Quero, antes de qualquer coisa, me desculpar por não ter postado a parte 8 da história na semana passada. Por motivos de força maior, não tive condições de escrever. Todavia hoje todos poderão dar continuidade a essa história que já está chegando em sua reta final. Quero também agradecer a todos que se preocuparam comigo, e que vieram me perguntar sobre a história, intrigados, rs. Podem ficar tranqüilos, o Euclides não assassinou o autor da história. Pelo menos ainda, né...rs Abraços a todos, e tenham uma ótima leitura!
No chão daquele quarto de hotel, um telefone celular é totalmente despedaçado por um martelo. Aqueles pedaços, vários, espalhados pelo chão... Foram motivos do riso de Euclides, que tinha o rosto refletido no espelho da parede. Tudo caminhava de acordo com seus planos.
Reuniu todos os fragmentos do celular em uma sacola plástica e lançou dentro de um latão de lixo qualquer, numa esquina qualquer do Centro da cidade. Agora ia ao encontro de uma pessoa, num bar próximo.
-E então, seu danado? O que foi aprontar ontem! – Admoestou Charles, com seu jeito despreocupado de viver, uma caneca de chopp na mão direita.
-Eu fui acusado de matar minha avó. Isso é certo? Deveria ter ficado calado?
-É... Entendo sua situação. Seus pais são dois sujeitos muito complicados. Sua mãe então, nem se fale. Não é a toa que mal nos falamos... Ficou muito soberba depois que enriqueceu. Eu não! – Sorriu, erguendo a caneca – Eu sou um cara tranquilão, vivo minha vida sem preocupações, sem exageros.
-Admiro o senhor por isso, tio. Mas por que me chamou aqui?
-Imaginei que fosse sair de casa mesmo. Conheço teu gênio. Peguei seu telefone, e te liguei porque quero te convidar pra ficar na minha casa, até que tudo se resolva, claro.
-Poxa tio... Obrigado. Eu fico feliz que alguém se importe comigo, ainda mais o senhor, que nunca falou com minha família direito...
-Não é nada demais. Eu, melhor do que ninguém, sei do que é ser acusado de matar alguém quando na verdade, nem se sabe ao certo o que ocasionou a morte do sujeito...
-Sei do que está falando, tio. O meu irmão, não é?
-Não gosto de recordar essa história. Sua mãe jamais poderia ter me dito aquelas palavras. Eu tava... Eu tava bêbado, não vi nada.
-Eu acredito no senhor.
-Não me chame de senhor, garoto!
-Não me chame de garoto também.
Charles riu-se, amargurado por aquela lembrança.
-O pior é que, mesmo não tendo culpa de porra nenhuma, eu sempre sinto remorso quando lembro disso.
-Meu irmão já morreu há um bom tempo. Vamos esquecer isso.
-É, vamos!
E brindaram suas canecas de chopp.
É hora do almoço. Ariano está saindo bem arrumado de casa, quando é notado por sua mãe, que punha os pratos sobre a mesa.
-Hum! Que elegância é essa, gente! Todo perfumado, cabelos bem penteados... Aonde o moço vai desse jeito?
-Vou me encontrar com ela, mãe. A Lia. – Disse, radiante. – Combinamos de almoçar juntos.
-Nossa, que bom! – Sorriu Arlete, compartilhando a alegria do filho – Fico tão feliz em te ver feliz... Você parece esbanjar vida por todos os poros do corpo. Mas você ligou para ela ontem?
-Não, enviei uma mensagem. E ela respondeu, dizendo que aceitava.
-Mensagem? Por que não ligou?
-Eu liguei, mas ela não atendeu. Enviei a mensagem, que por sinal, eu até prefiro. Tenho menos vergonha assim...
Arlete balançou a cabeça, em sinal de indignação.
-E o papai, não vem almoçar?
-Ele ligou, disse que está bem atarefado no escritório hoje... Cheio de processos, coitado, já disse que desse jeito ele não vai dar conta. Pelo visto, vou almoçar sozinha hoje então, né. E o pé, já melhorou?
-Já, tirei a caneleira hoje pela manhã. Agora deixa eu ir, mãe. Me deseja sorte?
-Desejo tudo de bom pra você, meu querido.
Ela vai até Ariano, e lhe estala um beijo no rosto.
-Só tome cuidado com as emoções fortes, viu?
-Sem emoções fortes, a vida não tem graça nenhuma. – Responde ele.
Ariano sai, otimista. No caminho, segue o conselho de Euclides, e compra um lindo ramalhete de rosas. Não custou muito tempo para ele chegar no local marcado. Sentou-se à mesa, comportado. Foi bem recepcionado por um dos garçons, que lhe entregou o cardápio.
-Obrigado.
Suas mãos suavam um líquido gelado. Sentia-se como uma geleira derretendo; o coração palpitava a cada pessoa que adentrava naquele recinto. O perfume de alfazema de Lia ele parecia sentir mesmo em sua ausência. Ausência física, pois em seu espírito, ela estava sempre presente.
Passaram-se quinze, trinta, quarenta minutos. Ariano já tinha se levantado, ido ao banheiro, lá fora, respirava fundo, transpirava longo, coçava a cabeça, tornava à mesa. Já não agüentava mais a espera quando vê chegar no restaurante um companheiro do jornal.
-Ei, como vai Ariano? – Cumprimenta Saulo, indo até a mesa de Ariano apertar sua mão.
-Olá meu amigo. Vou bem. Quer dizer... Nem tanto. Estou aqui esperando uma pessoa, há quase uma hora, e nada. Senta aí.
-Obrigado, mas já estou de saída. Só vim aqui entregar um recado ao dono do restaurante. – Disse, se acomodando na cadeira defronte Ariano - Putz, que sacanagem hein... Eu já teria dado no pé.
-Você a conhece. É a Lia Neide, da redação.
-A Lia? Ah garoto! Está tentando conquistá-la, é? E essas flores, eram pra ela? Mandou bem, hein.
-Sim, eram para ela... Estou tentando, mas está difícil. Ela não dá nem esperança.
-Olha cara, acho que sei o que aconteceu. Não tenho certeza, mas ouvi alguém dizendo lá na redação que hoje ela faltaria o trabalho porque faleceu um grande amigo dela. Aquele pugilista que estava ganhando fama, Adalberto Rangel. Dizem também que eles tinham um caso...
-Como? O Adalberto morreu? Mas... Ele era o ex-namorado dela!
-Foi o que ficamos sabendo. Já estão até noticiando na tv. Ele foi brutalmente assassinado na praia do Leblon. Esses caras... Lutadores marrentos, acham que podem tudo. Deve ter encarado assaltante e não dado conta da briga.
-Minha nossa... Coitada da Lia... Mais uma perda!
-Por que?
-Ela perdeu o pai há pouco tempo. Agora entendo o porque dela não ter vindo. E eu aqui pensando um monte de besteira...
-Mas ela podia ter te ligado, não acha?
-É... Mas ela pode ter esquecido. É, ela esqueceu. – Concluiu, tristemente.
-Por que você não liga para Julia? Ela sabe melhor o que houve, pois foi para ela que a Lia telefonou. Preciso ir agora, Ariano. Aquele abraço, se cuida hein.
Eles apertam as mãos novamente. Saulo se despede e sai do restaurante. Ariano não perde tempo em ligar para Julia.
-Julia, o que aconteceu com a Lia?
-Com ela ainda não aconteceu nada. Mas pelo andar da carruagem, tanto ela quanto você correm sério perigo perto dele...
-O que está falando?? Ele quem?
-Onde você está agora?
-No Sushimar, perto do jornal...
-Ok. Eu vou até aí, estou no meu horário de almoço. Precisamos conversar pessoalmente.
-Eu, eu te espero... – Gaguejou, nervoso.
Julia desliga o celular, apanha sua bolsa a tiracolo e sai de sua sala.
Ana Lucia liga a televisão, jogando-se no sofá da sala.
- “Um corpo foi encontrado por um gari, hoje pela manhã, na margem da praia do Leblon. Adalberto Rangel, pugilista de vinte e seis anos, foi brutalmente assassinado. A carreira deste talentoso esportista começava a decolar internacionalmente. No mês passado, ele venceu três lutas importantes nos Eua...” – Anunciava a jornalista.
-Jesus, até na praia estão matando as pessoas. Será que ninguém viu isso? – Indignou-se Ana, atentando para a reportagem.
