sábado, 16 de janeiro de 2010

O tempo do suposto amor

Uma pessoa para usar todos os pronomes possessivos, é essa a oferta do amor ultimamente. É uma oferta bem limitada, se o caro leitor me permite ressaltar. Na boca de meio mundo estão todas as razões para estar casado com fulano/a: inteligente, ótimo emprego, gosta de Beatles, boa dentição, perfume importado, paga a conta sempre, é hétero convicto... Ótimo, parabéns, mas não ouvimos falar da capacidade de amar, ouvimos? E sabe por quê? Porque é tão preocupante como uma epidemia ou uma catástrofe natural: nós não sabemos sentir.

Não temos a menor pista de como viver nossos sentimentos na medida do saudável. Não sabemos delimitar nossos desejos, não aprendemos a dividir coisa nenhuma. Vivemos num mundo de egoísmo sentimental, pessoas se divertem com a unilateralidade de sentimentos. Quem nunca ouviu um conhecido dizer ‘É, ele/ela me ligou, vive correndo atrás, mas eu não atender esse telefone nunquinha!’ ou a mais avassaladora de todas: ‘Ah, é bem simpático/a, mas...”? Já ouviu ou já disse isso ao menos uma vez na vida. Se não verbalizou, pensou, garanto.

Vivemos, aliás, o tempo do não-verbalizado. Refiro-me à verdade, porque a mentira, ah, essa sim, anda bem expressa nos depoimentos e twitter de casais perfeitamente felizes, que sorriem e se abraçam pras fotos mas o status ‘namorando’ não é mais que um paliativo pra manter a solidão de duas pessoas supostamente contida. As palavras se tornaram esconderijos para as promessas que não serão cumpridas, fonte pra manter as aparências e alimentar essa vida de hipocrisia.

E o mais incrível em tudo isso é que nos conformamos! Vivemos bem passivamente essa inércia do mesmo... Não ouvimos ninguém reclamar desse sistema de joguinhos e podridão, não se vê ninguém protestando contra esse mundo de permissividade e banalização do amor. Todos estão preocupados com o futuro do planeta, mas o que será do nosso coração consumista se a situação continuar progredindo sem qualquer barreira? Preocupam-se em usar ecobags e canecas, mas nunca ouvi o Jornal Nacional falar da impossibilidade de reciclar ou mesmo reutilizar suas amizades, seus amores, até porque Fátima Bernardes e William Bonner formam um casal perfeito.

Ninguém pensa em mudar sua maneira de amar. Uns até evitam o sentimento, suas reviravoltas, seus sorrisos e lágrimas. Ninguém quer tentar um caminho novo. É amedrontador, é verdade, mas ainda precisamos crer que o tempo de sentimentos mais refinados e mais bem cuidados está por vir. Mas quem disse que seria fácil?

Quando o tempo do amor chegar, quem sabe a gente se encontre por aí e possa falar as verdades que sempre guardamos, colocar em prática as loucuras que o medo nos privou? De relacionamentos entendo pouco, mas algo precisa se tornar uma verdade universal: ‘precisamos uns dos outros para sermos nós mesmos (autor desconhecido)’.

3 comentários:

k@ disse...

Olá, bem legal seu texto, gostei muito, porque é preciso entender que textos literários também têm essa funcionalidade, de alerta, informação, etc
Mas, falando do teu assunto, eu por várias vezes tenho questionado-me qto a essa insensibilidade q nos toma durante essa época, temos tempo pra td, cultivamos td, menos o amor, logo ele q para poucos, é combustivel gerador de energia da vida. Então que nós façamos de nossas vidas tanques transbordadores de amor!
Parabéns pela mensagem!

Sidarta disse...

Ray,

Em primeiro lugar, uma coisa interessante. Depois que a gente pega uma certa familiaridade com um(a) autor(a), bastam as primeiras frases lidas para identificar quem as escreveu. E este é mesmo um texto ao teu estilo.

Estava precisando voltar de alguma forma ao nosso blog coletivo e, relendo o que você escreveu agora, neste momento exato, talvez o tema e a forma como você colocou tudo aqui me fizeram ficar mais à vontade para falar. E, quem sabe, contribuir para a discussão.

Falo discussão porque acho que a gente não precisa mais ficar só elogiando uns aos outros, como se fosse uma obrigação sempre que formos tecer algum comentário. Digo isso também porque antes de escritores somos seres humanos, e acredito que tudo que escrevemos, mesmo numa forma literária, tem algo a ver conosco (ou não?).

Você fala sobre o amor. Talvez o tema mais tratado pela literatura, e...

Tsc... Eu ia falar um montão de besteiras, ia cair na armadilha de tentar fazer um tratado sobre o amor, mas... sabe o quê? Não vou fazer isso.

Concordo com muitas de suas palavras, e até me encaixo em algumas delas, para o bem e para o mal.

Realmente, Ray, tentar um caminho novo é amedrontador. Eu sinto isso. Mas tem horas que é a única saída possível...

Vou finalizar com uma frase conhecida, que é de alguém em algum lugar: "Não se trata de vencer o medo, e sim de avançar apesar dele". Coisa que eu preciso fazer.

Rayanna Ornelas disse...

Meu caro Sidarta, eu concordo com vc! Precisamos sim pensar, repensar, discutir!
Esse assunto é sempre 'alvo' de tantos textos,autores, mas sempre tão importante... parece que falar de amor nos faz querer amar mais, e amar além desse medo de que nós dois falamos. É muita coisa pra se fazer, pra se vencer, mas ainda creio que somos, de uma forma meio louca, privilegiados por poder externar nossas impressões, dividir com tantas pessoas e ainda ter delas esse retorno.
Mto obg por ler-me (cm vc diz...hehehe) e por participar das minhas leituras desse mundo.