quinta-feira, 8 de julho de 2010
Laura Fygi - HOW INSENSITIVE (amazing performance !!!)
"Se eu tivesse, se eu tivesse muitos vícios
O meu nome seria Vinicius
Se esses vícios fossem muito imorais
Eu seria o Vinicius de Moraes".
(Julius Feldman)
Amanhã se vão 29 anos sem a luz de Vinicius.
Mas eu tive a honra de pertencer a uma geração que o conheceu.
Então vou iniciar uma homenagem que não termina hoje.
À benção, Vinicius...
Para aqueles que apreciam música de boa qualidade, eu quero contar uma histórinha.
Quando eu tinha 12 aninhos, eu estava iniciando o meu Big Bang intelectual.
Ávida por beleza, por experimentar o êxtase do que eu imaginava ser uma grande paixão eterna.
Ávida por tudo o que fazia meu coração quase parar de bater, de tanto bater;
Ávida por tudo o que me silenciava a voz mental;
ávida por tudo que me fazia chorar de alegria, emoção ou tristeza;
por tudo que significasse oxigênio ou fonte de vida dentro de mim.
A música, assim como a literatura,
eram dois polos de encaixe perfeito
que davam sentido
ao fato de'eu existir
sem querer saber exatamente a razão.
E assim, pude sentir aos doze anos,
a dor insuportável de se perder alguém precioso,
parte do nosso cerne,
parente por escolha,
sanguíneo por identificação.
Jamais esquecerei do dia em que Vinicius de Moraes morreu,
9 de julho de 1980.
Jamais esquecerei das lágrimas sentidas,
verdadeiramente reais e sofridas
pela perda de um ente tão querido: meu amigo, confidente,
o tradutor do que já estava escrito dentro de mim,
do que nunca havia escrito...
Aquele senhor boêmio, contemporâneo, porra louca, mulherengo e incrivelmente artístico, lírico, poético...
um símbolo do que ansiamos poder transmitir diariamente, ininterruptamente-
seu savoir faire - seu savoir de vivre -
Seu saber dar valor aos momentos gostosos e efêmeros da vida,
sempre com gosto de sol, de mar, de ar puro, de sedução,
de pés descalços que sobem num pé de ameixa para chupar a fruta fresca,
arrancada do galho, sem importar-se com falsas convenções.
Um ser de luz livre e boêmio.
Um ser que parecia nunca se perturbar pela futilidade das aparências vazias.
Mas que no fundo, teve que superar as rígidas culpas cristãs
que habitavam seu subconsciente.
Eu adorava ouvir e descobrir seus talentos:
suas parcerias de amizade e composição,
seu despojamento diante da matéria,
sua falta de vaidade e auto-importância,
sua enorme ousadia em transgredir a linha divisória entre o "politicamente correto" na oratória
e o "politicamente incorreto" nas atitudes que deixavam a burguesia hipócrita de cabelos em pé.
Eu ouvia tudo: Canto de Ossanha, Morena flor, Testamento, Samba da canção, Turbilhão, Chega de saudade, Tarde em Itapuã, Insensatez...
E tudo tudo tudo e tudo me satisfazia, me encantava, me deixava febril de paixão!
Eu lia tudo: Enjoadinho, Soneto de separação, A Bomba de Hiroshima, Ariana, a mulher...
Aliás, imaginava ser eu mesma esta musa enigmática, o amor romântico, semelhante à morte.
"Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi
que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que fostes realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade".
Algumas canções me injetavam alegria, esperança, motivação.
Alguns poemas me deixavam reflexiva, inspirada a tentar rabiscar as primeiras linhas.
E outros me deixavam assim, entorpecida de dor, de raiva, de tristeza, de solidão...
meus ídolos musicais e literários eram minha terapia sem divã.
Uma das músicas dele que mais me marcaram foi "O velho e a flor",
que inclusive, já postei no meu blog.
Por uma incrível coincidência, havia um menino no colégio que também se chamava Vinicius
e que se tornou um grande amigo meu,
justamente por partilharmos estas descobertas, por termos os mesmos gostos
e por sentirmos tudo exageradamente poético,
intencionalmente catastrófico e dramático,
como qualquer adolescente normal em busca de respostas às suas ânsias.
O irmão dele, que era um daqueles gatinhos entre os mais populares do colégio
sofreu um acidente no trânsito (agora não me recordo se foi moto ou carro),
mas foi algo bem traumático, por ter sido um acidente fatal e desnecessário (jovens pilotos de Fórmula 1 no trânsito),por terem três ou quatro mortos e por ser justamente ele, o Aranha, irmão do Vinicius,
quem estava entre os que faleceram.
No dia do enterro, a escola em peso compareceu em homenagem a eles,
numa demostração de toda a sua consternação
pela perda do símbolo de esperança no futuro
que os jovens sempre carregam dentro de si.
Fui abraçada ao meu amigo até a sua casa.
Foi a primeira e única vez em que lá estive.
E não me recordo mais de nenhum outro momento com ele após este dia.
Agora não sei o que se passou: se estávamos entrando de férias,
se eu troquei de colégio no ano seguinte e por isso perdemos o contato;
se ele e sua família se mudaram (o que de qualquer maneira ocorreu, pois nunca mais o vi na cidade, o que na época era quase impossível, já que Friburgo ainda era uma cidade pequena).
