Eram seis horas da manhã quando Alexandre acordou com o barulho insistente do despertador do telefone celular, ainda pensou em desligar o aparelho, curtir o friozinho daquela manhã de quinta feira de Julho, mas lembrou-se que se chega atrasado mais uma vez esse mês, perderia a tão importante cesta básica. Alexandre já não suportava aquele trabalho que não lhe dava prazer algum, sua relação era apenas financeira, não suportava mais aquelas reuniões matinais todos os dias as 7:00 horas da manhã para ouvir a mesma história, o mesmo discurso “motivacional” utilizado sempre por algum gerente de vinte e poucos anos saído de uma faculdade bacana que não conhecia a realidade da rua e estava lá para transmitir a carga diária de pressão para atingir a “meta”, um número de venda que ele precisava trazer para no fim do mês ganhar a subsistência sua e de sua família.
Com aqueles pensamentos e mais desanimado do que de costume levantou-se com certa rapidez, olhou para sua companheira e observou em seu rosto que seu cansaço também era visível, pois além do seu trabalho na fábrica, onde também batia o cartão, ainda tinha o serviço do lar, pois tiveram de dispensar a empregada e também tinha de amamentar o pequeno Ulisses de quatro meses que naquele momento da sua vida só precisava de alimento e afeto.
Observando a mulher que já estava a seu lado a mais de oito anos, não pode deixar de pensar e sorrir, agradecendo a Deus por ela existir, ser a mãe e a mulher que vem sendo todo este tempo. Olhou também para o mais velho de quatro anos, que ao nascer apresentou um problema congênito em sua formação óssea, mas que com luta e união conseguiu superar e vencer, hoje quem olha o pequeno Pedro e o vê correndo pra lá e cá não diz e nem pensa o que já passaram.
Neste curto momento Alexandre se sente feliz, a esperança e a energia que precisava ele reencontrou em sua família, o motivo para vestir o uniforme que o transformava todo dia em uma marca, calçar o sapato preto com solado reforçado e apertado, pois não tinha seu número e agora era obrigatório usar o uniforme completo, senão , poderia perder pontos na avaliação anual, aquilo tudo valia a pena, pois ele gosta de ser homem, gosta de ser pai, gosta de ter família. Ao pensar isso tudo ele percebeu que já haviam se passado dez minutos, teria que correr e foi o que fez, se arrumou o mais depressa que pode,pegou a moto foi para mais um dia de longa jornada, mais cinqüenta ou sessenta clientes a serem visitados a oferecer a novidade, mostrar o portfólio, ouvir muitos e muitos nãos e insistir, apelar para o sentimento das pessoas para vender, usar o clássico me ajuda que eu te ajudo, para no fim do dia poder voltar ao escritório com o número que a empresa quer.
E assim por anos e anos até que a situação consigo mesmo foi se tornando cada vez mais insustentável, Alexandre sentia em seu interior, no seu mais íntimo sentimento que aquela situação estava transformando seu próprio jeito de ser, modificando a sua essência, com o tempo ele foi percebendo que até seu pensamento estava cada vez mais condicionado a atender o que o sistema quer e o que a empresa acha importante, ao chegar em casa, não encontrava mais animo para fazer o dever de casa com seu filho, nem brincar com o pequeno, tudo que conseguia fazer era ligar a TV, assistir ao jornal que falava da economia mundial e na taxa de juros. Nem ele sabia porque assistia aquilo,no fundo se sentia condicionado aquela rotina.
Depois da novela das oito,que ao longo do tempo só mudam os nomes e os artistas,pois as histórias são sempre as mesmas e no seu pensamento,ele sentia como a alienação era transmitida,como os conceitos eram repassados a milhões de pessoas,percebia também,como aquele aparelho poderia ser útil,benéfico se fosse utilizado com um propósito bom.
Alexandre pensava que se as pessoas viam violência na TV,praticariam violência em suas vidas,se as pessoas vissem infidelidade na novela,achariam “normal”trair a esposa e sempre que via isso,tinha vontade de desligar a televisão,ou mudar de canal,mas no outro canal da televisão aberta não era diferente,ainda não dava para ele pagar a TV a cabo que possivelmente teria uma opção melhor.
Um belo dia Alexandre acordou com o despertador e não levantou, ficou deitado até as 8:00, depois saiu para comprar pão e tomou um café da manhã com calma com sua família, naquele dia ele decidiu que seria diferente, foi ao seu trabalho para tentar fazer um acordo, pois ele sabia que era um bom funcionário e seria o mínimo que a empresa poderia fazer por ele, depois disso foi a Universidade próxima a sua casa se matricular num curso que sempre quisera fazer. Alexandre acordou motivado a ser feliz,resolveu aceitar o desafio de montar um pequeno escritório de prestação de serviços em sua casa,podendo assim passar mais tempo com sua família e se dedicar mais aos seus estudos,a sua religião,aos seus amigos.
Alexandre decidiu ser feliz!
3 comentários:
João, o primeiro texto seu que li foi este,no seu blog pessoal. E embora seja um texto literário,eu tive a impressão, mesmo sem conhecê-lo para isso, mas do pouco contato que tínhamos tido na primeira aula de Teoria do discurso com Thatyana, que Alexandre é um codinome para você mesmo,como se essa fosse sua história pessoal.
Não sei se essa é a vontade que se liberta no texto ou se é uma "confissão" de uma atitude de mudança concreta, só sei que a luz invadiu o ser deste personagem também, cheio de responsabilidades, de dúvidas e de vontade de escrever o próprio destino. Que bom que ele conseguiu. Seja na ficção ou na vida real. Adorei a coragem e a humanidade dele. Parabéns.
Este é o nosso grande amigo João!
Senti tbm um tom de confessionalismo mto forte, a la Drummond. Parabéns João!
Li este texto sensacional somente agora, depois das minhas publicações do dia. E é incrível como estamos todos em sintonia!
Parabéns pela coragem de ser você mesmo. Estou enfrentando a mesma batalha. Este texto deveria ser publicado em jornal ou revista. Outras pessoas precisam ter acesso, para se libertarem da "normalidade"...
Gostei demais! Parabéns!
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