- “Vamos ouvir o delegado da 14º DP do Leblon, Régis Noronha. Delegado, como é caracterizado este crime na opinião da polícia?
-Bem, obviamente o crime é caracterizado como um homicídio doloso. De acordo com os peritos, o assassinato foi realizado na madrugada desta quinta-feira, na própria praia. Supõe-se que a vítima tenha sido golpeada por um bastão de madeira, e posteriormente, levada até o mar desacordada, onde, fatalmente, foi a óbito por afogamento.
-Seria um assassinato premeditado, ou fortuito, sendo realizado por um assaltante, por exemplo?
-Já temos algumas informações aqui, que leva a crer que tudo foi premeditado. No entanto, precisamos ser cautelosos na investigação, não podemos divulgar nenhuma pista precipitadamente. O que a vítima estaria fazendo há essa hora numa praia deserta? É uma pergunta que logo formulamos, e estamos partindo desse pressuposto.
-Ok, delegado. Desejo boa sorte a vocês, e que a justiça seja feita.
-Com certeza será.
-Tenha uma boa tarde.”
Ana Lucia sorriu, orgulhosa.
-Até que meu maridão se sai bem com esses repórteres... Coitado, mais um árduo trabalho pela frente...
Neste momento, seu filho chega da escola com a empregada. Ele entra correndo em casa, direto para os braços da mãe.
-Oh meu querido! Como foi na escola?
-Hoje aprendi os adjetivos. Disse que você era bonita. É uma qualidade que dei pra você.
-Ah, meu lindinho! Obrigada. Seu pai apareceu agorinha na televisão.
-Jura?
-É, mas ele não falava de coisa boa não... Tem muita gente ruim nesse mundo, e são essas pessoas que ele tenta pegar.
-O papai é muito esperto. Com ele ninguém pode!
-É... Espero mesmo que continue assim, filho... – Disse, num devaneio de preocupação.
Julia e Ariano solicitaram seus pratos.
-Ela ia adorar as flores, são lindas. – Elogiou Julia, admirando o ramalhete de rosas sobre a mesa.
-Eu não dou sorte mesmo... Mas, e então? O que tem de tão importante pra me dizer?
Julia estende os braços sobre a mesa, segurando as mãos de Ariano que se cruzavam na extremidade da mesa.
-Preciso que acredite em mim, Ariano.
Ariano hesita.
-Não precisa ficar nervoso, quero que mantenha a calma. Também me preocupo com sua saúde, este foi um dos fatores que me fizeram não te contar antes...
-Vai, fala logo, eu to bem.
-O Euclides é um homem perigoso, Ariano.
Ariano sorri, desconcertado.
-Como? Está me gozando? De onde tirou tanta implicância contra ele?
-Tem muita coisa que você não sabe sobre ele... Coisas que pensei que fosse enxergar sozinho, mas vejo que isso não será possível. O Euclides é mestre em persuasão, em disfarce. E você é um menino muito ingênuo.
Ariano afasta suas mãos das de Julia, recolhendo-as para sobre suas pernas.
-Ingênuo, eu? Me desculpe Julia... Eu não sou nenhum idiota.
-Sabe qual é o seu maior defeito, Ariano? Você não sabe reconhecer os seus defeitos. Você é um jovem excepcional, isto é inegável. Mas ser incrível não significa ser perfeito. Não que sua pureza seja um defeito, mas você precisa aprender a ouvir aqueles que gostam de você e que possuem mais experiência de vida do que você.
Ariano inclina a cabeça, vexado.
-Desculpe eu ter que te dizer essas palavras, mas é preciso, meu querido. Queria ter tido tempo de dizê-las ao meu filho...
-Você transferiu a imagem do seu filho para mim, Julia. Eu sou muito parecido com ele, mas não sou ele.
-Eu sei... – Ela sorri, emocionada – Me perdoe, Ariano... Você está certo. Mas deixa eu cuidar de você?
Ariano se mostra compadecido por Julia, ao sentir o carinho maternal da mulher.
-Eu sou espírita, acho que nunca te disse isso. Uma semana depois que meu filho se foi, eu fui ao centro espiritual, e lá ele... Ele me enviou uma mensagem.
-Que mensagem? – Indagou, arcando o corpo, demonstrando interesse.
-Ele disse que... – Pausou, consternada.
Ela bebe um gole d’água e prossegue.
-Ele disse que quando eu o visse no olhar de alguém, que era pra eu proteger essa pessoa de todo o mal que a rodeasse, pois eu seria a única pessoa que poderia ajudá-la. Nunca me esqueci dessa mensagem... Imagina a responsabilidade que recaiu sobre minhas costas! Durante seis anos eu procurei por esta pessoa, e quando decidi parar de procurar, você me aparece no jornal. Quando bati os olhos em você, eu vi, no brilho dos seus olhos, o meu filho. Eu não vejo como uma transferência... Eu vejo que ele está em você.
-Não diga isso. Isso não existe, cada um é cada um.
-Não me importa se existe ou não. Essa discussão seria inútil a essa altura. O que importa é que eu seguirei o meu propósito. Estou aqui para te alertar. O Euclides não é seu amigo. Ele quer ser como você. Ele almeja tudo que você conquistou, e tudo que pode conquistar. Eu tive a certeza disso depois que ele conseguiu substituir você no jornal, garantir uma função semelhante a sua. Na terça-feira ele discutiu virtualmente com todas as pessoas que criticaram o texto dele.
-Eu não vi isso...
-Ele apagou. Eu ordenei que ele fizesse isso. Mas eu acompanhei tudo, Ariano. Ele não admite críticas. As pessoas sentiram sua falta, se preocuparam com você, e deram pouca importância ao texto que ele publicou.
-Eu também ficaria chateado nessa situação. – Retrucou, irredutível.
-Ele está tentando conquistar a Lia. – Argüiu, agora com a certeza de que abalaria de vez a estrutura do jovem.
-Como?
-Você contou a ele que está apaixonado pela Lia. Contou também que a chamaria para sair no dia do aniversário dela. Lembra?
-Contei... E?...
-Enquanto você estava debilitado no hospital, ele a convidou para sair no seu lugar. Seu grande amigo lhe disse isso, Ariano?
-Não! – Espantado – Não pode ser, ele teria me contado... Mas eles saíram juntos?
-Não, porque no dia nós iríamos visitar você no hospital. Mas, não fosse isso, ela teria aceitado. A Lia ficou toda derretida com o convite, você precisava ver o modo como ela me contava. Trocaram telefones. Estão íntimos. Vai me dizer que não sabia de nada disso? – Continuou, tal como Iago fez com Otelo; no entanto, Julia desejava proteger seu amigo, e não vingar-se.
-Por favor... Ele não seria capaz de tal traição. Vai ver ele fez isso sem segundas intenções...
-Ah, faça-me rir! Ariano, pelo amor de Deus! Não me faça te chamar de imbecil! Que homem faz tudo isso sem ter segundas intenções? A não ser que ele seja gay!
-O Euclides... Será que ele está apaixonado por ela também?
-Você precisa ver como ele olha para ela... Ele está se aproximando aos poucos... Está preste a dar a bote. Mas eu não diria que ele está apaixonado. Creio que seja por sua causa. Como já te disse, ele mira tudo que você tem ou pode ter.
-Por que essa obsessão comigo? Isso é loucura!
Ariano se levanta da mesa, exasperado.
-Calma, Ariano. Sente-se, que eu ainda não terminei.
-Eu já ouvi o bastante! Absurdo, absurdo! Meu Deus... É assim que quer me proteger? Me deixando desse jeito?
-Acalme-se! Você não pode se alterar!
-Mas foi justamente isso que você fez!
-Ariano, eu ainda não terminei... A morte do Adalberto.
-Ah, só falta agora você me dizer que foi ele quem deu cabo do cara.
-Eu acho que sim.
Ariano balança a cabeça, totalmente fora de si.
-Sente-se.
Ele adere a imperatividade de Julia, e torna a se sentar.
-Ele roubou o celular da Lia. Isso está claro para mim. Ontem somente ele entrou na sala dela antes do sumiço do aparelho. Ela sabe que ele é forte suspeito, mas não quer dar o braço torcer, com medo de acusá-lo injustamente, essas coisas.
-E que diabo isso tem a ver com a morte do Adalberto?
