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sábado, 24 de março de 2012

O Amor nos Tempos do Fo(r)dismo

Engatei a quarta marcha num free lance. É, um lance livre. Até que ele era divertido. Me comia sete vezes por semana e no fim de semana minha semana sequer tinha mais fim. Era uma sucessão de recomeços intensos e destrutivos. Um produto de validade vencida que consumia a validade de sua requerente vencida. Ai, minha validade, já não consigo enxergá-la neste pacote tão desgastado. Justo eu, fabricada com tanto amor e carinho, e que na tenra idade desenvolveu a síndrome do intercurso monogâmico e da maternidade. Pisei no freio, estacionei – mal, pra variar. Vaga dos deficientes. Lá veio um sujeito de sorriso mórbido que me convenceu para um café. Esse filho de uma mãe doutorada leu a página de Economia na minha frente e ainda teve a coragem de comentar que as bolsas de Nova York subiram. Manobra, à direita. Meu cartão de crédito navalhou todas as bolsas que eu de fato conhecia, meu bem. O espírito hedonista encarna em meu ser quando piso num Shopping Center. Desilusões amorosas, quem são vocês?
Esquerda, volver. Atropelei um anjo. Não, era um vendedor de galinhas brancas. A galinha depenada agonizava, como isso aconteceu? O vendedor enchia os meus ouvidos de bra, bra, bras, uma gramática completamente inadequada para a ocasião. Mas havia algo nos olhos dele. Algo de encantador. Paguei a galinha de penas angelicais com uma trepada vespertina. O meu congelador lotado de nuggets me causou repulsa na hora do jantar. Eu não comeria nada que fosse derivado do animal que eu assassinei e que teve sua alma “depenada” encarnada em mim. Seria como devorar a própria espécie. Engatei a primeira marcha. Ladeira íngreme. Exaustão, preguiça, tédio. Provas para corrigir, vida para corrigir. E uma pizza para matar a fome. E um entregador de pizza para chamar de “homem da minha vida”. Conversas pelo telefone, e a segunda marcha engatada. Balada sábado à noite, terceira marcha. Minha cama, quarta marcha... O carro morreu. A brochada foi imperdoável. Seis meses sem ingerir pizza. Passei a freqüentar o yoga, como sugestão de uma amiga nipônica. O professor era interessante demais para eu conseguir alcançar o meu nirvana. Cara de japonês, jeito de brasileiro e pinto de americano. Tive múltiplos nirvanas durante as duas ou três primeiras semanas. Até que a sentada em lótus era excitante. Abandonei os Yogas Sutras de repente, assistindo a um comercial da Johnson & Johnson com mais bebês do que num orfanato. Quis ser mãe, estava decidido. Dei uma marcha ré e retomei aquele desejo juvenil inveterado. Não queria meu filho de olho puxado. Queria uma menina, doce e obediente. Sempre desejamos para os nossos filhos o que não fomos. Uma bailarina! Passei dias pesquisando nomes de bebês e, claro, perfis de homens em sites como Helloamore. Homem truculento nem pensar. Na bengala, me conduzi até um bailarino que aspirava um papel no Quebra Nozes. Não, ele não era gay. Mas era infértil. Aquela maldita calça apertada sufocou todos os seus espermatozóides. Cansei da procura, o combustível estava pelas pontas. Estacionei-me na garagem da minha casa e me senti a personificação da solidão. Antes fosse uma jovem guitarrista ensaiando com sua banda rocks em minha garagem. Percorrer tanta estrada, parar em tanta blitz, ser multada trocentas vezes por excesso de uso do próprio corpo. Havia em mim arranhões. Esse motor de muitos homens rodados precisava de um mecânico... Claro, como não pensei nisso antes? Nada que um bom mecânico não possa dar solução. Eles têm as ferramentas certas para o meu conserto. Enchi o tanque, engatei a quinta marcha e lá vou eu, sem lenço, sem documento e sem vergonha nesta lataria de faróis azuis e incandescentes.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Oscar 2012 e os livros voadores

A cerimônia mais badalada do cinema mundial bate à porta, ou melhor, vem surgindo às telas das nossas queridas tv's e pc's (para os fissurados que assistem on line). É o Oscar, todo mundo sabe. Logo estaremos ouvindo os and Oscar goes to, seguidos daquele habitual suspense, e, por fim, os resultados tão aguardados pelo público apaixonado pela sétima arte.

A essa altura, o júri conservador e predominantemente estadunidense já definiu os vencedores. A propósito, as vitórias, em Oscar's, costumam ser bastante contestáveis; mas deixemos para comentar sobre isso após a 84º edição da festa...

Neste post, não vim destacar nenhum dos indicados a melhor filme, ou melhor ator/atriz, tampouco melhor roteiro (embora eu não consiga evitar de demonstrar aqui a minha torcida para "Meia noite em Paris", do Woody Allen, como melhor roteiro original). Gostaria que apreciassem a um dos indicados a melhor curta metragem de animação. Sim, curta de animação. Uma categoria raramente comentada, exceto pelos críticos de plantão, ou pelos mais assíduos pelo gênero cinematográfico supracitado.

Tive a felicidade de encontrar este vídeo disponível na Internet e poder assisti-lo antes da realização do Oscar 2012. Assisti apenas a dois curtas de animação que foram indicados este ano, no entanto, já declaro minha torcida para este: The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore.

Peço aos leitores que, antes de prosseguirem com a leitura, assistam a esta obra-prima. Deixem-se levar pela delicadeza e pelo valor empregado aos personagens especiais (vitais) deste filme que dura apenas 15 minutos.

Assistam ao curta: 


William Joyce, o diretor desta pequena trama, vive em New Orleans, cidade brutalmente atingida pelo furacão Katrina. Segundo ele, foram encontrados um sem-fim de livros levados pela tempestade arrasadora. Livros perdidos, destruídos... Em meio a detritos, lixos. Livros! 'Seres' capazes de transformar vidas em meio a tanta morte.

E foi justamente nesse ponto que Joyce tocou: vida. De toda a destruição, emerge a vida nos livros. Através deles, reconstrói-se toda uma civilização. Reconstrói-se, sobretudo, o interior de um homem desolado. Através dos livros, encontram-se as saídas.

A história ainda contém um toque barthesiano, mostrando a vida própria do livro assim que lhe é dado um ponto final; desgarra-se do autor. Já não existe o autor. A história tem vida própria. Vida que vai de encontro a outras vidas, e assim sucessivamente. Que assim seja. Que os livros resistam ao avanço tecnológico e permaneçam voando e pousando em nossas existências com suas páginas cheias de palavras vivas.

