quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O túnel do tempo.








Estátuas e porta jóias se estendem
em amontoados lixos no porão da História.
Raízes aprisionadas, teias de aranha;
a poeira desliza sobre os reflexos do sol
que penetram a clarabóia
e irritam a menina dos meu olhos interrogadores...
A podridão das rendas herdadas e encardidas
me despertam espirros rebeldes
que me remetem a um cheiro de argila e ataduras.
O que significam os papéis amarelados
com tintas borradas pelo môfo?
Só os fungos sobrevivem felizes
aterrorizando as bronquites genéticas
da massa que se aglomera
sem saber o quê, afinal,
busca no passado.
O ar pesado inibe os meus sonhos
de incenso e mirra.
O silêncio penetra os meus ouvidos;
os quadros e móveis exigem meu mutismo reverenciador.
Minha quase imobilidade respeitosa,
quase que como um passe ritualístico.
Penetrei num santuário.
Minhas veias pulsam tempo, tampas,
posses e passos.
O fascínio é uma esfinge.
As imagens agora são um quebra cabeça colorido.
Desço os degraus apodrecidos,
chego ao salão onde requebram
os ventres das odaliscas.
Tremem braceletes, moedas,
burburinho de vozes e gargalhadas;
sofreguidão de gargantas sedentas de cerveja, rum, vinhos...
Bandolins, cítaras, oboés e calor.
Rufam os tambores.
Não consigo ver o sultão.
Tudo acontece ao mesmo tempo!
Intrusa, perturbo sarcófagos.
Violadora de tumbas,
emerjo exaurida por um estranho
poder de Íris.
Rompi os grilhões que me separavam do passado.
Rompi o túnel que me separava do sagrado.
Fenômenos paranormais e náusea do cheiro
do tempo que já não existe mais.
Cheiro de morte. Cheiro de imortalidade.
Cruzei  ataúdes, deixei para trás estátuas, portais, cânforas, baús...

Osíris me queria.
O escaravelho me amedrontava.
O Nilo se tornou mais distante
tapado por seus papiros.
Mas agora o que vejo é o tridente nas mão de Netuno!
"O mar! Quando quiserdes aprender a orar, navegai pelo mar."
Thalatta!
Me fosse dado um tapete mágico...
O viajar nunca acabaria...
Ao longe, suave e estranha canção
flutuava entre as ondas.
Invisível encantamento
dos cantos das sereias.
Ulisses me ensinou a tapar os ouvidos com cera.
O fio de Ariadne veio me transportar,
me envolver em contemplações.
Despertou Medéia.
Multidão na Acrópole,
tragédias euripidianas,
com desfecho tão atroz...


Acres odores de ervilhas cozidas e alhos tostados.
Folgozões e estátuas de deuses.
Íntima parte da assistência turbulenta
exigindo as canções.
Cantar como as Musas?
A máscara não encobre minha farsa.
E antes que me cegasse,
corri para uma alameda
que me conduziu de volta
ao meu destino, que me levou adiante.

Estou na biblioteca.
Presenciei a destruição de Pompéia.
Delirei mil e uma noites,
ri com as loucuras românticas de Dom Quixote;
me aventurei com o Barão de Münchausen;
naufraguei com Gulliver.
Yahoo! Conseguimos nos libertar dos Liliputianos...


Nada disso parecia ter fim.
não pude decifrar,
fui devorada
e me realizei.

5 comentários:

Lohan Lage Pignone disse...

Andrea,
Seu texto também me devorou, tamanho mistério que há envolto dentre essas belas palavras. Uma profunda interpretação, uma viagem longínqua, quase etérea...
Todos nós iríamos nos realizar se fôssemos devorados por um passado tão glorioso como o que vc descreve. Um passado mítico, ou não...
Parabéns pelo texto tão bem escrito, Andrea.

Cacarina disse...

Eita que pessoa mais apaixonada!
Adorei! Bem que podia ter sido minha professora né?!
Precisamos tanto de educadores apaixonados!...
Beijo no coração,
Claudia

Armando disse...

Oi Andréa!
Poxa mana, este texto é realmente, uma emocionante Viagem no Tempo. Fui contigo e penetrei o Santuário num passe mágico e ritualístico. A História se refez em minutos alquímicos. Você escreve bem e bem parece que viveu os Antigos Mistérios. Quanto ao decifrar... isto o tempo se encarrega. O mais importante é que vc se realizou e sabe realizar a Grande Obra. Devorarando, sendo devorada e nos permitindo ser devorados pelo tempo e o espaço poético numa narrativa de tirar o fôlego e que nos faz vislumbrar a história numa outra e bela dimensão. Parabéns!
E grato por tuas sinceras e singelas Boas Vindas! Abraço Fraternal!

Armando disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Armando disse...
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