-O que o Adalberto estaria fazendo naquela praia, à uma hora daquela? Ele foi morto de madrugada. Assassinado com golpes de porrete na cabeça, e depois jogado no mar. Suspeito que o Euclides tenha usado o celular da Lia para marcar um encontro com o Adalberto.
-Que mente fértil você tem...
-Mente fértil e maligna ele tem.
-A Lia me respondeu a mensagem ontem, pelo celular! Ela aceitou meu convite!
-A Lia... Como, se o celular dela foi roubado a tarde? Você acha que um ladrão comum teria se preocupado em tramar um sacanagem dessas pra você?
Ariano balbucia, como quem concorda.
-Sei que não tenho provas, mas tudo está muito claro para mim. Eu sinto uma energia muito negativa perto dele.
-Eu não me baseio em espiritualidade para acusar uma pessoa de assassinato. Onde já se viu isso? Admiro você, uma grande jornalista, dizer uma coisa dessas, sem provas, nada concreto!
-A Lia estava balançada pelo Adalberto... Ele deu cabo do Adalberto para que seja menos um empecilho no caminho dele. Por isso você e ela precisam tomar muito cuidado!
-Chega, Julia. Olha, que ele esteja apaixonado pela Lia, pode até ser. Mas matar uma pessoa... É melhor pararmos por aqui.
-Vou dar queixa dele. Caberá a polícia investigar se é verdade ou não.
-Não faz isso...
-Espero que você leve em consideração tudo que lhe disse e... Quero te pedir uma coisa: não conte nada a ele. Não deixe ele saber que você sabe. Fique na sua, observe os passos dele sorrateiramente. Se ele desconfiar que você sabe... Correremos sérios riscos. Psicopatas se livram daqueles que descobrem que eles são psicopatas.
O garçom lhes serve o almoço.
-Eu não vou comer. Perdi o apetite. – Declara Ariano.
-Tudo bem, eu entendo. Toma.
Julia tira da sua bolsa um pedaço de papel e entrega a Ariano.
-Aí está o endereço do cemitério que o Adalberto será enterrado, e o horário também.
-Pra que está me dando isso?
-A Lia está precisando de apoio. Você sabe bem disso.
-Será mesmo que devo ir?
-Fique junto dela, Ariano. Fique junto dela.
Ariano guarda o endereço no bolso.
-Eu vou indo.
Ele se levanta, não sem antes deixar uma quantia em dinheiro sobre a mesa.
-Não pre...
-Faço questão. – Interrompe ele. – Pode ficar com as flores também.
Julia também se levanta, encarando Ariano.
-Se cuida, meu filho.
Ela lhe dá um beijo no rosto. Ariano retribui friamente.
-Tudo bem, eu... Eu agradeço pela preocupação. Adeus.
Ariano se retira, ainda meio atordoado pelas revelações bombásticas que Julia lhe fizera. Atravessou a rua sem verificar o semáforo, e por sorte não foi atropelado. Um carro freou a poucos metros de si.
-Acorda pra vida, menino!! – Berrou o motorista, gesticulando agressivamente pela janela do carro.
Ariano, ainda tomado pelo susto, fica estático, fitando o motorista. De ímpeto, ele sai correndo em direção à calçada, com aquela frase martelando em sua cabeça: “Acorda pra vida, menino”.
“Vários sinais”, ele pensava, enquanto caminhava rapidamente, sem destino. “Todos querem me alertar. Basta eu escutá-los”.
Ele pára, e tira do bolso o endereço do cemitério... Ao ler novamente o que estava escrito ali, começa a pensar em Lia Neide, em todo seu sofrimento; no quanto ela estava precisando de um ombro amigo.
Enquanto isso, Euclides, que ainda não tinha saído hotel, pesquisava na Internet, pelo seu lap top, o local do enterro de Adalberto.
-Viva Las Vegas, haha! – Comemora – Cemitério São João Batista! Poderiam mudar o nome para Euclides dos Santos em minha homenagem! Todos os defuntos eu mando para o mesmo cemitério, não é possível! Ontem, minha querida avó, hoje, o boxeador de meia-tigela!– Zomba, prazerosamente – Pronto... Acho que chegou a hora de vestir uma roupinha a la muerte, e bater meu ponto em mais um velório...
Cinco e meia da tarde. Faltava meia hora para o enterro de Adalberto. Euclides chega no cemitério e segue direto até o túmulo recente de sua avó. Vestido com elegância, terno preto, calça de linho, óculos escuro – ele finge fazer uma prece diante do túmulo afastado da movimentação do velório.
-Como está aí embaixo, Dona Hilda? Muito frio? Aqui em cima o clima ta bem quente. Olha, to até suando – Diz ele, secando o suor da testa com um lenço de pano.
-Vó, eu não vim aqui te visitar não. Isso aqui é só uma ceninha, sabe. A senhora não passa de um pretexto nessa história toda. É que a Lia, a mulher que eu amo, está lá na capela agora, provavelmente chorando rios de lágrimas por causa de um Zé ninguém, que já deve ter conhecido a senhora, creio eu. Bem, vou até lá marcar minha presença. Tenha uma boa festa com os vermes.
Euclides se benze rapidamente, e segue em direção a capela. Lá, ocorria o velório de Adalberto Rangel. O caixão estava lacrado. As lesões nas faces de Adalberto estavam horrendas.
Havia poucos familiares e amigos, e também alguns curiosos. Euclides entra acenando com a cabeça para alguns presentes que espiavam sua entrada. O choro da mãe da vítima era doloroso. Ele procura por Lia, e logo a encontra, perto do caixão, secando as lágrimas com a mão. Ele se aproxima dela e lhe oferece um lenço. Ela aceita, sem nem reconhecê-lo. Ele tira os óculos e se apresenta.
-Será que mudei tanto assim?
-Ai... Euclides, você aqui?
-Tomei gosto por cemitérios... Ontem mesmo estive aqui, nesta capela. Brincadeiras à parte, eu vim até aqui fazer uma oração para a minha avó, e então soube do velório... Não resisti, e vim até aqui por sua causa, Lia. Ontem você me deu a maior força, saiba que não esqueci disso em nenhum momento. Quero ser grato a você. Mas não faço apenas por gratidão... Faço porque você é uma menina muito especial, que não merece sofrer.
-Obrigada... Você é um anjo. – Diz ela, sorrindo em meio às lágrimas, olhando nos olhos de Euclides.
-Finalmente olhou dentro dos meus olhos.
-Ah!, ela riu, secando as lágrimas com o lenço que lhe fora emprestado.
-Imagino o quanto está sofrendo. Você ainda o amava. Agora somente o tempo e um novo amor poderão curar essa ferida dentro do seu peito.
-Tempo... Novo amor... Parece que nada mais disso existe para mim. Estou aérea, vulnerável.
-Deixa eu proteger você, Lia.
-Me proteger... Há, não é preciso. Eu já estou me acostumando, essa é a verdade.
-Não se habitue a morte. Busque a vida. Ela está mais perto do que você imagina. Ela está no amor.
-Obrigada pelas palavras... Nossa, eu no seu lugar não suportaria... Presenciar o velório de duas pessoas, por dois dias consecutivos.
-Daqui a pouco vão me confundir com o coveiro.
Eles riem baixo. Algumas pessoas percebem o burburinho causado por ambos, e se incomodam. Lia se desfaz imediatamente do semblante risonho, tornando mergulhar no clima lúgubre.
-Minha mãe disse que vinha, que ia sair cedo do trabalho, e até agora nada... – Reclama Lia.
-Calma, eu estou aqui com você.
Euclides abraça os ombros de Lia.
Neste momento, um jovem trôpego entra na capela. Não usava óculos escuro, pois detestava. Usava o seu, de costume. Estava vestido de luto. Seu olhar preocupado percorre todo o recinto. Ariano Bezerra avista, dentre aquela pequena aglomeração, a sua amada Lia Neide. E, naturalmente, a pessoa ao lado dela...
-Euclides? – Ele murmura para si, abismado.
De imediato ele “invade” a capela, retumbante. Lia e Euclides notam sua aproximação, espantados. Euclides, de fato, não esperava pela chegada de Ariano. Sentiu-se constrangido.
-Lia... – Cumprimenta Ariano, beijando seu rosto.
-Euclides.
Ele encara Euclides com um olhar surpreso, e desconfiado.
-Amigo, não esperava que viesse. – Balbucia o homem de olhar epilético.
-Engraçado, você tirou as palavras de minha boca.
