Olá amigos!
Perdoem pelo atraso na postagem de hoje. Espero poder recompensá-los com este texto que vem mexendo muito comigo conforme eu o redijo. Um texto para ser lido e refletido a cada palavra, a cada diálogo. É só uma dica do autor! rs
Devido à extensão da estória, resolvi dividí-la em duas partes. Hoje vocês lerão a primeira parte do conto: "O homem que queria ser outro". Só para dar uma prévia do que será lido a seguir, deixo aqui uma frase a qual resume bem o assunto que resolvi tratar. É uma frase de Zuenir Ventura, grande jornalista e escritor brasileiro. Diz assim: "Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é querer que o outro não tenha."
Na semana que vem, darei continuidade ao mesmo texto, finalizando-o. Felicidades a todos e tenham uma boa leitura! (Lohan L. Pignone)
O homem é um bicho de uma cabeça com mais de sete mil cabeças dentro da única cabeça. O homem pode ser qualquer homem, a hora que bem entender. O homem, em certo ponto, chega a ser ele próprio, sem saber.
E assim era a rotina de um homem chamado Euclides dos Santos. Na tentativa de ser outro, ele fundamentava sua própria identidade. Mas ele não percebia esse fato. Ele se olhava no espelho e não conseguia se enxergar. Ou não queria...
O homem a que me refiro cursa Jornalismo, na Puc, Rio de Janeiro. Boa pinta, jeito de galã hollywoodiano dos anos cinqüenta. Olhar marcante e intimidador. Olhar de um ser epilético, não obstante a vigorosa saúde, física e mental, de quem viveu somente vinte e cinco anos incompletos.
Já havia cursado Letras, e feito tudo quanto é curso profissionalizante. Mas ainda sim, vorazmente, Euclides instava em enveredar-se em novas aventuras. Identificava-se muito com o Juca Kfouri, e não a toa tinha em mente ser jornalista esportivo. E assim ele ia sendo, tentando ser alguém que julgasse superior a ele. Ou por admiração, ou pelo simples prazer do desafio em superar aquele que alçara patamares mais elevados que o seu.
E foi lá mesmo, na universidade, que conheceu seu “próximo eu”. Chamava-se Ariano Bezerra, um jovem intelectual seis anos mais novo que Euclides.
Um garoto, por assim dizer, de óculos fincado no centro do nariz, cabelos pretos bem penteados, barba por fazer, físico desleixado. Tinha a coluna ligeiramente inclinada para frente e um andar bastante singular, como quem pensa tanto em cada passo a ser dado que acaba tornando uma atitude natural, que é caminhar, uma dança sem ritmo, desarmônica, repleta de tropeços e pisões no pé. No próprio pé.
Mas, ao contrário do que supostamente estão pensando, Ariano não pode ser encaixado no hall dos estereótipos nerds totalmente “es”: esquisitos, estranhos, especiais.
O moço tinha lá sua simpatia, que por sinal, contagiava um bom contingente de pessoas. Não era “o sério”. Somente ria nas horas certas. Inspirava-se sempre em Victor Hugo, que já dizia: “o riso habitual é insosso e o riso constante é insano”. E o que é certo Ariano entende melhor do que ninguém. Era raro encontrar falhas em seu caráter ou educação. Chegava a soar hipócrita às vezes; como pode existir um ser assim na face Terra?
Talvez certos homens pensem assim, pois não conseguem, por mais que tentem, lutem, ser um ser de alma divinal. Pois a poeira da falsidade e da inveja encobre suas vistas, tal como a intensa poluição escurece o céu de muitas cidades dantes iluminadas e purificadas pela força da Natureza.
Euclides e Ariano cursavam juntos o Jornalismo. Ingressaram juntos, e logo no primeiro dia, trocaram olhares de quem ainda, uma hora, irão se falar. E não foi diferente. No fim do segundo dia de aula, se cumprimentaram. Euclides queria elogiar Ariano por um comentário inteligente que fizera, na primeira aula. “Como não pude pensar nisso, cara...”, disse Euclides a Ariano. “Tem pessoas que podem mais que as outras...”, salientou Ariano, irônico ou não.
No fim da primeira semana já sentavam perto um do outro. Na segunda já trocavam cadernos, e informações. Deu-se por encerrado o primeiro mês, e lá estavam eles, estudando juntos na biblioteca, conforme haviam marcado. Ariano comentou com Euclides sobre seu emprego. Redigia em um jornal de renome estadual, todas as terças-feiras. Euclides custou se livrar da pasmaceira que o acometera. Não podia acreditar naquela informação, a principio. Só acreditou quando, na manhã seguinte, que coincidia ser terça, mal acordou e foi direto à banca de jornal mais próxima de sua casa. Folheou as páginas do jornal, afoito, em busca da coluna do garoto prodígio. Quando seus olhos epiléticos se depararam com tal coluna, em destaque na página seis do jornal, sentiu uma pontada de alguma coisa no peito. Mas não sabia decifrar que mal súbito era aquele. Fechou o jornal no mesmo instante, e o enfiou debaixo do braço direito, voltando para casa, aéreo.
Naquela noite, já na universidade, Euclides elogiou o talento daquele que já chamava de amigo.
Amigo... Um mês é suficiente para se firmar uma relação que possamos denominar amizade? Talvez sim. Por que não? Mas, um outro vem me dizer aqui que não, isso é impossível. Nos dias de hoje, não se pode se precipitar com mais nada, sobretudo confundir afinidade com amizade. Mas... Espere, para se criar um vínculo que por ventura venha se chamar amizade, é preciso se manter conhecendo um ao outro, identificar as afinidades, os comportamentos. Então isso ainda não seria uma amizade. Vamos chamá-la de pré-amizade. Neste caso, a pré-amizade não existiu.
