De tão frágil que fora a vida inteira, estava determinada a proteger o restinho de si que ainda amava. E esforçou-se até achar uma armadura que lhe caísse bem. Um casco de ferro para envolver seu coração de carne que já tinha sangrado várias vezes, e que agora ela queria curar dos golpes. Um casco de aço envigado pra bloquear os palpites fora de hora. Um cofre pesado, pra guardar os segredos e medos, sem chances de levitar. Sob medida, sem alardes.
Até que se realizou por achar uma armadura do seu calibre. Do tamanho ideal para envolver um coração que ainda bate. Do tipo que sendo fraco, dá sinais de que há vida pra proteger. E justo ela, que costumava se culpar pelas promessas não cumpridas, respirava com alívio por não ter entregado o coração que prometera. Por um triz.
Perdeu a graça e revestiu-se de ferro. E acaçapou os trejeitos de menina leve. Fez-se de forte, suportando o volume da indumentária que se somava ao peso que acumulava em teus ombros. E agora, com a nova vestimenta, já não se curvava e não se permitia olhar qualquer coisa que não estivesse à altura. E resistia sempre que precisasse recorrer à elasticidade do coração alheio para polir seu casco de aço. E tornara-se mulher de fibra e metal oxidado. Com ferrugens carcomendo envergaduras, e sobrepondo-se nos recantos gastos pra preencher os espaços vazios que davam chances do coração levitar. Aquele coração só precisava bater. Qualquer levitação era um risco de ser golpeado de novo.
Não podia levar a vida se corroendo por dentro, se desgastando. Precisava de óleo nas dobradiças para proteger-se dos arranhões que se abriram com tantos atritos. E, ‘vezenquando’, enfrentava o orgulho, para limpar as peças, imunizar-se das impurezas corrosivas, pintar o casco e arrochar os parafusos. Preservava a vida útil daquela armadura porque na verdade, não sabia ao certo até quando usaria aquilo, mas, talvez, por gosto, ou desgosto, nunca mais preferisse outra vestimenta.
Trancafiada naquela veste, vivia desde então numa luta diária. Armada o tempo todo. Fria. Dura por fora e por dentro. Blindando-se de qualquer golpe. Sendo escudo de si. E de tanto proteger-se passou a enxergar ameaça em qualquer aproximação. E se manteve a postos. À espreita de qualquer suspeito imantado que ousasse destrancar aquele coração ferido para sangrá-lo ainda mais.
E Junto ao peito de ferro estavam todas as lembranças. Numa caixa preta. Que não seria aberta, a não ser depois de qualquer desastre ou amadurecimento inevitável.
As razões que a fizeram daquele jeito não eram tão nobres quanto o seu objetivo. Estava assim pelo medo e pela covardia, é verdade. Mas foi um tantinho minguado de amor-próprio que a fez querer mudar, e ficar forte.
No fundo, ela nunca quis que isso fosse mérito reconhecido, ou exemplo para os outros corações abatidos. Ela não tinha pinta de heroína. Era do avesso. Tanto que acreditou na força da gravidade, e preferiu os pés no chão em vez de capa voadora.
Continuava vestida. Pícara revestida.
E mesmo assim se achava tão frágil...
E eu penso: Só mesmo quem tem a ‘tal’ da força interior consegue usar uma armadura dessas por tanto tempo.
Ivanúcia Lopes
Texto publicado no Aspirinas e Urubus
Um comentário:
Oi, Ivanúcia, lendo sobre sua mulher de aço, lembrei do meu homem de fibra de vidro:
Pra vc ler: http://purolandoni.blogspot.com/2009/06/odio.html
Grande abraço!
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