segunda-feira, 12 de julho de 2010

A borboleta preta e as "frumiga"


As obras Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, possuem muitas semelhanças. Mas, mesmo quando tentamos compará-las, encontramos também pontos opostos, até no que elas têm em comum.
Brás Cubas tenta conquistar coisas para si, mas, mesmo tendo facilidade para conseguir, acaba impondo barreiras a estas, pois ele sempre quer conquistar as coisas mais complexas, dispensando, assim, todas as coisas simples que se apresentam a ele. Brás também estudou na Europa, mas isso não lhe adiantou de nada, pois ele não se ocupa com a intelectualidade, apenas possuía um diploma. Policarpo Quaresma, por sua vez, não estudou na Europa, mas se ocupa constantemente com sua intelectualidade, está sempre lendo milhares livros, chegando até a ser alvo de chacotas por isso. Ele só deseja conquistar coisas simples, mas acaba por se deparar sempre com coisas complexas e com barreiras impostas pelos outros a tudo o que deseja conquistar.
Na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, temos o episódio do envolvimento entre Brás e Eugênia, que se estende por cinco capítulos e que nos mostra perfeitamente as características acima citadas:
No capítulo XXIX, “A visita”, Brás visita D. Eusébia que, por sua vez, pergunta-lhe sobre seus namoros. Brás se lembra do episódio de 1814, quando ela e Vilaça estavam na moita. Daí aparece a filha de D. Eusébia. Vemos aqui que D. Eusébia começa seu esforço para que um possível envolvimento entre Brás e sua filha ocorra.
No capítulo seguinte, “A flor da moita”, Brás e Eugênia são apresentados por D. Eusébia, que acresce que Brás vinha da Europa. Eugênia, a flor da moita, fica admirada quando vê Brás, que, por saber do passado da mãe, se interessa pela filha, que seria uma “presa fácil”. Aparece aqui uma borboleta que, por assustar as duas, desperta em Brás um sentimento de superioridade.
No capítulo XXXI, “A borboleta preta”, Brás está se arrumando para ir embora, quando entra em seu quarto uma borboleta preta que o faz lembrar Eugênia, o que o incomoda. Ele a acerta com uma toalha e ela cai no chão ainda viva. Brás sente pena da borboleta, acode-a, mas ela já está morta. Então ele diz: “– Também, por que diabo não era ela azul?” e tenta se convencer de que não estava errado em ter feito o que fez, dizendo para si mesmo que ela teria saído do mato, nunca teria visto um homem, não sabia o que era um homem e queria agradá-lo. Encontramos aqui algumas características de Eugênia: ela morava na zona rural, “no mato”, e era virgem, “nunca teria visto um homem, não sabia o que era um homem e queria agradá-lo”, o que nos será mostrado no próximo capítulo. Depois disso, ele dá um piparote na borboleta, ela cai já morta no jardim, então ele diz: “... creio que para ela era melhor ter nascido azul”, este será exatamente o jeito com que ele mais tarde irá dispensar Eugênia.
O capítulo consecutivo, “Coxa de nascença”, começa com um comentário de Brás sobre Eugênia. Ele diz que ela porta vestes simples, tão simples como seu espírito, e olhando-a se lembra novamente do episódio de 1814 e sente vontade de fazer o mesmo com ela. Daí, mãe e filha passam a apresentar-lhe a chácara onde moram, “o mato”. Nesse momento, Brás percebe que Eugênia é coxa, porém “... coxeava um pouco, tão pouco que cheguei a perguntar-lhe se machucara o pé”, o defeito dela era visto por ele como algo mínimo. Brás se acha grosseiro “... a simples possibilidade de ser coxa era bastante para não perguntar nada”, assim ele a inferioriza.
“Bem aventurados os que não descem” é o nome do último capítulo deste “romance” envolvendo Brás Cubas e Eugênia. Aqui, Brás começa o capítulo já vendo o defeito de Eugênia em proporções bem maiores: “O pior é que era coxa”, fala de sua beleza e contrasta-a com seu defeito, o de ser coxa. Em seguida, Brás diz: “Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?”. Esta colocação de Brás nos lembra outra de dois capítulos antes: “– Também, por que diabo era ela azul?”, que estava se referindo à borboleta preta. Brás ainda acrescenta que “O melhor que há, quando não se resolve um enigma, é sacudi-lo pela janela fora; foi o que fiz, lancei mão de uma toalha e enxotei essa outra borboleta preta, que me adejava no cérebro”.
Como vimos, Brás Cubas se interessa por Eugênia por ela ser bonita, jovem e descomprometida. Ela seria uma esposa perfeita para ele, não era casada como Virgília, mas, quando Brás percebe que ela é coxa, mesmo sendo pouco, ele começa a impor barreiras para este relacionamento, pois, na verdade, não havia nada de errado nas oportunidades a ele apresentadas no decorrer de toda a obra. Brás sempre impõe resistência a tudo, até às coisas de seu interesse.
