Se a Zona Sul
soubesse a harmonia em que convivem a doçura e o caos nas ruas irregulares do
subúrbio, certamente estaria de mudança para Madureira. Devo pedir perdão
previamente à Urca, Copacabana, Leblon, Garota de Ipanema e Manoel Carlos. Mas
tudo parece morno quando comparado à energia pulsante que move pessoas, carros,
trens e metrôs por esse pedaço esquecido da cidade maravilhosa. É o lugar onde
não é praxe esbarrar em uma celebridade e dificilmente se é descoberto por um
caça-talentos. É dormitório de domésticas, serventes e operários, abriga o
imenso staff que move a engrenagem dos famosos bairros cariocas. É um refúgio
sem flashes, recanto dos anônimos.
Lá
amanhece quando ainda não há sol. Uma multidão de despertadores move trabalhadores
até a condução. O ônibus é a extensão da cama para quem tem a sorte de
conseguir um lugar. Os vagões do trem são mercados, bazares e até mesmo
igrejas, quando alguém leva a bíblia para pregar. Dizem que todos os dias
algumas almas são salvas entre o Engenho de Dentro e a Central do Brasil.
Donas
de casa rompem o marasmo da manhã encontrando-se nos muros para comentar sobre
a vida alheia. A pauta inclui a programação das novelas e pessoas
interessantes, que cabem ou não nas revistas de fofoca. Quem vê essas senhoras
de longe até acredita que voltou no tempo. Não é o máximo que em uma cidade
imensa ainda existam pessoas que dedicam seu tempo a uma boa prosa?
Crianças
brincam na rua, interrompendo o futebol vez ou outra para dar passagem a um carro,
moto ou qualquer outro veículo inconveniente. As bonecas são compartilhadas, os
carrinhos, pipas e bolas de gude. Creio que o subúrbio é um dos últimos lugares
onde as pessoas ainda têm prazer em compartilhar. Compartilha-se desde o “gato”
da TV a cabo até o bolo de fubá batido em uma tarde de quarta-feira.
Na
hora do almoço, os cheiros se confundem. Muitas panelas chiam feijão cozido
enquanto alhos torram nas frigideiras. O burburinho das crianças cede lugar aos
barulhos de pratos e talheres. Nessa hora, o passeio por uma rua de Marechal
Hermes é o bastante para nos abrir o apetite.
Apesar
de conservar costumes deliciosos que a vida moderna tenta a todo custo
extinguir, o subúrbio não está parado no tempo. Os prós e contras da vida
contemporânea também são percebidos por lá. Se a máquina de lavar acabou com as
reuniões de vizinhas no tanque, nas lan houses, o contato com a tecnologia é
uma ótima desculpa para confraternizar.
Se
na Zona Sul as pessoas vivem com glamour, é no Subúrbio que se vive de verdade.
Nem o orçamento apertado ou a falta de acesso aos serviços públicos desanimam
esse povo. Posso afirmar que em toda madame cheia de roupas de grife, champanhe
e prozac falta a alegria descontraída de um passeio no calçadão de Madureira.
3 comentários:
Lindo!!! A autora é clara, objetiva mas com a dose certa de poesia. Adorei!
Adorei! Nossa, uma crônica no ponto, como uma boa crônica deve ser. Obrigado, Priscila, por ter abrilhantado o Autores S/A!
Que cafonice ficou esse site!!
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