Bom Oscar a todos!
Lohan.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A arte do miniconto e "O robô"


Olá, amigos,

Hoje estou publicando o meu primeiro miniconto (ou microconto, como preferirem). Primeiro e único, até então. Criar um texto de tal porte não é tão fácil quanto parece. Exercitar o poder da síntese, da brevidade literária, é fundamental para todo autor, sobretudo para mim, particularmente, que tenho o hábito de mergulhar em longos devaneios palavrosos, como já diria meu amigo e escritor Nilto Maciel. O dever do microcontista é, basicamente, sintetizar o pensamento e transmitir a mensagem com eficácia, e, claro, com o toque de brilhantismo essencial a todo texto que se preze, permitindo ao leitor um leque interpretativo rico.



Aproveitando a onda dos minicontos, vale à pena divulgar a notícia de que o camarada e ex-participante do Iº Concurso de Poesia Autores S/A, Ricardo Thadeu (para quem não sabe, o famoso J. J. Wright no concurso), estará lançando, amanhã, o seu livro de minicontos, "Camisa de Marte", pela Editora Multifoco. O lançamento ocorrerá na Biblioteca Municipal de Riachão do Jacuípe, Bahia. Desejo sorte ao grande escritor. Abaixo, a capa do seu livro e um dos seus minicontos presentes na obra:


Dois garotos jogavam videogame na sala. Duas garotas brincavam de boneca no andar de cima. Doze anos depois, tabus foram derrubados e os quatro brincaram. Juntos. 
(Thadeu, Ricardo. Croissant quase sutil. In.: Camisa de Marte. Editora Multifoco).

Conheço também os microcontistas Geraldo Lima, Paulo Luís Fodra e Rodrigo Domit, todos os quais eu anseio ler. Ainda comprarei os livros desses caras. Também o meu camarada Edweine Loureiro, escritor brasileiro que mora na terra do sol nascente, é um grande microcontista. Seu último feito foi ter vencido um concurso de minicontos promovido pela editora L&PM, em homenagem a Charles Dickens. O miniconto deveria ter a palavra ou o numeral duzentos (200), além de ter de respeitar o limite máximo de 200 caracteres (com espaço). Vejam a obra de arte vencedora:


PREÇOS


Gritava à janela da amada, que o havia deixado por um homem mais rico:
- E o Amor, Julieta? Vale quanto?
E uma voz, vinda da esquina:
- Duzentos reais, uma noite.

O miniconto mais famoso do mundo é do hondurenho Augusto Monterroso. Eis as sete palavras iluminadas:

Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.

Quem acordou? Que dinossauro seria esse? Ainda estava lá... Aonde? E, assim, o miniconto produz um conto imenso de sensações e ilações no leitor. Após Monterroso, o gênero se tornou mais admirado pelos críticos, embora não reconhecido. No texto "La brevedad", Augusto surpreende, menosprezando o gênero que o tornara célebre:

“Com freqüência escuto elogiar a brevidade e eu mesmo fico feliz quando ouço repetir que o bom, se breve, é duas vezes bom. Contudo (...) o escritor de brevidades nada anseia mais no mundo do que escrever interminavelmente grandes textos, grandes textos em que a imaginação não tenha que trabalhar, em que depois de feito, coisas, animais e homens se cruzem, se busquem ou fujam, vivam, convivam, se amem ou derramem livremente seu sangue sem se sujeitar ao ponto e vírgula, ao ponto. A este ponto que neste instante me é imposto por algo mais forte que eu, algo que respeito e que odeio.” 

Particularmente, eu discordo da opinião do mestre. O miniconto é uma opção (dentre várias) de gênero. Fosse assim, todo romancista sonharia em escrever uma Bíblia. Fazer um miniconto exige uma competência e tanta. Será que todos os autores de intermináveis textos seriam capazes de desenvolver com êxito tal proeza? Quanto aos mercados editorias, nem entro nessa questão... Afinal, o bom escritor escreve para ser ou para vender? Se for com a finalidade soberana de vender, me perdoem os Coelhos da vida, mas vocês são comerciantes, e não escritores. O grande equívoco de um autor não é quando ele opta por escrever um miniconto, ou poesia, ou um ensaio, que seja. A grande burrada, eu diria, é quando um autor classifica sua obra, ainda em desenvolvimento, se utilizando dos seguintes critérios: 

a) apta para vendagem               b) apto para ficar na gaveta

Neste momento, seja qual gênero for, morre a literariedade.

A onda dos minicontos aumenta à medida que as demandas sociais pela internet crescem, pulverizando as informações. Seria uma coincidência, ou seria um fato conseqüência do outro? Prefiro acatar a segunda alternativa. As informações instantâneas, que dominam sites como o Twitter e o Facebook, por exemplo, fazem parte de um novo processo cultural - o do minimalismo prático.

Ser prático é ganhar tempo. Reduzir as comunicações é ser prático, logo, as pessoas querem economizar tempo tirando proveito dos melhores meios para suas finalidades (neste caso, os meios virtuais). Saramago já dizia...

"De tanto reduzir a comunicação, o homem vai conseguir involuir para os grunhidos."

A efervescência dos minicontos no cenário literário atual é satisfatório para qualquer leitor. Diferentemente da comunicação em redes sociais, que, na maioria das vezes se faz medíocre, o miniconto é resultado de um trabalho árduo, que se enxuga a todo instante, cortando-se os excessos, a vírgula, o ponto; tornando enxuto um texto que poderia se desenvolver e se tornar um belo romance. Se dependesse dos minicontos para saldar suas dívidas, Alexandre Dumas estaria encalacrado (assim como esteve, independente dos minicontos). O autor de “O Conde de Montecristo” era pago por palavra escrita, logo, imaginem só quanta lingüiça não foi preenchida. 




Louvo aqueles que escrevem minicontos de qualidade, à altura de qualquer conto ou crônica. Eu, mero aprendiz, publico, abaixo, o meu primeiro passo. Uma tentativa, eu diria. Vamos a ela:

O robô

Quando acordou, o robô já estava lá. Hercólubus já não era mais o segundo sol. Os holandeses transavam sob abissais oceanos. Fidel Castro já era um fóssil exposto em um museu dos EUA. Clones perambulavam pelas terras vermelhas de Marte. Jesus já havia alcançado dois bilhões de seguidores no Twitter. A Monalisa conversava com seus visitantes no Louvre. Cientistas haviam encontrado um papiro o qual revelava o grande mistério da humanidade: sim, meus caros, Capitu traiu Bentinho. 