Euclides abaixou a cabeça, desconcertado. Achou que seria melhor manter-se calado.
-Lia, meus pêsames. Eu recebi o recado da Julia, não pude deixar de vir até aqui lhe dar esse apoio.
-Obrigada, Ariano. Você e o Euclides são dois grandes amigos.
Ariano e Euclides se entreolham, num certo clima de animosidade.
-Como você soube, Euclides?
-Foi coincidência. Vim visitar o túmulo de minha avó, e soube. Imaginei que a Lia estivesse aqui, e vim fazer o mesmo que você.
-Você sabia que o Adalberto era o ex-namorado dela?
-Sim, por que?
-Nada... É que poucas pessoas sabem disso. – Murmura Ariano.
-Nós conversamos sobre isso – Diz ela a Ariano - Gente, vamos fazer silêncio, o caixão já vai ser levado.
Ariano morde os lábios, inquieto. Euclides observa seu estado agitado com um sorriso preso dentre os lábios.
Um homem chega apressado na capela, muito esbaforido, como quem tivesse corrido um quarteirão inteiro para ali chegar. Ele corre até o caixão, aos prantos. Abraça o caixão, promovendo uma cena comovente.
-Meu irmão! Meu braço!! – Berra ele.
Os familiares de Adalberto afastam o rapaz do caixão, pedindo que ele tivesse calma. Desesperado, o rapaz grita, batendo no peito:
-Calma!!? Eu não vou ter calma enquanto a culpada disso tudo não pagar pelo o que aconteceu com meu amigo! Cadê aquela vadia?!
Todos se entreolham, assustados. O rapaz, que se chamava Vitor, fita seu olhar furioso em Lia.
-É ela... – Ele diz, com uma voz sinistra. – Ela é a assassina!!
Incontrolável, ele contorna o caixão, partindo para cima de Lia Neide, que sem nada entender, se esconde atrás de Ariano.
-Vagabunda, eu vou te matar!
Ariano tenta contê-lo
-Ei, não encosta nela!
E recebe um soco no nariz, que o derruba no chão. Euclides engravata Vitor, enquanto outros homens se aproximam para segurá-lo também.
Lia se abaixa para socorrer Ariano, que sangrava pelo nariz.
-Minha Nossa Senhora, Ariano, você ta bem??
-To, to... Só acho que quebrei o nariz...
Ela o ajuda a se levantar.
Vitor é retirado a força da capela pelos seguranças do cemitério. Lia ouve suas ameaças, e se desespera com aquela situação. Todos ficam a encarando, emburrados.
-O que eu fiz?! – Ela grita.
Ninguém responde.
O caixão é levado para o local do sepultamento. Lia permanece dentro da capela, inconformada. Euclides e Ariano lhe fazem companhia.
-Você precisa limpar esse nariz, cara. Tem um banheiro ali do lado. – Indica Euclides.
-Você poderia vir comigo, Euclides? – Pergunta Ariano, não desejando que o amigo ficasse sozinho com Lia.
-Claro. Fiquei aí, Lia. Não saia daí.
Os dois vão até o banheiro. Euclides ajuda Ariano a lavar o nariz.
-Não parece que quebrou. Mas que foi uma porrada forte, foi. – Diz Euclides, observando a lesão no nariz de Ariano.
-Desgraçado, ele ia bater nela se eu não tivesse ficado na frente!
-Você foi corajoso. Poderia até ter quebrado os óculos...
-Eu sou capaz de dar minha vida pela Lia. – Decreta Ariano, com o olhar fixo no pequeno espelho de parede.
Euclides também mira o espelho. Os olhares se encontram, num silêncio repentino.
-Você faria isso por uma mulher como ela, Euclides?
-Eu faria isso pela mulher da minha vida. Admiro seu sentimento. Você realmente ama essa menina.
-Que homem não ama Lia Neide?
Eles continuam se olhando pelo espelho, até que Euclides se vira para Ariano.
-Está insinuando alguma coisa ou é impressão minha, Ariano?
-Você sempre acha que estou insinuando alguma coisa, sempre na defensiva... O que eu estaria insinuando pra você, hein?
-Não sei... Ariano, me diz uma coisa: Você acha que eu amo a Lia Neide? – Atacou, lembrando-se daquele velho ditado de que o ataque é a melhor defesa.
Ariano pensou em tudo que Julia lhe dissera... Pensou também nos melhores momentos de amizade que tivera com Euclides...
-Não. Se você amasse a Lia, tenho certeza que eu, seu melhor amigo, seria o primeiro a saber.
Euclides sente um soco invisível atingir em cheio o seu rosto. “Ele está jogando comigo”, pensou. “Quer semear em mim o remorso... Quer arrancar a verdade de mim”.
-Com certeza seria. – Reafirma Euclides. – Pelo que vejo o sangue estancou. Vamos?
Com a mão no nariz dolorido, Ariano retorna para a capela ao lado de Euclides. Lá, eles não encontram Lia Neide.
-Meu Deus, será que ela foi pro enterro? – Preocupa-se Ariano.
Os dois vão em busca de Lia. De longe, eles avistam o corpo sendo sepultado, e Lia estava lá, no meio das pessoas.
-Ela amava esse cara mesmo. – Comenta Euclides – A morte dele vai abrir caminhos para você, Ariano.
-Você é maluco, Euclides? Como pode falar uma bobagem dessas agora?
-Foi mal, cara... Por que você acha que a Lia foi acusada de assassina por aquele louco?
-Imagino que seja por conta do tal roubo do celular... Meu Deus, essa história ainda vai dar pano pra manga... Estou prevendo um cerco contra a Lia. Acho melhor ligar pro meu pai.
-Ligar pro seu pai?
-Ele é advogado. Ela vai precisar de um, pode apostar.
Enquanto isso, terminado o enterro, Lia vai até o túmulo de Adalberto lançar a rosa vermelha que levara para homenagear o grande amor de sua vida. Ele que sempre lhe dava rosas nas ocasiões especiais...
-Adeus, A...
-Lia! – Chamou sua mãe, Dona Beatriz.
Lia olhou para trás. Em seguida, relanceou uma última vez o túmulo dele. Calada, ela se benzeu, e foi ao encontro de sua mãe.
-Mãe, que bom que chegou...
-Desculpa filha, o transito está terrível. E você, hein? Odeio te ver assim, totalmente abatida.
-A vida parece que só quer me ver assim ultimamente, mamãe. As pessoas saíram, ninguém veio falar comigo, me cumprimentar... Eu fui acusada de assassinato, mãe.
-Minha nossa!! Filha, quem?
-Um amigo de infância do Adalberto. Agora vamos, não agüento mais ficar aqui...
-Filha... Eu vi dois carros de polícia na entrada do cemitério.
Lia se detém, espantada.
-Será que...
-Não sei, e se esse cara chamou a polícia? De qualquer modo, vamos ir preparadas. Ninguém ousa acusar minha filha de assassinato na minha frente!
E foram. No caminho, cruzaram com Ariano e Euclides, que a esperava.
-Mãe, esses são meus amigos do jornal. O Ariano, e este é o Euclides.
-Oh, mas eu os conheço. Claro, pelos textos! É um prazer.
-O prazer é nosso. – Diz Euclides.
-Lia, eu já liguei para o meu pai, que é advogado. Ele virá até aqui. Fique tranqüila. Caso haja mais acusações, não responda nada sem a presença dele, está bem?
Ela consente com a cabeça, muito exausta.
Na saída do cemitério, os quatro são cercados por três policiais.
-É ela! – Grita Vitor, do lado de fora.
Um dos policiais se encaminha até Lia, que estava a ponto de desmaiar.
-A senhorita se chama Lia Neide?
-Sim, sou... Sou eu.
-Quero que venha até a delegacia conosco.
-Delegacia?? Serei presa? Meu Deus, mas o que eu fiz!! – Desesperada, olhando para as pessoas a sua volta.
-Acalme-se. A senhorita irá prestar um depoimento.
-Não sem o nosso advogado! – Intercala Dona Beatriz.
-Ela terá direito ao advogado. Mas agora temos que ir, senhorita.
-O que eu fiz...
-A senhorita está sendo acusada pelo assassinato de Adalberto Rangel, seu ex-namorado.
Lia, exangue, desaba nos braços de Euclides, desmaiada. Mal sabia ela que teria de ser mais forte do que nunca de agora em diante.
