de qual o valor do dinheiro. Pobre casal rico. Que deixa a graça de comer sanduíches, sentados juntos no chão da sala, no sábado a noite pela obrigatoriedade do Glamour como manutenção do amor. Se não existe troca justa de afeto... Não existe troca justa de cheques. Em algum momento, falta algo que o dinheiro não compra.


5 comentários:

Alt Oliveira disse...

Olá Carla, até quando iremos manter essa troca de valores não é? Tanto afeto desperdiçado (vejo como as petalas arrancadas de uma flor, onde em vez de doar o botão, desculpa para ver aquele alguém especial, passa-se horas tentando adivinhar se bem ou mal-me-quer), quem nos dera aprender de forma leve que antes de ser amoroso, é ser relação, entrelaçar-se diante do que tem em volta, de quem divide o amor desse alguém, permitir ter uma vida a parte do relacionamento. Belissimo texto, espero que aprendamos a amar... No sentido amar da palavra :D
Beijão Querida!

Anônimo disse...

O Altzinho! Que alegria recebermos sua visita. Venha sempre dar sua opinião sobre nossas reflexões! Antes de sermos dois... Temos de ser UM. E nos sabermos um.
Um beijo em vocês.
Carla

Camila disse...

Os casamentos e uniões de modo geral deveriam vir com um kit que incluísse uma "Carla de bolso". É tão difícil passar por todos os altos e baixos financeiros num país de economia fragilizada como o nosso, que somos postos à prova a todo momento. Mas também penso que se não houver uma cumplicidade, uma predisposição a colaborar em momentos difíceis, não há dinheiro no mundo que resolva. A verdade é que é tão bom perceber que o relacionamento dá certo, que vale a pena, APESAR disso ou daquilo, ou ainda, que isso ou aquilo unem ainda mais o casal...
Seu texto é mais que instrutivo, é uma leitura prazerosa, porque nos faz entender que o amor vem de dentro pra fora e nunca de fora pra dentro. Sou suspeita, porque sou muito fã do seu trabalho, das suas ideias, da sua maneira de pensar. Obrigada pelo texto-presente!

Lohan Lage Pignone disse...

Carla, você já sabe o quanto seus textos abalam toda e qualquer estrutura. Eles renovam nossas ideias, dão base. Continua mandando ver, terá sempre meu apoio. ;)

Beijos,
Lohan

Anônimo disse...

Camilíssima e Lohan,
Vocês são presentes na minha vida. Obrigada por estarem sempre tão presentes e com crítica cuidarem das minha tentativas de escrita.
beijo com amor,
Carla