Grande abraço, até a próxima.
Lohan.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

As Bonequinhas de Luxo da Vida

             (A clássica fotografia do filme Breakfast at Tiffany's - Bonequinha de Luxo)

          Quantas Hollys Golightlies você conhece? Você, caro apreciador da sétima arte, pode dizer que somente uma: a célebre, interpretada pela diva Audrey Hepburn. Ou, quem sabe, dizer que conheceu várias personagens como Holly in real life, em meados dos anos sessenta, tempos em que grande parte da ala feminina desejava ser Audrey, nem que fosse por um dia, mesclando o vestuário clássico com ares e modos juvenis e espontâneos. Porém, Audrey sempre foi única. Talvez Marylin Monroe, escalada a priori para viver Holly, não surtisse o mesmo efeito devastador. Audrey não teve a saia erguida por uma feliz rajada de vento produzida por um metrô, tampouco sua beleza lhe exercera maiores créditos em detrimento do seu talento.
          Hoje podemos encontrar muitas Hollys, embora não possuam a beleza clássica e natural de Audrey, ou mesmo não sejam apaixonadas pela Tiffany´s e cantem Moon river à janela enquanto o cabelo seca. Encontra-se uma Holly acompanhando um bem reputado político. Encontra-se Holly em quartos de motéis - nem tão estrelados assim; que precisam quitar suas dívidas na Universidade, recebendo 50 dólares (ou o equivalente a isso) por uma ida ao... Toalete. Encontra-se Holly em rodoviárias e aeroportos, ou mesmo em tráfegos clandestinos, rumo a uma ilusão repleta de arranha-céus, marketing e mercenários – a tal da cidade grande. Encontra-se Holly vagando pela calçada da Rua 57 com a 5º Avenida, em New York, sonhando em não mais vagar, mas sim, fincar os pés na calçada da fama. Encontra-se Holly furtando em um supermercado pondo em prática um dos seus planos hedonistas. Alcoólatra, Holly também pode ser encontrada em bares de hotéis, embriagando-se de uísque. Anoréxica, Holly pode estar estampada nas capas da Vogue ou da Elle, ou desfilando seu sofrimento pelas passarelas, sendo reparadas pelo modo do pisar, do se virar, do como transparecer segurança, do como se brilha em uma veste. Assim como Audrey Hepburn, podem estar enlutadas em seus pretos básicos by Coco Chanel ou não, iludidas por uma cor que misteriosamente distorce o corpo refletido pelo espelho.
           Essas bonecas são reais. Elas falam, cometem vícios, ouvem, trapaceiam, respiram, se prostituem. Bonequinhas de luxo podem estar em todo lugar. Pode haver por aí muitas parecidas com a Holly G. interpretada por Audrey, todavia, é certo que nenhuma delas possua a mesma ingenuidade daquela que despontou das telas do cinema e encantou o público a partir do momento que desceu do táxi na Rua 57 com a 5º Avenida, em New York.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

As 20 melhores músicas nacionais de 2011

Olá, caros leitores e autores!

Após um ano repleto de boas surpresas na música nacional brasileira, venho aqui anunciar, na minha mais humilde opinião, as músicas que mais me agradaram em 2011. As mais tocadas? Nem todas. Algumas talvez não tenham figurado entre as dez primeiras dos tops que rolam por aí, enquanto outras, chegaram a liderar por um bom tempo; como foi o caso do fenômeno "Paula Fernandes", uma das boas surpresas mencionadas no começo do texto.

Não foi fácil criar um ranking... Determinar de qual canção se gostou mais, ou de qual se gostou menos, é por demais relativo. Nessas horas, leva-se também em consideração aquela música que te marcou mais em um certo momento; aquela música na qual bateu imediata identificação; aquela música que tocou na hora e no lugar certo, e te fez chorar, ou sorrir, ou cantá-la alto. Também considerei artistas que havia algum tempo não lançavam trabalhos e, em 2011, retornaram sem perder a postura, o brilho. Como exemplo podemos citar Marisa Monte, Marcelo Camelo (ex-Los Hermanos) e Maria Rita.

Então... Lá vamos nós com os melhores de 2011! 


20º Neguinho - Gal Costa
Álbum: Recanto

Eu, particularmente, discordo do "Valor", quando elegeu "Recanto" como sendo o melhor álbum brasileiro. Destaco, apenas, a canção "Neguinho". Vale lembrar que as canções foram feitas por Caetano Veloso para Gal Costa. "Neguinho" vale pelo ótimo senso do que é a atualidade do homem consumista.


19º Pra matar meu coração - Maria Rita
Álbum: Elo

Pra matar o coração dos fãs, de alegria, é claro, Maria Rita lança o seu quarto álbum, após quatro anos gerando ansiedade em seu público fiel. Destaco "Pra matar meu coração":



18º De onde vem a canção - Lenine
Álbum: Chão

De onde vem a canção? O cantor e compositor pernambucano Lenine sabe, como poucos, a origem das belas canções. E, em seu último álbum, Lenine brinca com suas letras e melodias, como sempre o faz. E a canção vai pra história, quando se dá o fim da melodia. Atentem para o som que remete ao ''tic-tac''.



17º Ô, ô - Marcelo Camelo
Álbum: Toque dela

Marcelo Camelo, como não podia deixar de ser, brilha em sua carreira solo. Sua melodia e voz peculiares atraem qualquer fã da boa música brasileira. Que este 'hermano' não se canse nunca de produzir. "E vai dançar até..."



16º Dia a dia, lado a lado - Marcelo Jeneci e Tulipa Ruiz
Álbum: - (Canção inédita)

Bela canção que esses dois aprontaram. Eis a verdadeira nova geração da música brasileira. Verdadeira pois, ao contrário de muita coisa que se ouve por aí (constantemente, por sinal), obras como esta ficam para sempre em nossas vidas. O jeito é não confundir descartável com louvável.






15º Hoje eu não saio não - Marisa Monte
Álbum: O que você quer saber de verdade

Marisa Monte vem nos brindar com sua graça, leveza e perfeita afinação após cinco anos sem lançar nenhum álbum. Seu retorno, sempre muito aguardado, tem sido bastante aclamado pelos seus fãs. O single "Ainda bem" já figura entre as mais tocadas nas principais rádios brasileiras. Mas, nesta décima quinta posição, eu destaco a canção "Hoje eu não saio não". Forró gostoso de se ouvir, que faz lembrar aqueles tempos em que você está no seu canto, a fim de ficar sozinho, lendo, ouvindo música... E vem aquele amigo festeiro insistindo para sair! Vale a pena curtir essa música.