Reuniu todos os fragmentos do celular em uma sacola plástica e lançou dentro de um latão de lixo qualquer, numa esquina qualquer do Centro da cidade. Agora ia ao encontro de uma pessoa, num bar próximo.
-E então, seu danado? O que foi aprontar ontem! – Admoestou Charles, com seu jeito despreocupado de viver, uma caneca de chopp na mão direita.
-Eu fui acusado de matar minha avó. Isso é certo? Deveria ter ficado calado?
-É... Entendo sua situação. Seus pais são dois sujeitos muito complicados. Sua mãe então, nem se fale. Não é a toa que mal nos falamos... Ficou muito soberba depois que enriqueceu. Eu não! – Sorriu, erguendo a caneca – Eu sou um cara tranquilão, vivo minha vida sem preocupações, sem exageros.
-Admiro o senhor por isso, tio. Mas por que me chamou aqui?
-Imaginei que fosse sair de casa mesmo. Conheço teu gênio. Peguei seu telefone, e te liguei porque quero te convidar pra ficar na minha casa, até que tudo se resolva, claro.
-Poxa tio... Obrigado. Eu fico feliz que alguém se importe comigo, ainda mais o senhor, que nunca falou com minha família direito...
-Não é nada demais. Eu, melhor do que ninguém, sei do que é ser acusado de matar alguém quando na verdade, nem se sabe ao certo o que ocasionou a morte do sujeito...
-Sei do que está falando, tio. O meu irmão, não é?
-Não gosto de recordar essa história. Sua mãe jamais poderia ter me dito aquelas palavras. Eu tava... Eu tava bêbado, não vi nada.
-Eu acredito no senhor.
-Não me chame de senhor, garoto!
-Não me chame de garoto também.
Charles riu-se, amargurado por aquela lembrança.
-O pior é que, mesmo não tendo culpa de porra nenhuma, eu sempre sinto remorso quando lembro disso.
-Meu irmão já morreu há um bom tempo. Vamos esquecer isso.
-É, vamos!
E brindaram suas canecas de chopp.
É hora do almoço. Ariano está saindo bem arrumado de casa, quando é notado por sua mãe, que punha os pratos sobre a mesa.
-Hum! Que elegância é essa, gente! Todo perfumado, cabelos bem penteados... Aonde o moço vai desse jeito?
-Vou me encontrar com ela, mãe. A Lia. – Disse, radiante. – Combinamos de almoçar juntos.
-Nossa, que bom! – Sorriu Arlete, compartilhando a alegria do filho – Fico tão feliz em te ver feliz... Você parece esbanjar vida por todos os poros do corpo. Mas você ligou para ela ontem?
-Não, enviei uma mensagem. E ela respondeu, dizendo que aceitava.
-Mensagem? Por que não ligou?
-Eu liguei, mas ela não atendeu. Enviei a mensagem, que por sinal, eu até prefiro. Tenho menos vergonha assim...
Arlete balançou a cabeça, em sinal de indignação.
-E o papai, não vem almoçar?
-Ele ligou, disse que está bem atarefado no escritório hoje... Cheio de processos, coitado, já disse que desse jeito ele não vai dar conta. Pelo visto, vou almoçar sozinha hoje então, né. E o pé, já melhorou?
-Já, tirei a caneleira hoje pela manhã. Agora deixa eu ir, mãe. Me deseja sorte?
-Desejo tudo de bom pra você, meu querido.
Ela vai até Ariano, e lhe estala um beijo no rosto.
-Só tome cuidado com as emoções fortes, viu?
-Sem emoções fortes, a vida não tem graça nenhuma. – Responde ele.
Ariano sai, otimista. No caminho, segue o conselho de Euclides, e compra um lindo ramalhete de rosas. Não custou muito tempo para ele chegar no local marcado. Sentou-se à mesa, comportado. Foi bem recepcionado por um dos garçons, que lhe entregou o cardápio.
-Obrigado.
Suas mãos suavam um líquido gelado. Sentia-se como uma geleira derretendo; o coração palpitava a cada pessoa que adentrava naquele recinto. O perfume de alfazema de Lia ele parecia sentir mesmo em sua ausência. Ausência física, pois em seu espírito, ela estava sempre presente.
Passaram-se quinze, trinta, quarenta minutos. Ariano já tinha se levantado, ido ao banheiro, lá fora, respirava fundo, transpirava longo, coçava a cabeça, tornava à mesa. Já não agüentava mais a espera quando vê chegar no restaurante um companheiro do jornal.
-Ei, como vai Ariano? – Cumprimenta Saulo, indo até a mesa de Ariano apertar sua mão.
-Olá meu amigo. Vou bem. Quer dizer... Nem tanto. Estou aqui esperando uma pessoa, há quase uma hora, e nada. Senta aí.
-Obrigado, mas já estou de saída. Só vim aqui entregar um recado ao dono do restaurante. – Disse, se acomodando na cadeira defronte Ariano - Putz, que sacanagem hein... Eu já teria dado no pé.
-Você a conhece. É a Lia Neide, da redação.
-A Lia? Ah garoto! Está tentando conquistá-la, é? E essas flores, eram pra ela? Mandou bem, hein.
-Sim, eram para ela... Estou tentando, mas está difícil. Ela não dá nem esperança.
-Olha cara, acho que sei o que aconteceu. Não tenho certeza, mas ouvi alguém dizendo lá na redação que hoje ela faltaria o trabalho porque faleceu um grande amigo dela. Aquele pugilista que estava ganhando fama, Adalberto Rangel. Dizem também que eles tinham um caso...
-Como? O Adalberto morreu? Mas... Ele era o ex-namorado dela!
-Foi o que ficamos sabendo. Já estão até noticiando na tv. Ele foi brutalmente assassinado na praia do Leblon. Esses caras... Lutadores marrentos, acham que podem tudo. Deve ter encarado assaltante e não dado conta da briga.
-Minha nossa... Coitada da Lia... Mais uma perda!
-Por que?
-Ela perdeu o pai há pouco tempo. Agora entendo o porque dela não ter vindo. E eu aqui pensando um monte de besteira...
-Mas ela podia ter te ligado, não acha?
-É... Mas ela pode ter esquecido. É, ela esqueceu. – Concluiu, tristemente.
-Por que você não liga para Julia? Ela sabe melhor o que houve, pois foi para ela que a Lia telefonou. Preciso ir agora, Ariano. Aquele abraço, se cuida hein.
Eles apertam as mãos novamente. Saulo se despede e sai do restaurante. Ariano não perde tempo em ligar para Julia.
-Julia, o que aconteceu com a Lia?
-Com ela ainda não aconteceu nada. Mas pelo andar da carruagem, tanto ela quanto você correm sério perigo perto dele...
-O que está falando?? Ele quem?
-Onde você está agora?
-No Sushimar, perto do jornal...
-Ok. Eu vou até aí, estou no meu horário de almoço. Precisamos conversar pessoalmente.
-Eu, eu te espero... – Gaguejou, nervoso.
Julia desliga o celular, apanha sua bolsa a tiracolo e sai de sua sala.
Ana Lucia liga a televisão, jogando-se no sofá da sala.
- “Um corpo foi encontrado por um gari, hoje pela manhã, na margem da praia do Leblon. Adalberto Rangel, pugilista de vinte e seis anos, foi brutalmente assassinado. A carreira deste talentoso esportista começava a decolar internacionalmente. No mês passado, ele venceu três lutas importantes nos Eua...” – Anunciava a jornalista.
-Jesus, até na praia estão matando as pessoas. Será que ninguém viu isso? – Indignou-se Ana, atentando para a reportagem.
- “Vamos ouvir o delegado da 14º DP do Leblon, Régis Noronha. Delegado, como é caracterizado este crime na opinião da polícia?
-Bem, obviamente o crime é caracterizado como um homicídio doloso. De acordo com os peritos, o assassinato foi realizado na madrugada desta quinta-feira, na própria praia. Supõe-se que a vítima tenha sido golpeada por um bastão de madeira, e posteriormente, levada até o mar desacordada, onde, fatalmente, foi a óbito por afogamento.
-Seria um assassinato premeditado, ou fortuito, sendo realizado por um assaltante, por exemplo?
-Já temos algumas informações aqui, que leva a crer que tudo foi premeditado. No entanto, precisamos ser cautelosos na investigação, não podemos divulgar nenhuma pista precipitadamente. O que a vítima estaria fazendo há essa hora numa praia deserta? É uma pergunta que logo formulamos, e estamos partindo desse pressuposto.