Vejamos agora a obra Triste Fim de Policarpo Quaresma que, por ser uma obra mais simples de se tratar e mais unitária, diferentemente de Memórias Póstumas de Brás Cubas, que é uma obra mais complexa e mais fragmentada, será tratada como um todo.
Policarpo Quaresma é caracterizado, como foi dito no início deste texto, por não conseguir realizar aquilo que deseja, a começar por seu apelido “major Quaresma”, que surge quando ele tenta fazer parte do exército, mas não obtém sucesso, o mais próximo disso que ele consegue é trabalhar como subsecretário do Arsenal de Guerra. Como pretende ser um homem extremamente nacionalista, já no começo do livro, para tocar modinhas, Quaresma tenta aprender a tocar violão, um instrumento mal visto pela sociedade, mas, segundo ele, cem por cento nacional, a música essencialmente brasileira. Policarpo fracassa nesta empreitada por não se adequar aos padrões da sociedade.
O próximo objetivo de Quaresma é estudar a língua e os costumes dos índios, “os verdadeiros brasileiros”. Ele passa a adotar seus comportamentos, tanto que redige um requerimento pedindo que o tupi fosse instituída língua nacional. Quaresma estava tão envolvido com esta ideia do tupi que, ao ser encarregado de passar a limpo um ofício sobre Mato Grosso que continha palavras nesta língua, por descuido, acabou traduzindo todo o documento para o tupi. O diretor assinou sem ler e o documento acabou no ministério. Em consequência de tais fatos, Quaresma vai parar num hospício, novamente por não se adequar aos padrões da sociedade.
Dado como curado, Policarpo sai do hospício e vai morar no campo. Como não obteve sucesso com o tupi e a modinha de viola, Quaresma passa a outra tentativa de exercer seu nacionalismo, cultivar a terra. Por acreditar que nossas terras são as mais ricas do mundo e, por isso, não precisarem de adubos e agrotóxicos, o que ele havia lido em alguns dos milhares de livros que já lera. Acabou por ter suas terras atacadas por pragas, as formigas. Primeiramente, as formigas o atacam, picam seu pé, depois atacam toda a sua plantação, obrigando-o a roçar toda ela novamente. Aqui observamos outra consequência de não se adequar aos padrões.
Em certo momento, Quaresma é convidado a fazer parte da política local e, por não aceitar, é alvo de perseguições por parte das lideranças políticas locais, que caem sobre ele como as formigas sobre sua plantação: os políticos locais, primeiramente, fazem pressão psicológica em Quaresma, depois o obrigam a roçar uma área em volta de suas terras, como uma forma de punição, o que nos lembra o que aconteceu com as formigas. Mais uma vez Quaresma não se adéqua aos padrões.
A próxima tentativa de Policarpo para exercer seu nacionalismo é se apresentar como voluntário para lutar na guerra, onde foi feito major por conveniência, já que já era conhecido por todos como major. Na guerra, estuda livros sobre armamentos, artilharia etc, mas não encontra aplicação para estes estudos de guerra, todos utilizavam tais artifícios mesmo sem saber, não se preocupavam se era certo ou errado.
Quaresma se revolta com a maneira com a qual os presos são escolhidos aleatoriamente para ser executados, por isso ele é preso e condenado à morte. Mais uma vez, Quaresma, por não se adequar aos padrões, sofre as consequências.
Neste ponto do livro, o final, Ricardo e Olga parecem “roçar em meio às formigas”. Procuram todas as pessoas influentes, mas todos se negam a libertar Quaresma, até mesmo os que eram seus conhecidos, às vezes até com o único intuito de não serem vistos como amigos dele, o que poderia “sujar” suas reputações.
Em Policarpo Quaresma vemos um personagem que, ao contrário de Brás Cubas, quer simplificar tudo, só procura se envolver em coisas simples, mas acaba sempre encontrando resistência das outras pessoas.

3 comentários:

Edson Basilio disse...

Remexendo textos antigos da faculdade encontrei esta velha resenha perdida e resolvi postar.
Trata-se de uma comparação das metáforas utilizando animais nas obras Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.
Sei que não é o que normalmente posto aqui, mas fica de bônus pelo longo tempo que não postarei.

Lohan Lage Pignone disse...

Edson, e o mistério que não quer calar! Quem é o seu amigo secreto?? Você chegou a receber o email dizendo a respeito?
Abraços!

Edson Basilio disse...

Não. Não recebi nenhum e-mail a respeito.