14º Feito pra acabar - Marcelo Jeneci
Álbum: Feito pra acabar

Marcelo Jeneci é, sem dúvida, a revelação da MPB do ano de 2011. "Feito pra acabar" é uma daquelas canções que te levam a refletir sobre a trajetória de sua vida, e sobre as possibilidades que existem após a vida, se é que existe alguma coisa... Sete minutos preciosos de música. E, como já diz a canção de Gilberto Gil, "na estrada que ao final vai dar em nada, nada, nada". Metáfora da morte? Sim, e muito mais. Salve, Marcelo Jeneci!




13º Ainda bem - Marisa Monte
Álbum: O que você quer saber de verdade

Eu diria que o novo single de Marisa Monte, "Ainda bem", composto pela própria Marisa e por Arnaldo Antunes, seu grande parceiro musical, seria um tango com um toque brasileiro. A canção se tornou bastante popular devido (também, claro) a participação especial do lutador Anderson Silva no clipe. Com o UFC em alta no Brasil, a escolha não poderia ter sido melhor, não, Marisa? E não é que ele se saiu bem? Só mesmo a letra da música para explicitar essa surpresa: ''quem diria que ao meu lado...". Eis:




12º Oração - A banda mais bonita da cidade
Álbum: A banda mais bonita da cidade - Primeira Edição

Sim, eles conseguiram. Primeiro, "Oração" bombou no Youtube, tendo quase cinco milhões de visualizações em apenas três semanas. Toda essa popularidade instantânea levou a banda curitibana recorrer ao seu público a fim de arrecadar fundos para a gravação do primeiro CD. Arrecadaram 50 mil reais, o projeto vingou, o CD está na praça e o single "Oração" foi um dos mais cantarolados do ano de 2011. Abaixo, o clipe, gravado em plano-sequência em uma casa de mais de cem anos. Em tempo: um dos melhores clipes do ano.






11º Meu parceiro - Seu Jorge
Álbum: Músicas pra churrasco

Quer melhor música para churrasco do que esta? Música de amigo para amigo, que gera todo aquele clima cerveja + lembranças + abraços e lágrimas + cerveja de novo. Seu Jorge sabe contagiar o povão, sem perder a finesse que a elite cobra. Esse não deixa a peteca cair! "Meu parceiro" ganhou um lugar na minha lista.



10º Dançando - Agridoce (Pitty e Martin Mendonça)
Álbum: Agridoce

Os arautos da modernidade anunciam, continuamente, que o mundo vai acabar em 2012. Mundo... Este mundo não estaria acabando dia a dia, em nossos interiores? Nossa vida, se diluíndo pouco a pouco. Essa "vida morna". Pitty e o guitarrista Martin Mendonça desenvolveram um projeto paralelo de sabor único: agridoce. "Dançando" lembra que, mais importante do que o fim do mundo material, é o fim do nosso mundo, aquele presente dentro de nós, que mais importa. É o resgatar os valores, o saber enxergar as belezas de uma vida que se esvai. E, claro, com muito amor, sempre. ..."Se no fim formos só nós dois, que seja lá fora"...



9º Coração - Monique Kessous
Álbum: Monique Kessous

Tomei conhecimento da existência da cantora carioca Monique Kessous ao, por acaso, estar assistindo ao Som Brasil que homenageou Marcos Valle, em 2010 (Assistam a bela interpretação de "Viola enluarada": http://www.youtube.com/watch?v=BeaGpazunz0). Desde então essa voz não me saiu da cabeça. Neste ano, a singela canção "Coração" ganhou espaço na trilha sonora da novela global "Cordel Encantado", e, doravante, no coração dos brasileiros apaixonados pela boa música. Cópia fiel da Marisa Monte?... Eu diria que Monique Kessous é Monique Kessous, uma das maiores promessas da música brasileira. E ponto. Eis o "Coração" que ocupa o nono lugar em meu coração:


8º Quem não quer sou eu - Seu Jorge
Álbum: Músicas para churrasco

Quando o Seu Jorge resolve colocar as cartas sobre a mesa e falar de relacionamento... Descrição perfeita de um homem que, embora apaixonado, renega seu amor. Quem nunca passou por isso? E a levada da música é sensacional. Dá-lhe Seu Jorge!





7º Não precisa - Paula Fernandes e Victor e Léo
Álbum: Paula Fernandes - Ao vivo

Paula Fernandes e a dupla Victor e Léo: o melhor da nova remessa dos sertanejos no Brasil. A música é linda, mereceu todo o sucesso que lhe atribuíram. Eis a sétima colocada:





6º Essa pequena - Chico Buarque
Álbum: Chico Buarque

O "Eduardo e Mônica" do Chico! "Essa pequena" é um blues que vale a pena, de fato. Relembra a velha máxima: os opostos se atraem... Grande Chico, sempre precioso.



5º Te amo - Vanessa da Mata
Álbum: Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias 

Vanessa da Mata compôs uma verdadeira declaração de amor - aquela capaz de superer todos os medos e maledicências. Um amor arrebatador, tão bem interpretado pela atriz e bailarina Marilena Ansaldi no clipe oficial (o qual pode ser visto, abaixo). A melhor música de amor do ano.





4º Pra você - Paula Fernandes
Álbum: Paula Fernandes - Ao vivo

A mais cantada, a mais assediada, a mais clicada no Google, a mais sertaneja das mulheres: Paula Fernandes arrebatou um público estrondoso no ano de 2011. O up em sua carreira se deu após sua participação especial no show do rei Roberto Carlos, no final do ano de 2010. De lá pra cá, Paula só colheu rosas. Deixou Ivete Sangalo e Luan Santana no chinelo: vendeu mais do que os dois juntos!
E todo esse sucesso advém também da qualidade de suas canções. "Pra você" é uma bela declaração de amor, numa bela voz. Merece estar entre as cinco primeiras, sem dúvida.