-Ok, delegado. Desejo boa sorte a vocês, e que a justiça seja feita.
-Com certeza será.
-Tenha uma boa tarde.”
Ana Lucia sorriu, orgulhosa.
-Até que meu maridão se sai bem com esses repórteres... Coitado, mais um árduo trabalho pela frente...
Neste momento, seu filho chega da escola com a empregada. Ele entra correndo em casa, direto para os braços da mãe.
-Oh meu querido! Como foi na escola?
-Hoje aprendi os adjetivos. Disse que você era bonita. É uma qualidade que dei pra você.
-Ah, meu lindinho! Obrigada. Seu pai apareceu agorinha na televisão.
-Jura?
-É, mas ele não falava de coisa boa não... Tem muita gente ruim nesse mundo, e são essas pessoas que ele tenta pegar.
-O papai é muito esperto. Com ele ninguém pode!
-É... Espero mesmo que continue assim, filho... – Disse, num devaneio de preocupação.
Julia e Ariano solicitaram seus pratos.
-Ela ia adorar as flores, são lindas. – Elogiou Julia, admirando o ramalhete de rosas sobre a mesa.
-Eu não dou sorte mesmo... Mas, e então? O que tem de tão importante pra me dizer?
Julia estende os braços sobre a mesa, segurando as mãos de Ariano que se cruzavam na extremidade da mesa.
-Preciso que acredite em mim, Ariano.
Ariano hesita.
-Não precisa ficar nervoso, quero que mantenha a calma. Também me preocupo com sua saúde, este foi um dos fatores que me fizeram não te contar antes...
-Vai, fala logo, eu to bem.
-O Euclides é um homem perigoso, Ariano.
Ariano sorri, desconcertado.
-Como? Está me gozando? De onde tirou tanta implicância contra ele?
-Tem muita coisa que você não sabe sobre ele... Coisas que pensei que fosse enxergar sozinho, mas vejo que isso não será possível. O Euclides é mestre em persuasão, em disfarce. E você é um menino muito ingênuo.
Ariano afasta suas mãos das de Julia, recolhendo-as para sobre suas pernas.
-Ingênuo, eu? Me desculpe Julia... Eu não sou nenhum idiota.
-Sabe qual é o seu maior defeito, Ariano? Você não sabe reconhecer os seus defeitos. Você é um jovem excepcional, isto é inegável. Mas ser incrível não significa ser perfeito. Não que sua pureza seja um defeito, mas você precisa aprender a ouvir aqueles que gostam de você e que possuem mais experiência de vida do que você.
Ariano inclina a cabeça, vexado.
-Desculpe eu ter que te dizer essas palavras, mas é preciso, meu querido. Queria ter tido tempo de dizê-las ao meu filho...
-Você transferiu a imagem do seu filho para mim, Julia. Eu sou muito parecido com ele, mas não sou ele.
-Eu sei... – Ela sorri, emocionada – Me perdoe, Ariano... Você está certo. Mas deixa eu cuidar de você?
Ariano se mostra compadecido por Julia, ao sentir o carinho maternal da mulher.
-Eu sou espírita, acho que nunca te disse isso. Uma semana depois que meu filho se foi, eu fui ao centro espiritual, e lá ele... Ele me enviou uma mensagem.
-Que mensagem? – Indagou, arcando o corpo, demonstrando interesse.
-Ele disse que... – Pausou, consternada.
Ela bebe um gole d’água e prossegue.
-Ele disse que quando eu o visse no olhar de alguém, que era pra eu proteger essa pessoa de todo o mal que a rodeasse, pois eu seria a única pessoa que poderia ajudá-la. Nunca me esqueci dessa mensagem... Imagina a responsabilidade que recaiu sobre minhas costas! Durante seis anos eu procurei por esta pessoa, e quando decidi parar de procurar, você me aparece no jornal. Quando bati os olhos em você, eu vi, no brilho dos seus olhos, o meu filho. Eu não vejo como uma transferência... Eu vejo que ele está em você.
-Não diga isso. Isso não existe, cada um é cada um.
-Não me importa se existe ou não. Essa discussão seria inútil a essa altura. O que importa é que eu seguirei o meu propósito. Estou aqui para te alertar. O Euclides não é seu amigo. Ele quer ser como você. Ele almeja tudo que você conquistou, e tudo que pode conquistar. Eu tive a certeza disso depois que ele conseguiu substituir você no jornal, garantir uma função semelhante a sua. Na terça-feira ele discutiu virtualmente com todas as pessoas que criticaram o texto dele.
-Eu não vi isso...
-Ele apagou. Eu ordenei que ele fizesse isso. Mas eu acompanhei tudo, Ariano. Ele não admite críticas. As pessoas sentiram sua falta, se preocuparam com você, e deram pouca importância ao texto que ele publicou.
-Eu também ficaria chateado nessa situação. – Retrucou, irredutível.
-Ele está tentando conquistar a Lia. – Argüiu, agora com a certeza de que abalaria de vez a estrutura do jovem.
-Como?
-Você contou a ele que está apaixonado pela Lia. Contou também que a chamaria para sair no dia do aniversário dela. Lembra?
-Contei... E?...
-Enquanto você estava debilitado no hospital, ele a convidou para sair no seu lugar. Seu grande amigo lhe disse isso, Ariano?
-Não! – Espantado – Não pode ser, ele teria me contado... Mas eles saíram juntos?
-Não, porque no dia nós iríamos visitar você no hospital. Mas, não fosse isso, ela teria aceitado. A Lia ficou toda derretida com o convite, você precisava ver o modo como ela me contava. Trocaram telefones. Estão íntimos. Vai me dizer que não sabia de nada disso? – Continuou, tal como Iago fez com Otelo; no entanto, Julia desejava proteger seu amigo, e não vingar-se.
-Por favor... Ele não seria capaz de tal traição. Vai ver ele fez isso sem segundas intenções...
-Ah, faça-me rir! Ariano, pelo amor de Deus! Não me faça te chamar de imbecil! Que homem faz tudo isso sem ter segundas intenções? A não ser que ele seja gay!
-O Euclides... Será que ele está apaixonado por ela também?
-Você precisa ver como ele olha para ela... Ele está se aproximando aos poucos... Está preste a dar a bote. Mas eu não diria que ele está apaixonado. Creio que seja por sua causa. Como já te disse, ele mira tudo que você tem ou pode ter.
-Por que essa obsessão comigo? Isso é loucura!
Ariano se levanta da mesa, exasperado.
-Calma, Ariano. Sente-se, que eu ainda não terminei.
-Eu já ouvi o bastante! Absurdo, absurdo! Meu Deus... É assim que quer me proteger? Me deixando desse jeito?
-Acalme-se! Você não pode se alterar!
-Mas foi justamente isso que você fez!
-Ariano, eu ainda não terminei... A morte do Adalberto.
-Ah, só falta agora você me dizer que foi ele quem deu cabo do cara.
-Eu acho que sim.
Ariano balança a cabeça, totalmente fora de si.
-Sente-se.
Ele adere a imperatividade de Julia, e torna a se sentar.
-Ele roubou o celular da Lia. Isso está claro para mim. Ontem somente ele entrou na sala dela antes do sumiço do aparelho. Ela sabe que ele é forte suspeito, mas não quer dar o braço torcer, com medo de acusá-lo injustamente, essas coisas.
-E que diabo isso tem a ver com a morte do Adalberto?
-O que o Adalberto estaria fazendo naquela praia, à uma hora daquela? Ele foi morto de madrugada. Assassinado com golpes de porrete na cabeça, e depois jogado no mar. Suspeito que o Euclides tenha usado o celular da Lia para marcar um encontro com o Adalberto.
-Que mente fértil você tem...
-Mente fértil e maligna ele tem.
-A Lia me respondeu a mensagem ontem, pelo celular! Ela aceitou meu convite!
-A Lia... Como, se o celular dela foi roubado a tarde? Você acha que um ladrão comum teria se preocupado em tramar um sacanagem dessas pra você?
Ariano balbucia, como quem concorda.
-Sei que não tenho provas, mas tudo está muito claro para mim. Eu sinto uma energia muito negativa perto dele.
-Eu não me baseio em espiritualidade para acusar uma pessoa de assassinato. Onde já se viu isso? Admiro você, uma grande jornalista, dizer uma coisa dessas, sem provas, nada concreto!