Mas me marcou o fato de Vinícius, ao se consolar no meu abraço de ternura,
aproveitar-se de um momento tão doloroso e intenso
para se declarar a mim e me dar de presente um disco que pertencia ao seu irmão
(um dos seus favoritos)
e que ele gostaria que ficasse comigo como recordação.
Era um disco de vinil, do Chico Buarque (outra paixão comum) que guardo até hoje.
Neste ambiente de tristeza, incredulidade, revelações e carinho
trocamos um único beijo e ele resolveu colocar na sua vitrola essa canção, "O velho e a flor" para eu ouvir.
Era novidade para ele também. Mas logo relacionou a música ao que sentia por mim.
Uma canção não muito conhecida ou comercializada nas rádios.
Me encantei de imediato pelo poema:
"Por terra e mares eu andei
vi um poeta e vi um rei
na esperança de saber o que é o amor.
Ninguém sabia me dizer,
eu já queria até morrer,
quando um velhinho com uma flor assim falou:
(Agora na voz de Toquinho)
O amor é o carinho...
É o espinho que não
se vê em cada flor.
É a vida quando
chega sangrando
aberta em pétalas de amor."
Tu tu tu... tu tu tu... tu tu tu...
Algumas canções nos marcam por as associarmos com alguma lembrança que se materializa através da memória fotográfica.
Outras nos marcam por estarem associadas a algum momento de emoção intensa
vivenciadas por uma experiência surpreendente ou extremamente desejada.
E outras, parecem que já nasceram arraigadas no nosso DNA
e nem sabemos ao certo o motivo para que nos emocionem tanto.
A trilha sonora de Vinicius sempre acompanhou a trajetória dos meus passos nesta estrada terrena.
Por isso é difícil dizer qual é a mais importante.
Contei esta histórinha porque uma das várias canções e poesias do Vinicius que me comovem intensamente
é a que resolvi postar no blog para homenageá-lo em mais um aniversário sem sua presença criadora e irresístivelmente carismática.
Para mostrar que o que tem qualidade e sentimento
pode ser executado em qualquer língua,
atravessar fronteiras de tempo e espaço
superar obstáculos de comunicação,
tornar-se um clássico que atravessa gerações
e concretizam a universalidade da música e da arte,
sentidas em qualquer meio, através da alma e do coração.
Esta canção, "Insensatez", eu ouvi pela primeira vez
na voz do próprio poetinha em parceria de solo
com Toquinho e seu violão mágico.
Ela entranhou nas minhas vísceras,
me causou um descontrolado impulso de abrir as vestes
que cobrem a minha alma sentimental e tão tristonha,
que jamais consigo ouvi-la sem conter as lágrimas,
sem conter os batimentos cardíacos
que se aceleram num ritmo quase sufocante;
em que meus olhos estranhamente ardem e se turvam,
em que nós se fecham dentro e em torno da minha garganta,
em que sinto tamanho desgaste físico e emocional,
como se eu pudesse viver novamente
toda a dor causada pelas perdas que nunca tive
por todas que tive e por todas as que terei...
Mas ela me fascina, me encanta, me prende, me cala, me explode o coração...
e quando ouvi pela primeira vez esta versão em inglês na voz suave de Laura Fygi,
escolhida como uma das faixas da trilha sonora
da maravilhosa novela de Manoel Carlos, "Laços de Família",
simplesmente entrei num transe catársico.
A maciez aveludada de sua voz doce,
a sutileza dos acordes e instrumentos que se encaixam
tais como a brisa que de encontro ao mar
formam pequeninas ondas que beijam a areia quase que silenciosamente...
me emudecem, me embalam, me inundam...
e só posso dizer, ser uma das mais belas interpretações que já ouvi e mergulhei...
A interpretação sentida, emotiva, diafragmal,
nos transporta sem que sequer possamos nos defender de tal hipnose.
Só nos damos conta de que voltamos à Terra
quando a canção termina com um final.
Redundância? Ouçam e me digam.
Fechem os olhos e sintam...
Vinicius deve sorrir lá do alto e nos brinda aqui embaixo
por saber que aqueles que interpretam suas canções
são uma manifestação gloriosa de uma energia suprema,
que alguns chamam de Deus, outros de Oxalá,
não importa...
do que deve ser o Jardim do Éden, o Nirvana...
anjos revestidos de carne e osso
que vieram com a missão de nos encantar.
Saravá, meu pai, meu conselheiro, meu amante.
Por toda a minha vida eu vou te amar.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
Andrea, pqp, vc manda muito bem!!!!!!!!
Vinícius será a trinha desse meu final de semana... Vc me inspirou totalmente!!!!!!!
Bjocas!!!!!!!!!!!!!!!
Andrea, estou encantado com tal declaração de amor a Vinicius. Sim, é uma declaração de amor.
Uma vez vc me elogiou, a respeito de um estudo que fiz a respeito dos sonetos de Vinicius, mas não se compara ao que vc fez, não mesmo. Vc se despojou de tudo que não importa à alma, e se entregou em cada palavra. Esse texto está... Fantástico.
E essa música, muito boa mesmo.
Bjão, parabéns de pé.
Saravá, Andrea, por nos presentear com tanta beleza e poesia!
Se ele tivesse te conhecido, teria te amado também!
Menina!!! Que texto é esse??! Que homenagem! Quanta beleza. Ele, se estivesse vivo, ficaria encantado com tamanho amor.
Bjs!
PARABÉNS !
Lindo e emocionante texto !
Grande Vinícius, grande Andrea !!!
Bjs no seu coração "menina" ...
Postar um comentário