3º Problemas - Ana Carolina
Álbum: Ensaio de Cores

"Problemas", o atual single da cantora Ana Carolina, possui uma carga poética, bem ao estilo "O meu amor conhece cada gesto seu / Palavras que o seu olhar só diz pro meu". Por trás da canção, aquele velho ditado: em briga de marido e mulher... "Ninguém vai resolver problemas de nós dois". A medida que o eu-lírico busca o diálogo, o olhar do outro, a angústia cresce, e culmina em um belo refrão. Eis a terceira colocada, com louvor: 



2º Não existe amor em SP - Criolo

Álbum: Nó na orelha

"Não existe amor em SP" não se trata apenas de uma canção. Trata-se um marco na música brasileira. A versão de Sampa, impregnada das mais crua realidade. Criolo foi redescoberto ao apostar em um ritmo diferente do que lhe é habitual, o rap. A crítica soou melódica, soou histórica. Bebeu em Baudelaire, bebeu o simbolismo das flores e das nuvens, para descrever uma cidade onde tudo se aparenta e se apresenta. "Cuidado com o doce"... Não aceitem qualquer coisa. As flores estão mortas, assim como muitas vidas prostradas nos bares da vida. Melhor canção do ano de 2011, segundo o VMB, "Não existe amor em SP" ocupa a segunda colocação nesta lista, com louvor:




1º Felicidade - Marcelo Jeneci
Álbum: Feito pra acabar

Felicidade foi aquela música que me tocou de imediato. A melodia, seguida da letra, e interpretações repletas de suavidade e verdade dos cantores Marcelo Jeneci e Laura Lavieri. O clipe, perfeito, arrebatou com chave de ouro, e levou a medalha de ouro. "Felicidade é só questão de ser". Preciso dizer mais alguma coisa? Assistam ao clipe, ouçam e vivam essa letra. Viver é tão simples quanto "Felicidade". E que a simplicidade reine, sempre, em nossas vidas. Eis a "Felicidade":




Menção para samba/pagode:
"Viver sem ti", do Exaltassamba e Mariana Rios.
(o álbum foi lançado no final de 2010, todavia, a canção estourou em 2011).

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Então, o que acharam? Qual música merecia entrar nessa lista?
Feliz Natal a todos e um 2012 repleto de ótimas músicas!

domingo, 27 de novembro de 2011

Lançamento do livro "Astrobeijo", de Ana Beatriz Manier

Olá, leitores e autores s/a!

É com orgulho que venho anunciar que mais um autor s/a irá lançar um livro. Ana Beatriz Manier, a cronista-mor do Autores S/A, convida a todos para o lançamento do seu livro "Astrobeijo", publicado pela editora Cubzac. Tive a honra de ler esta micro-história da Ana (quando ainda não havia sido publicada). Estória leve e pura, a qual todos os pais devem ler para seus filhos - de preferência, sob um céu estrelado. Parabéns, Ana, por essa conquista. Vamos prestigiá-la?


Boa sorte, Ana!
Lohan.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Apólogo da Pureza

Havia uma folha de papel sobre a escrivaninha. Ao seu lado, uma caneta, que havia sido ali posta, transversalmente. Ambas iniciam um diálogo:
-Assim quero viver: branca e pura – Anunciou a folha de papel - Viver sem ser desonrada por um objeto qualquer... Uma caneta Bic como você, por exemplo.
-Não seja tola, folha. Da sua espécie não se salva uma sequer. Vocês são como as mulheres hoje em dia: não resta uma que não tenha perdido sua pureza!
-O que você entende de mulheres? Não tens a delicadeza de um ser feminino, embora seja deste gênero. Eu sim sou delicada. Rasgo-me facilmente. Um toque mais desleixado pode me causar amassos irreparáveis. Defendo minha honra até o fim. Eu faço jus ao meu gênero! Já você vive mais na orelha do dono da casa do que entre os dedos rudes dele.
-Ao menos sou mais bem quista do que você, cara folha. Comigo, ele pode planejar todo o seu dia. Escrevê-lo inteiro. Pode projetar casas, obras literárias. Ele me carrega consigo, e estou sempre pronta para a superfície que vier. Já o salvei com lembretes nas palmas de suas mãos. Já me feri em ásperos papelões, e já passei por maus bocados em um tecido, quando ele quis assinar uma camisa de um amigo.
-Aposto que sua querida tampa já foi para o beleléu, tamanho o cuidado que as pessoas tem com suas canetas. Estás aí, a secar tua vida, pela falta de zelo do seu querido dono. Já eu respiro livremente, branca e pura. Você terá vida curta.
-Vida curta eu não terei. Minha tinta é da melhor qualidade, não seca a toa. Além do mais, o meu dono tem utilizado bastante aquele seu... Notebook ultimamente. Confesso estar me sentindo trocada. Antes usada do que trocada. Passar pela vida durante anos sem ter serventia alguma é a pior coisa que existe.
-Não pense como um objeto funcional, caneta! Pense que todos nós somos únicos. Ninguém nasce para servir o outro. Liberte-se deste teu sentimento altruísta. Antes intocável do que se tornar um bolo ínfimo de papel e parar na lata de lixo por conta de um rascunho de um texto ou por causa de um simples erro gramatical.
-Queria morrer jovem, mas morrer em glória – como Aquiles. Ser a responsável pelo livro mais lido do mundo!
-Esqueça... O teclado do computador já te substituiu faz tempo. Eu também fui substituída pelos Words da vida, e estou pouco me lixando! Minha vida duradoura é o que me importa. De que vale morrer em glória? Para ser encerrada numa lata de lixo no fim das contas?
-Ambas de nós desejamos morrer puras, porém, com uma diferença semântica desta palavra: eu quero morrer sem tinta, purinha, e você sem ter recebido a minha tinta, pura em sua castidade.
-É o que temos em comum. Gosto de você, não é nada “objetal”. Mas não quero que meta teu bico na minha vida. A minha pureza é a minha beleza.
-Que assim seja, cara folha... Mas uma coisa é certa: a solidão e a inutilidade lhe pesarão. Irás viver eternamente branca e pura, e também vazia. Serás pura em vida e de vida. Ver-se-á vazia de sentido, vazia de utilidade. Vazia da palavra que puxa palavra. Vazia dos riscos de um artista. Tudo que se guarda não sabe para que ou para quem se guarda. Antes ter uma finalidade do que não se saber o porquê de ter passado por essa vida. A verdadeira pureza habita no gesto de contribuição pelo bem estar da humanidade, e não na tua brancura inútil e solitária.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Eu disse, ela disse


 Hoje vou postar um texto o qual, enquanto o escrevia e depois, o re-lia, me emocionei bastante. Espero sinceramente que esta prosa poética emane o mesmo que transmitiu para mim. Obrigado e boa leitura. Lohan.           

