Para toda ação, há uma reação. A famosa lei de Newton serve como pedra angular da construção desta resenha a respeito do filme francês “A voz do coração” (La Choristes). Dirigido por Christophe Barratier no ano de 2004, a obra traz à tona, ou melhor dizendo, traz com singular maviosidade a temática da educação.
Clichê ou não, falar de ensino e educação em uma obra cinematográfica se faz cada vez mais necessário nos dias de hoje, pois vêm se perdendo, em meio a demasiada banalização de todas as coisas, os sentidos do que é ensinar, do como ensinar, da dialética entre aluno e professor.
O filme trata do assunto com apreciável delicadeza, aguçando a sensibilidade dos mais brutamontes de plantão. Uma obra como esta se torna indispensável em qualquer plano de ensino que se preze. Se todos os professores se espelhassem no personagem Clément Mathieu, interpretado com uma brilhante naturalidade pelo ator Gerard Jugnot, talvez a paz e a liberdade de expressão reinassem em grande parte das instituições de ensino.
Em uma instituição chamada “O fundo do poço”, que abriga alunos “filhos da pós-segunda guerra mundial”, e que é comandada a mãos de ferro pelo diretor Rachin (François Berléand), é natural que se predomine a indisciplina. Quem se encontra no fundo do poço, não tem nada mais a perder. Como se vê, existem, nesse ambiente apresentado no filme, diversos fatores negativos que exercem influência direta no comportamento dos meninos que ali vivem.
O professor Mathieu, recém-chegado a este lugar, surpreende-se com os métodos aplicados pelo diretor, que não se cansa de repetir sua justificativa: para toda ação, há uma reação. Isto é, a punição a indisciplinaridade ou qualquer outro tipo de fuga do padrão estabelecido era severa. Mathieu, decidido a modificar esse cenário de violência desnecessária, toma uma atitude que, a princípio, podia parecer simples: ele transforma o significado contextual da palavra “reação”.
Como um professor precisa reagir diante de um aluno que não o respeita? Ora, primeiramente, descobrir o porquê que ele não o respeita. O que existe em seu tratamento com ele? Autoridade ou autoritarismo?
De acordo com o filósofo mineiro Régis Morais, “o autoritarismo é algo que procura se impor, com uso claro ou velado do poder, enquanto a autoridade é algo que se propõe à aceitação de pessoas ou grupos e só tem legitimidade enquanto dura tal aceitação”. No filme, o professor Mathieu não só abre mão, como também repreende o autoritarismo incutido na metodologia dos professores que ali lecionam, e, em contrapartida, utiliza-se de uma ferramenta sentimental muito mais poderosa e congregadora: o afeto.
Afetar é tocar profundo, é mudar o posicionamento de uma pessoa sem artifícios maléficos, mas sim, com carinho, com atenção merecida, com arte. A arte é o afeto em si, desde que seja manuseada de modo coerente. E assim o fez o professor revolucionário. Através da música, ele confraterniza toda a turma, e, gradualmente, elimina os maus exemplos que se sobressaíam entre eles.
A criança e o adolescente também precisam ser respeitados, tanto quanto um idoso, ou um portador de necessidades especiais. São seres que vivem em ebulição de aprendizados, de descobertas, de hormônios. São seres que merecem atenção redobrada. Muitos professores costumam pré-conceituá-los, antes mesmo de lidar com eles. Este preconceito impossibilita a reciprocidade do respeito e, logo, nada de produtivo brota do ensino preconceituoso. A trama aborda essa questão, ao apresentar a chegada de um aluno problemático à instituição. Este chega a ser acusado injustamente de furto, sendo detido. A reação, tão pregada pelo diretor da trama, muitas vezes pode ser por demais exacerbada e pior: injusta. Como um jovem se reabilita atrás das grades de um reformatório?
É formado um coral de meninos, cujos atores mirins dão um verdadeiro show de interpretação. O solista deste coral, o garoto Pierre (Jean-Baptiste Maunier), abre mão de suas antigas estripulias em prol da dedicação à música, que, por conseguinte, mudaria por completo a sua vida. A cada cena em que “abria a boca” para cantar, o arrepio inevitável percorre a pele, afeta o modo de pensar do telespectador, que se convence de que a arte pode revolucionar uma escola no fundo do poço; aprende a discernir educação (mudança de comportamento ético e de valores de maneira espontânea e afetuosa) de instrução (adestramento). Animais são adestrados, homens não.
O final do filme mostra os efeitos dessa educação aplicada no passado pelo professor Mathieu e, deixa como lição que: um professor se torna inesquecível por reagir, sim, mas reagir com afeto; reagir através da educação.
A voz do coração tornou-se um grande sucesso na França, chegando a representar o país no Oscar 2005 na categoria melhor filme estrangeiro. Nesta ocasião, o Oscar foi para o igualmente genial “Mar adentro”, do diretor Alejandro Amenábar.
Abaixo, uma belíssima cena do filme. Emocionem-se!
4 comentários:
Bravo, my friend! Sua resenha ficou tão didática, sensível ao aspecto humanista claramente em extinção no modelo de Ensino atual, que acredito que você deveria postá-lo no Letrados também. Estará fazendo um favor à todos os participantes. Valeu a dica. Vou tentar achar o filme. E por coincidência, li rapidamente em algum lugar hoje, que a música será uma disciplina obrigatória no currículo escolar, assim com também a filosofia está entre a seleção das mudanças que tanto esperamos neste atual modelo ultrapassado de ensino no qual estamos inseridos. Beijos.
Andréa, muito obrigado!
Curioso é que esta resenha eu fiz justamente para a disciplina Didática! rs Não a toa esse teor que vc mencionou.
Sim, vou postá-lo no Letrados, boa ideia.
Procure pelo filme, vc não irá se arrepender, é belíssimo.
Então agora teremos músicas nas escolas?? Oh, que milagre!! Acho que voltarei a estudar no Ginásio, haha.Realmente, convivemos com um modelo caduco de ensino, essa é a verdade.
Bjs, Lohan
Perfeita sua resenha, Parabéns.
QUAL É A MUSICAS E OS EFEITOS SONOROS DO FILME? ME AJUDE SOU DEFICIENTE AUDITIVA NÃO ESCUTO PERFEITAMENTE. PRECISO PARA FAZER UM RELATÓRIO PARA TRABALHO DO CURSO.
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