-A Lia estava balançada pelo Adalberto... Ele deu cabo do Adalberto para que seja menos um empecilho no caminho dele. Por isso você e ela precisam tomar muito cuidado!
-Chega, Julia. Olha, que ele esteja apaixonado pela Lia, pode até ser. Mas matar uma pessoa... É melhor pararmos por aqui.
-Vou dar queixa dele. Caberá a polícia investigar se é verdade ou não.
-Não faz isso...
-Espero que você leve em consideração tudo que lhe disse e... Quero te pedir uma coisa: não conte nada a ele. Não deixe ele saber que você sabe. Fique na sua, observe os passos dele sorrateiramente. Se ele desconfiar que você sabe... Correremos sérios riscos. Psicopatas se livram daqueles que descobrem que eles são psicopatas.
O garçom lhes serve o almoço.
-Eu não vou comer. Perdi o apetite. – Declara Ariano.
-Tudo bem, eu entendo. Toma.
Julia tira da sua bolsa um pedaço de papel e entrega a Ariano.
-Aí está o endereço do cemitério que o Adalberto será enterrado, e o horário também.
-Pra que está me dando isso?
-A Lia está precisando de apoio. Você sabe bem disso.
-Será mesmo que devo ir?
-Fique junto dela, Ariano. Fique junto dela.
Ariano guarda o endereço no bolso.
-Eu vou indo.
Ele se levanta, não sem antes deixar uma quantia em dinheiro sobre a mesa.
-Não pre...
-Faço questão. – Interrompe ele. – Pode ficar com as flores também.
Julia também se levanta, encarando Ariano.
-Se cuida, meu filho.
Ela lhe dá um beijo no rosto. Ariano retribui friamente.
-Tudo bem, eu... Eu agradeço pela preocupação. Adeus.
Ariano se retira, ainda meio atordoado pelas revelações bombásticas que Julia lhe fizera. Atravessou a rua sem verificar o semáforo, e por sorte não foi atropelado. Um carro freou a poucos metros de si.
-Acorda pra vida, menino!! – Berrou o motorista, gesticulando agressivamente pela janela do carro.
Ariano, ainda tomado pelo susto, fica estático, fitando o motorista. De ímpeto, ele sai correndo em direção à calçada, com aquela frase martelando em sua cabeça: “Acorda pra vida, menino”.
“Vários sinais”, ele pensava, enquanto caminhava rapidamente, sem destino. “Todos querem me alertar. Basta eu escutá-los”.
Ele pára, e tira do bolso o endereço do cemitério... Ao ler novamente o que estava escrito ali, começa a pensar em Lia Neide, em todo seu sofrimento; no quanto ela estava precisando de um ombro amigo.
Enquanto isso, Euclides, que ainda não tinha saído hotel, pesquisava na Internet, pelo seu lap top, o local do enterro de Adalberto.
-Viva Las Vegas, haha! – Comemora – Cemitério São João Batista! Poderiam mudar o nome para Euclides dos Santos em minha homenagem! Todos os defuntos eu mando para o mesmo cemitério, não é possível! Ontem, minha querida avó, hoje, o boxeador de meia-tigela!– Zomba, prazerosamente – Pronto... Acho que chegou a hora de vestir uma roupinha a la muerte, e bater meu ponto em mais um velório...
Cinco e meia da tarde. Faltava meia hora para o enterro de Adalberto. Euclides chega no cemitério e segue direto até o túmulo recente de sua avó. Vestido com elegância, terno preto, calça de linho, óculos escuro – ele finge fazer uma prece diante do túmulo afastado da movimentação do velório.
-Como está aí embaixo, Dona Hilda? Muito frio? Aqui em cima o clima ta bem quente. Olha, to até suando – Diz ele, secando o suor da testa com um lenço de pano.
-Vó, eu não vim aqui te visitar não. Isso aqui é só uma ceninha, sabe. A senhora não passa de um pretexto nessa história toda. É que a Lia, a mulher que eu amo, está lá na capela agora, provavelmente chorando rios de lágrimas por causa de um Zé ninguém, que já deve ter conhecido a senhora, creio eu. Bem, vou até lá marcar minha presença. Tenha uma boa festa com os vermes.
Euclides se benze rapidamente, e segue em direção a capela. Lá, ocorria o velório de Adalberto Rangel. O caixão estava lacrado. As lesões nas faces de Adalberto estavam horrendas.
Havia poucos familiares e amigos, e também alguns curiosos. Euclides entra acenando com a cabeça para alguns presentes que espiavam sua entrada. O choro da mãe da vítima era doloroso. Ele procura por Lia, e logo a encontra, perto do caixão, secando as lágrimas com a mão. Ele se aproxima dela e lhe oferece um lenço. Ela aceita, sem nem reconhecê-lo. Ele tira os óculos e se apresenta.
-Será que mudei tanto assim?
-Ai... Euclides, você aqui?
-Tomei gosto por cemitérios... Ontem mesmo estive aqui, nesta capela. Brincadeiras à parte, eu vim até aqui fazer uma oração para a minha avó, e então soube do velório... Não resisti, e vim até aqui por sua causa, Lia. Ontem você me deu a maior força, saiba que não esqueci disso em nenhum momento. Quero ser grato a você. Mas não faço apenas por gratidão... Faço porque você é uma menina muito especial, que não merece sofrer.
-Obrigada... Você é um anjo. – Diz ela, sorrindo em meio às lágrimas, olhando nos olhos de Euclides.
-Finalmente olhou dentro dos meus olhos.
-Ah!, ela riu, secando as lágrimas com o lenço que lhe fora emprestado.
-Imagino o quanto está sofrendo. Você ainda o amava. Agora somente o tempo e um novo amor poderão curar essa ferida dentro do seu peito.
-Tempo... Novo amor... Parece que nada mais disso existe para mim. Estou aérea, vulnerável.
-Deixa eu proteger você, Lia.
-Me proteger... Há, não é preciso. Eu já estou me acostumando, essa é a verdade.
-Não se habitue a morte. Busque a vida. Ela está mais perto do que você imagina. Ela está no amor.
-Obrigada pelas palavras... Nossa, eu no seu lugar não suportaria... Presenciar o velório de duas pessoas, por dois dias consecutivos.
-Daqui a pouco vão me confundir com o coveiro.
Eles riem baixo. Algumas pessoas percebem o burburinho causado por ambos, e se incomodam. Lia se desfaz imediatamente do semblante risonho, tornando mergulhar no clima lúgubre.
-Minha mãe disse que vinha, que ia sair cedo do trabalho, e até agora nada... – Reclama Lia.
-Calma, eu estou aqui com você.
Euclides abraça os ombros de Lia.
Neste momento, um jovem trôpego entra na capela. Não usava óculos escuro, pois detestava. Usava o seu, de costume. Estava vestido de luto. Seu olhar preocupado percorre todo o recinto. Ariano Bezerra avista, dentre aquela pequena aglomeração, a sua amada Lia Neide. E, naturalmente, a pessoa ao lado dela...
-Euclides? – Ele murmura para si, abismado.
De imediato ele “invade” a capela, retumbante. Lia e Euclides notam sua aproximação, espantados. Euclides, de fato, não esperava pela chegada de Ariano. Sentiu-se constrangido.
-Lia... – Cumprimenta Ariano, beijando seu rosto.
-Euclides.
Ele encara Euclides com um olhar surpreso, e desconfiado.
-Amigo, não esperava que viesse. – Balbucia o homem de olhar epilético.
-Engraçado, você tirou as palavras de minha boca.
Euclides abaixou a cabeça, desconcertado. Achou que seria melhor manter-se calado.
-Lia, meus pêsames. Eu recebi o recado da Julia, não pude deixar de vir até aqui lhe dar esse apoio.
-Obrigada, Ariano. Você e o Euclides são dois grandes amigos.
Ariano e Euclides se entreolham, num certo clima de animosidade.
-Como você soube, Euclides?
-Foi coincidência. Vim visitar o túmulo de minha avó, e soube. Imaginei que a Lia estivesse aqui, e vim fazer o mesmo que você.
-Você sabia que o Adalberto era o ex-namorado dela?
-Sim, por que?
-Nada... É que poucas pessoas sabem disso. – Murmura Ariano.
-Nós conversamos sobre isso – Diz ela a Ariano - Gente, vamos fazer silêncio, o caixão já vai ser levado.