Eu disse a ela que queria juntar nossas escovas de dente. Ela disse nada, e mostrou-me, mais radiante que a luz do amanhecer, todos os seus dentes. Ela disse ter medo da minha sinceridade. Eu disse ter medo de suas omissões. Eu disse que não queria dizer. Ela disse nada e permitiu que a beijasse. Eu disse para ela se afastar do joio daquele campo. Ela disse que o meu trigo era suspeito. Eu disse te amo. Ela disse não ter certeza. Eu disse que ela ficava linda de branco. Ela disse que preferia preto. Eu disse que nossa relação estava em ebulição. Ela disse para irmos com calma. Eu disse que era virgem. Ela disse não acreditar. Eu disse que a levaria para onde ela quisesse. Ela disse que queria meu abraço para ir até seu universo mais remansoso. Eu disse que pagava o cinema. Ela disse que pagava minha passagem. Eu disse que nossa filha se chamaria Beatriz. Ela disse que seria Maria Eduarda. Eu disse que concordava. Ela disse que Beatriz também era lindo. Eu disse que podia ser um menino. Ela disse que eu estava em outro mundo. Eu disse ainda bem. Ela disse ser realista. Eu disse que adentrar no “ismo” do real tornava a vida mais chata. Ela disse que a primeira vez foi boa. Eu disse que a segunda seria ainda melhor. Eu disse que ia fotografá-la. Ela disse que não era fotogênica. Ela disse que sonhar não pagava a prestação da geladeira. Eu disse que ela estava enganada, pois o fiz em sonho. Ela disse que estava grávida. Eu disse alguma coisa que não lembro. Ela disse que a parede da casa tinha que ser branca, como estava. Eu disse que devia ser azul, como o céu daquela manhã, repleto de horizontes. Ela disse que o café não podia ser doce. Eu disse que detestava adoçante. Ela disse que queria comer brócolis cru. Eu disse que era desejo de grávida. Ela disse que fazia parte da dieta. Eu disse que ia ao futebol com os amigos. Ela disse que não faria o almoço. Eu disse que ficaria em casa. Ela disse que mesmo assim, não faria o almoço. Eu disse que faríamos amor. Ela disse que faríamos as pazes. Eu disse, com todo brilho no olhar, que tinha sido promovido no emprego. Ela disse, com todo embaço no olhar, que era um menino. Eu disse que ele seria Flamengo. Ela disse que seria Fluminense. Eu disse que ele era a cara dela. Ela disse que bebê não tinha cara. Eu disse que se chamaria Emanuel. Ela disse “que lindo”. Ela disse que precisava colocá-lo numa creche. Eu disse que não tinha coragem. Ela abandonou o emprego. Eu disse obrigado. Ela disse nada, e não de nada. Eu disse que ele precisava ler mais gibis. Ela disse que ele podia ler Platão. Eu disse que ele queria ser Vasco. Ela disse “ele não tem querer”. Eu disse que estava ficando velho. Ela disse que era uma indireta para ela. Eu disse que o tempo passava para os dois. Ela disse que eu tinha um caso com uma mulher mais jovem. Eu disse que ela estava louca. Ela disse que leu o bilhete do bolso da minha calça. Eu disse que bilhetes não significavam nada para um poeta renomado. Ela disse que minha poesia era uma merda. Eu disse que ela se deixou conquistar por merdas. Ela disse pra eu dormir no sofá. Eu disse que ia para a rua beber. Ela disse para eu não voltar. Eu disse que queria a guarda do meu filho. Ela disse que o filho era dela. Eu disse que tinha um emprego melhor. Ela disse que mãe é mãe. Eu disse que ia visitá-lo aos finais de semana. Ela disse que encontrara um novo amor. Eu disse que ia pegar minha escova de dente. Ela disse que já tinha jogado no lixo. Eu disse que ela foi precipitada. Ela disse que agiu tarde demais. Eu disse que não queria dizer. Ela disse tudo o que eu não queria ouvir. Eu disse para ela se afastar do mal que ocupava a vida dela. Ela disse que o bem da minha vida era a boemia. Eu disse que ela realmente ficava melhor de preto. Ela disse que àquela altura, o claro lhe caía melhor. Eu disse que pagava o cinema. Ela disse pra eu guardar meu dinheiro para a pensão. Eu disse que ainda a amava. Ela disse que estava esperando uma filha. Eu disse o silêncio mais profundo. Ela disse que ia me fotografar ao lado de Beatriz no dia de seu primeiro ano. Eu disse que meu semblante estava péssimo para foto. Ela disse que Beatriz era flamenguista. Eu disse que ia me matar. Ela disse que se matar exigia muito da cabeça, e menos do coração. Eu disse que ia atirar na cabeça. Ela disse que precisava do meu coração. Eu disse para trocarmos novamente. Ela disse que voltaria a ser o meu real. Eu disse que voltaria a ser sua utopia. Ela disse que um começo feliz merecia um final feliz. Eu disse que o final não existe quando se tem amor para todo o sempre. Ela disse que pintara a parede da casa de azul. Eu disse que branca realmente era a melhor cor de parede. Ela disse que só bebia café melado agora. Eu disse que tinha aderido à sua amargura. Ela disse que comprara uma escova de dente nova para mim. Eu disse que precisava usá-la para ela passar a ser minha. Ela disse que o banheiro ficava no mesmo lugar. Eu disse, espumando pasta de dente: te amo. Ela disse que agora tinha certeza. Eu disse que as certezas eram ilusões. Ela disse que queria viver iludida. Eu disse que ia fotografá-la. Ela disse que as rugas sexagenárias não seria uma boa lembrança. Eu disse que ia caminhar com meu neto no calçadão. Ela disse para eu levar o casaco, pois podia esfriar. Eu disse que esqueci. Ela disse que não tomei meu remédio. Eu disse para ela cessar o sermão. Ela disse que eu era teimoso. Eu disse que a vida é que teimava em aproximar-me da morte. Ela disse que morreria antes de mim. Eu disse que isso era inconcebível. Ela disse que morreríamos juntos. Eu disse que ninguém vive sem um coração, ou sem uma cabeça. Ela disse que sentiu uma fisgada no peito esquerdo. Eu disse que estava sentindo uma forte dor de cabeça. Ela disse para eu lhe dar a mão. Eu disse que a levaria onde ela quisesse ir. Ela disse que queria meu abraço para morrer em mim. Eu disse que queria morrer nela.
            Nossas escovas de dente já não mais seriam usadas.



sábado, 9 de abril de 2011

O Estupro




 O plantão de Susana terminou às dez da noite. Pegou o 455 pro Méier, sentou-se em um banco individual e tentou pensar na vida. O sono burlou as regras do seu pensamento e ela cochilou, não mais que três minutos. Viu-se aprisionada em uma solidão simbólica: um assento para uma pessoa. Sentiu um calor lhe descer em forma de suor pelas têmporas, não obstante o frio da noite que invadia o ônibus através da brecha da janela de seu assento. Arrancou o jaleco e fitou os olhos “em ontem” até chegar a seu destino.
  Do ponto em que desceu em diante, seu trajeto fazia-se escuro de solidão e luz. Uma rua de galpões abandonados nos quais um dia funcionara uma fábrica e depósito de tecidos.
                 Susana carregava seu jaleco branco num ombro e, no outro, pendurava-se as alças de uma simplória bolsa preta, que contrastava com a brancura de seu traje. Seu andar era descompassado, porém calmo; mais por cansaço do que por segurança.
                O prédio em que morava ficava a poucos metros. Antes, passaria rente a um terreno baldio, com um matagal aos fundos. Ali, alguns garotos batiam suas peladas vez ou outra. Susana olhou para os lados, numa prevenção quase que automática. Foi então que à sua frente, na mesma calçada, percebeu um vulto se aproximando, surgindo do breu que ali pesava com mais intensidade. Vinha em sua direção, andando em linha reta. Pela silhueta, ocasionada pela réstia de luz dos holofotes, descobria-se a postura de um homem forte, de cabeça erguida. Susana prendeu a respiração por uns segundos e a soltou vagarosamente, ao passo que seu caminhar diminuía o ritmo. Mudar de calçada seria uma solução desastrada, ia transparecer seu medo. Não podia transparecer seu medo; durante um bom tempo de sua vida estudou modos de injeção de frieza nas veias quando necessário. Além do mais, não evitaria a perseguição, se por ventura aquele indivíduo tivesse a intenção de lhe fazer algum mal. Prosseguiu, sem pestanejar.
                O encontro era certo. Sua vida cruzaria a daquele sujeito como jamais imaginasse que fosse. Foi um instante aterrador e catártico no que o homem parou defronte de si, e, mudo, observou sua tensão e ouviu o murmúrio do desejo que seu instinto produzia.
-Por favor, me deixa passar – Ela pediu apenas por questão de formalidade.
                Ele talvez tenha esboçado um sorriso. Era um negro mais forte que o breu daquela rua. Respirou sonoramente, como quem carrega um monstro ruidoso na masmorra dos seus pulmões. Ele sabia que aquela era a primeira fala da peça teatral.
                Não havendo uma manifestação sequer do homem à sua frente, Susana tomou iniciativa e se desvencilhou, mas logo foi tomada pelo braço. Um puxão forte a colocou de volta em seu lugar.
-Me solta, seu brutamonte! Me deixe ir! Olha, você quer minha bolsa, meu relógio?... Diga logo o que quer, por favor.
-Eu não quero nada disso.
                Aquela voz estremeceu a enfermeira, que até então estava aparentemente sob controle. Sentiu mais do que temor. O além ela não soube explicar. Mas sabia que as ondas sonoras daquela voz rouca e grossa penetraram locais recônditos em seu ser.
-O que quer... Então? – Indagou, numa pausa assaz sugestiva.
-Você sabe que eu quero te comer.
                Susana arregalou os olhos. A ponderação da voz daquele homem a assustava mais do que qualquer outra circunstância daquela situação. 
-Por favor, não faça isso comigo. Eu sou casada, eu... Eu moro logo ali, eu...
-Eu não quero te machucar. Vem comigo e vamos fazer o que tem que ser feito.
-E o que tem que ser feito? Eu não vou fazer isso, chega, cara!
                Susana virou as costas e saiu a passos rápidos, retornando para a rua principal. O homem a seguia, não menos veloz. Ela engoliu o nó que se formava em sua garganta e iniciou uma corrida desajeitada. O homem, persistente, não deixou por menos, e logo a alcançou. Uns dois gritos de socorro ficaram ecoando no vazio daquela rua. O terreno baldio agora servia de palco para a violência.
                Susana debatia-se, em vão. Com a boca coberta por uma das mãos, e segura pelo outro braço, ela ia sendo arrastada pelo terreno, até às moitas mais discretas. Sua bolsa ficou pelo caminho, assim como seu jaleco.
                Ele a deitou na relva molhada pela neblina e destampou sua boca. Susana lhe desferiu uma cusparada bem nas fuças.
-Seu preto nojento, me larga, me deixa!!
                Ela tenta mordê-lo, e ele lhe acerta uma bofetada na boca.
-Se for pra gritar, que seja gemido de tesão.
                Susana tremia-se de ódio. Indefesa, ela via sua roupa sendo arrancada, peça a peça. Já de sutiã e calcinha, ela trança suas pernas e protege ao máximo o seu maior tesouro...
                Entre grunhidos, a luta prosseguia. Os olhos pretos de Susana convulsionaram-se, e a boca carnuda foi a que primeiro cedeu. O beijo teve as línguas mergulhadas nas salivas quentes e os cabelos pretos da mulher foram enrolados ao braço do homem. Enfraquecia-se pouco a pouco, a mulher, por fadiga e prazer. Os seios médios já apresentavam os mamilos enrijecidos, e a pele alva e suada permitia que as mãos negras deslizassem com facilidade até os contornos mais íntimos; a calcinha foi rasgada, em meio àquele selvagem confronto, e as virilhas já haviam sido tocadas a essa altura.
                Já com os corpos nus, primeiro ele penetrou um e dois dedos já além das virilhas... A outra mão ele levou à boca da mulher, que, por sua vez, engoliu um de seus dedos grossos e áspero com uma voracidade de quem enche a boca da carne mais suculenta de um churrasco no campo dos famigerados.
                De súbito, ela é tomada por uma revolta, e chuta o estômago do homem, que não se abate e a toma fortemente, agarrando-a pelos quadris. Ouvia-se só respiração ofegante: um roncar de motor que parecia brotar do âmago daquele homem, e um gemido quase inaudível, como que não se pudesse denunciar o prazer despertado, a mordida da maçã que desencadeia todo o pecado existente.
                Agora, sem mais, ele a penetra com força. Ela aumenta a sonoridade da sua melodia concupiscente, e agora já se ouve também a colisão dos testículos no inferior vaginal da mulher, e as coxas grossas se apertam contra o abdômen musculoso daquele negro que a sufocava de um prazer inenarrável. Era forte e veloz, era uma espécie de máquina desbravando um território que até então não tinha sido alcançado; uma máquina de centímetros avantajados, que ia de encontro a todos os pontos alfabéticos de seu interior.
                Susana agora já gritava. As pernas se arreganham ao extremo: é a plena aceitação de uma mulher.  