Ariano morde os lábios, inquieto. Euclides observa seu estado agitado com um sorriso preso dentre os lábios.
Um homem chega apressado na capela, muito esbaforido, como quem tivesse corrido um quarteirão inteiro para ali chegar. Ele corre até o caixão, aos prantos. Abraça o caixão, promovendo uma cena comovente.
-Meu irmão! Meu braço!! – Berra ele.
Os familiares de Adalberto afastam o rapaz do caixão, pedindo que ele tivesse calma. Desesperado, o rapaz grita, batendo no peito:
-Calma!!? Eu não vou ter calma enquanto a culpada disso tudo não pagar pelo o que aconteceu com meu amigo! Cadê aquela vadia?!
Todos se entreolham, assustados. O rapaz, que se chamava Vitor, fita seu olhar furioso em Lia.
-É ela... – Ele diz, com uma voz sinistra. – Ela é a assassina!!
Incontrolável, ele contorna o caixão, partindo para cima de Lia Neide, que sem nada entender, se esconde atrás de Ariano.
-Vagabunda, eu vou te matar!
Ariano tenta contê-lo
-Ei, não encosta nela!
E recebe um soco no nariz, que o derruba no chão. Euclides engravata Vitor, enquanto outros homens se aproximam para segurá-lo também.
Lia se abaixa para socorrer Ariano, que sangrava pelo nariz.
-Minha Nossa Senhora, Ariano, você ta bem??
-To, to... Só acho que quebrei o nariz...
Ela o ajuda a se levantar.
Vitor é retirado a força da capela pelos seguranças do cemitério. Lia ouve suas ameaças, e se desespera com aquela situação. Todos ficam a encarando, emburrados.
-O que eu fiz?! – Ela grita.
Ninguém responde.
O caixão é levado para o local do sepultamento. Lia permanece dentro da capela, inconformada. Euclides e Ariano lhe fazem companhia.
-Você precisa limpar esse nariz, cara. Tem um banheiro ali do lado. – Indica Euclides.
-Você poderia vir comigo, Euclides? – Pergunta Ariano, não desejando que o amigo ficasse sozinho com Lia.
-Claro. Fiquei aí, Lia. Não saia daí.
Os dois vão até o banheiro. Euclides ajuda Ariano a lavar o nariz.
-Não parece que quebrou. Mas que foi uma porrada forte, foi. – Diz Euclides, observando a lesão no nariz de Ariano.
-Desgraçado, ele ia bater nela se eu não tivesse ficado na frente!
-Você foi corajoso. Poderia até ter quebrado os óculos...
-Eu sou capaz de dar minha vida pela Lia. – Decreta Ariano, com o olhar fixo no pequeno espelho de parede.
Euclides também mira o espelho. Os olhares se encontram, num silêncio repentino.
-Você faria isso por uma mulher como ela, Euclides?
-Eu faria isso pela mulher da minha vida. Admiro seu sentimento. Você realmente ama essa menina.
-Que homem não ama Lia Neide?
Eles continuam se olhando pelo espelho, até que Euclides se vira para Ariano.
-Está insinuando alguma coisa ou é impressão minha, Ariano?
-Você sempre acha que estou insinuando alguma coisa, sempre na defensiva... O que eu estaria insinuando pra você, hein?
-Não sei... Ariano, me diz uma coisa: Você acha que eu amo a Lia Neide? – Atacou, lembrando-se daquele velho ditado de que o ataque é a melhor defesa.
Ariano pensou em tudo que Julia lhe dissera... Pensou também nos melhores momentos de amizade que tivera com Euclides...
-Não. Se você amasse a Lia, tenho certeza que eu, seu melhor amigo, seria o primeiro a saber.
Euclides sente um soco invisível atingir em cheio o seu rosto. “Ele está jogando comigo”, pensou. “Quer semear em mim o remorso... Quer arrancar a verdade de mim”.
-Com certeza seria. – Reafirma Euclides. – Pelo que vejo o sangue estancou. Vamos?
Com a mão no nariz dolorido, Ariano retorna para a capela ao lado de Euclides. Lá, eles não encontram Lia Neide.
-Meu Deus, será que ela foi pro enterro? – Preocupa-se Ariano.
Os dois vão em busca de Lia. De longe, eles avistam o corpo sendo sepultado, e Lia estava lá, no meio das pessoas.
-Ela amava esse cara mesmo. – Comenta Euclides – A morte dele vai abrir caminhos para você, Ariano.
-Você é maluco, Euclides? Como pode falar uma bobagem dessas agora?
-Foi mal, cara... Por que você acha que a Lia foi acusada de assassina por aquele louco?
-Imagino que seja por conta do tal roubo do celular... Meu Deus, essa história ainda vai dar pano pra manga... Estou prevendo um cerco contra a Lia. Acho melhor ligar pro meu pai.
-Ligar pro seu pai?
-Ele é advogado. Ela vai precisar de um, pode apostar.
Enquanto isso, terminado o enterro, Lia vai até o túmulo de Adalberto lançar a rosa vermelha que levara para homenagear o grande amor de sua vida. Ele que sempre lhe dava rosas nas ocasiões especiais...
-Adeus, A...
-Lia! – Chamou sua mãe, Dona Beatriz.
Lia olhou para trás. Em seguida, relanceou uma última vez o túmulo dele. Calada, ela se benzeu, e foi ao encontro de sua mãe.
-Mãe, que bom que chegou...
-Desculpa filha, o transito está terrível. E você, hein? Odeio te ver assim, totalmente abatida.
-A vida parece que só quer me ver assim ultimamente, mamãe. As pessoas saíram, ninguém veio falar comigo, me cumprimentar... Eu fui acusada de assassinato, mãe.
-Minha nossa!! Filha, quem?
-Um amigo de infância do Adalberto. Agora vamos, não agüento mais ficar aqui...
-Filha... Eu vi dois carros de polícia na entrada do cemitério.
Lia se detém, espantada.
-Será que...
-Não sei, e se esse cara chamou a polícia? De qualquer modo, vamos ir preparadas. Ninguém ousa acusar minha filha de assassinato na minha frente!
E foram. No caminho, cruzaram com Ariano e Euclides, que a esperava.
-Mãe, esses são meus amigos do jornal. O Ariano, e este é o Euclides.
-Oh, mas eu os conheço. Claro, pelos textos! É um prazer.
-O prazer é nosso. – Diz Euclides.
-Lia, eu já liguei para o meu pai, que é advogado. Ele virá até aqui. Fique tranqüila. Caso haja mais acusações, não responda nada sem a presença dele, está bem?
Ela consente com a cabeça, muito exausta.
Na saída do cemitério, os quatro são cercados por três policiais.
-É ela! – Grita Vitor, do lado de fora.
Um dos policiais se encaminha até Lia, que estava a ponto de desmaiar.
-A senhorita se chama Lia Neide?
-Sim, sou... Sou eu.
-Quero que venha até a delegacia conosco.
-Delegacia?? Serei presa? Meu Deus, mas o que eu fiz!! – Desesperada, olhando para as pessoas a sua volta.
-Acalme-se. A senhorita irá prestar um depoimento.
-Não sem o nosso advogado! – Intercala Dona Beatriz.
-Ela terá direito ao advogado. Mas agora temos que ir, senhorita.
-O que eu fiz...
-A senhorita está sendo acusada pelo assassinato de Adalberto Rangel, seu ex-namorado.
Lia, exangue, desaba nos braços de Euclides, desmaiada. Mal sabia ela que teria de ser mais forte do que nunca de agora em diante.
CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...
4 comentários:
Nossa...esse final fez tocar a parte fúnebre da nona sinfonia na minha mente...coitada.Cada capítulo mais sinistro: Lohan Stephen King.
É, o cerco está se fechando p/ Euclides....Esperamos ver Ariano desmascarar esse falso/pretenso ämigo"......E que sirva de liçào p/ Ariano...que nem sempre aqueles q se dizem AMIGOS.....o sào... E que venha o 'derradeiro capítulo ....
É, quem me dera ser tão bom qnto o S. King! rs Mas de qualquer, mdo, valeu, Andrea.
Não garanto que eu vá finalizar no próximo capítulo. Prometo que antes do vigésimo eu termino! Antes do Natal, rs!
Valeu galera!
Esse final tá eletrizante!
Vou mandar a série para Globo para passar depois da novela(rsrsrs).
muito bom Lohan!!!
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