                Nunca sentiu tão rascante um esperma. Parecia conter estilhaços de vidro. Ele emitiu um som animalesco e afastou-se daquela mulher totalmente entregue e repleta de sêmen na vagina. Susana ficou durante uma eternidade de segundos fitando o céu que não se podia dizer estrelado, mas reluzia em pontos distantes um do outro. Estava sorrindo e nem sabia. Era talvez um sentimento desconhecido, ou que estava inacabado. Agora, completo em seu ser, ela podia nomeá-lo: vida.
-Vai me matar agora?...
-Eu devia, mas não vou. Tu é uma vadia filha da puta.
                Aquele foi o maior elogio que Susana já ouvira.
-Qual o teu nome, garanhão?
                Vestindo a camisa, o negro responde:
-Já te dei o principal. Meu nome não importa. Se abrir essa boca, eu não vou ter dificuldade de te achar te enforcar. Ta me ouvindo?
-Fica tranqüilo. Eu vou retribuir o prazer que você me deu com o meu silêncio. Meu mais perfeito silêncio – Disse, lasciva, levando o dedo indicador aos lábios.
-É casada porra nenhuma, é?
-Não viu minha aliança? – Disse, balançando o dedo reluzente.
-O anel que vale não é esse.
-Safado... – Riu-se, como uma prostituta de alto escalão.
-Vaza daqui.
                Após o ordenado, o preto saiu terreno afora. Susana ficou ali estendida no chão por mais algum tempo, sentindo a aragem noturna lhe impregnar um cheiro mais puro. Precisava chegar a casa sem os odores do sexo.
                Em estado de graça, ela retornou ao lar. O marido lá esperava, já pegando no sono, no sofá da sala. Trabalhava feito um cão durante o dia, e já a noite, mal recebia a mulher com quem estava recém casado. Foi um casamento tão ansiado por ambos, e agora se via naufragado na rotina dos motores da sobrevivência.
                Nunes era professor de escola primária, e visitava a mãe cancerosa diariamente. Tinha dias que pernoitava na casa materna, por compaixão ou saudosismo, sabe-se lá. Susana temia o arrependimento ao reclamar uma situação tão delicada; era enfermeira, sabia bem como sofria um paciente com câncer. Mas ela também desenvolvia um câncer: o tumor da resignação. Este a secava, dia a dia, e lhe tirava o prazer do riso, para não contar os mais peculiares de um casal. Calava-se, e morria-se. Nunes um dia lhe foi um presente, hoje já tão pouco presente. Mal notou a diferença no comportamento da mulher.
                Nas noites noturnas que se sucedeu após o estupro, Susana chegava à conclusão de que sempre desejou ser estuprada, mas que seus valores sempre tolhiam essa aventura sexual. Aliás, ela concluiu que toda mulher um dia sonha em ser estuprada, nem que fosse por curiosidade. De preferência, por um negro. Eles eram, inegavelmente, maiores. Em todos os sentidos. E isso, naquele momento, muito importava para a enfermeira desvirtuada. Seus vazios não poderiam ser preenchidos tão superficialmente... Queria o máximo, a explosão da alma e do gozo. Susana beirava o riso abobado ao ter com esses pensamentos libidinosos, ou melhor seria, sacanas.
                Nesses dias, em seu trajeto, ela olhava bastante para os lados e chegava a parar, entristecida, à espera da aparição assombrosa daquele homenzarrão. Andava em círculos pelo terreno baldio, feito louca de pedra. Voltava ao local do coito, e chegava a debulhar a relva nas mãos e apertá-la contra as narinas. O cheiro ali contido parecia transferi-la etereamente para sobre o corpo daquele homem, e nele cavalgar feito uma amazona bem treinada.
                Seus desvarios prolongavam-se por noites. Criou-se ali uma espécie de dependência, um vínculo absurdo com o estuprador. Certo dia demorou-se chegar a casa, e, ao chegar, foi questionada pelo Nunes, que a essa altura, apesar de sua visível palermice, já havia notado fumaça no ar.
-Tem dia que você tem chegado mais tarde, o que ta acontecendo?
-Sempre me aparece mais trabalho perto do fim do plantão, amor. É difícil, tenho que permanecer mais um tempo...
-Teve um dia que cheguei em casa já era altas horas e você me diz que tinha ido tomar um ar, nessa rua perigosa!
-Não posso? Eu não tenho medo, Nunes. Eu tenho vontades.
-Vontades... Vontade de que, posso saber?
-De muitas coisas que ultimamente não estão sendo plenamente saciadas por você, por exemplo.
                Ela lhe vira as costas e segue para o banheiro. Tranca a porta na cara do Nunes. Ele, feito babaca, fica ali a ouvir o chiado do chuveiro do banho de sua bela esposa.
-Então você não me ama mais, é isso? Fala comigo, Susana!
                Sob a água fervente do chuveiro, Susana cantarolava baixinho, indiferente às indagações do marido. Quando saiu, enrolada à toalha, ele a agarra pelos braços e diz:
-O que ta acontecendo, me diz. Eu não te satisfaço mais na cama, é isso?
-Eu te amo, meu amor. O amor é que importa, certo?
                Sonsa como ela só, segue pro quarto. O Nunes nada entende. E, enganado assim, ele permaneceria por um bom tempo. Susana já começava a perguntar pelo paradeiro de um homem negro e forte pelas redondezas. Nenhum sinal. Até que certo dia, após uma discussão com Nunes, ela vai de camisola até o terreno baldio e, lá estando, percebe que pela calçada alguém se aproximava dali.
-É você? Apareça!
                Amargurada, Susana se senta no chão, e chora. Então ele surge, do breu, e caminha até ela. Ela abre um sorriso e rapidamente seca as lágrimas, erguendo-se.
-Eu sabia que você não ia me abandonar.
O homem segurou sua mão e a conduziu para a mesma moita.
Com as pernas bem abertas, ela permite que ele faça o serviço. Descontrolada, roga para que ele vá mais fundo. Grita como nunca, e recebe tapas na cara como admoestação. Não demorou muito e chegou ao orgasmo... Abriu os olhos e mirou o céu, todo escuro. As estrelas estavam em seu olhar, dispersas. Sentiu um líquido escorrer pelas coxas, e manchar o capim. Levantou a mão de unhas pontiagudas e notou que estava molhada de um líquido viscoso, misturado a um vermelho que era sangue.
Espantada, ela se levanta, e se percebe nua. Os seios arranhados, as faces ardendo, e de sua genital um filete de sangue fazia caminho em sua perna.
-Cadê você?!... Volta!...
                Em desvario, Susana sai daquele local, e ainda nua, corre pelo terreno baldio, com uma das mãos contendo o sangue que esvaía do sexo.
                Nunes vai ter com a mulher naquele estado. Logo depois da saída da mulher, ele decidiu ir procurá-la pela rua. E ao que encontra...
-Susana!
                A enfermeira cai de joelhos. O marido corre até ela, e a abraça.
-Sua roupa, cadê sua roupa!? Que diabo de sangue é esse, meu amor? Vai, fala! – Indagava, transtornado.
                Susana olhou para o negrume do céu, abriu um sorriso quase imperceptível e, docemente, respondeu ao marido, sem tirar os olhos do negro que esteve sobre si:
-Amor... Eu fui estuprada.