Amigos, Ariano e Euclides começaram a trocar informações mais confidenciais um com o outro. Euclides convidou Ariano para ir a sua casa jantar, qualquer dia desses, disse ele. E num dia desses, Ariano foi. Euclides habitava em um apartamento de luxo com os pais e a avó, já bem macróbia. Fazia Ariano sentir-se bem à vontade, o tempo todo. Até a posição das almofadas em que Ariano se recostava no sofá da sala era motivo para atenção. Comiam, todos à mesa. Durante a conversa, a Dona Hilda, avó de Euclides, soltou um comentário que causou lisonja em Ariano:
-Você conversa muito bem, rapazinho. Está no curso certo. Serás um jornalista e tanto.
-Obrigado, senhora.
-Vó, ele já trabalha em uma redação jornalística. Por isso é safo desse jeito... – Disse Euclides, vermelho que nem tomate.
Euclides levou Ariano para conhecer seu quarto. Era imenso, repleto de móveis de madeira de primeira qualidade. Havia uma estante lotada de livros, dos mais variados tipos.
-Já li quase todos, disse Euclides, apontando para a estante.
-Que legal... Já leu até Paulo Coelho? – Indagou Ariano, aproximando-se da estante com curiosidade, o olhar atento nos títulos.
-Não, esses aí estão para enfeite. Não prestam. Paulo Coelho não é literatura.
-Como pode relegar um autor a um simples posto de enfeite em sua estante? Se nunca o leu, jamais pode dizer uma coisa dessas. Precisa lê-lo para ter base em seus argumentos.
-Nem precisa, meu melhor professor de Literatura já dizia, “Paulo Coelho não é literatura”. Você acha que eu devia ou devo discordar de um homem com a titulação que tinha o meu professor de Literatura?
-Você precisa começar a criar suas próprias opiniões. É o que acho. Afinal, está estudando para ser Jornalista. E não “Maria vai com as outras”.
-Admiro você, um cara tão inteligente, gostar desse autor.
-Eu que o admiro. Uma pessoa também tão inteligente e não ser capaz de produzir opinião própria.
-Ah, vamos esquecer isso, não acha? Olha o pôster que tenho aqui, na porta do meu guarda-roupa.
Euclides abriu uma das portas do seu magnífico guarda-roupa.
-Minha mãe me recrimina por ter um pôster desses no guarda-roupa. Olha que gostosa, cara!
Era um pôster da Juliana Paes só de calcinha e sutiã.
-É, ela é bem linda mesmo...
-Ariano, você já teve namorada?
-Não, nunca tive. Por que essa pergunta agora?
-Você podia ter mentido, cara. – Disse, com ar de sorriso – Eu teria vergonha de dizer isso, quando tinha sua idade.
-Pra que mentir sobre isso? Só tenho dezenove anos. Existe alguma cláusula na lei que rege a sociedade que devemos namorar antes dos vinte?
-Não, amigo, olha, desculpe se te aborreci com isso. É que na sua idade, eu e meus amigos gozávamos muito um com a cara do outro, com essas bobagens de mulher. Mas me conta, o coração não ta batendo mais forte ultimamente não?
-Só se for de stress, devido o tempo corrido... – Esquivou-se.
Euclides sorriu.
-Vamos, deixe de tolice. Me conta. Afinal, somos ou não amigos? Aquela vez te contei daquela menina da faculdade!
-Ta... Eu to apaixonado por uma colega de trabalho. Ela começou a trabalhar num departamento ao lado do meu, há dois meses. Ela é... Excepcional.
-Excepcional em que sentido? Escultural, de caráter, inteligência, o que?
-Em todos os sentidos.
-Ah, claro. Quando se está apaixonado, se ama até os defeitos da pessoa. Me esqueci desse detalhe...
-Mas não é efeito da paixão. Ela é assim mesmo.
-Mas e ai? Não vai se declarar pra ela?
-Já fiz isso... Ela fez jogo duro. Você me acha feio, Euclides?
-Cara, eu não sou de achar homem bonito... Mas você não é feio.
-Você não disse que sou bonito.
-Eu disse que não sou de achar homem bonito, se esqueceu?
-Ah, esquece...
-Mas ela não devia olhar apenas sua beleza física. Onde fica você, sua integridade?
-As mulheres só observam isso quando estão apaixonadas. Mas pra se apaixonarem, observam primeiro a beleza externa.
-Você não merece ser rejeitado por mulher nenhuma. Sou seu fã, e você sabe disso.
-Obrigado... Mas e quanto a você?
-Eu me separei, recentemente. Namorei por quatro anos.
-O que aconteceu?
-Sei lá, coisas da cabeça dela. Ela é tão louca que, no dia em que terminamos, ela teve a coragem de me dizer, na minha cara, que não me conhece.
-E alguém conhece alguém?
-Como?
-Nunca parou para pensar nisso? As pessoas dizem o tempo todo que conhecem as outras. Mas não estaríamos todos enganados?
-Cara, namoramos por quatro anos! Eu sabia tudo sobre ela, e vice-versa. Ela tinha é outro, não duvido nada. Inventou esse pretexto. Mas não ligo. Eu sou mais eu.
Ariano olhou para Euclides com estranheza. Naquele momento, teve vontade de dizer que não o conhecia. Já sabia que não o conhecia, mas nunca tinha sentido vontade de falar isso com ele. Repensou os critérios da amizade. “Se não o conheço, como posso creditá-lo como sendo meu amigo? Mas... Se ninguém conhece ninguém, então, dessa forma, ninguém seria amigo de ninguém. Isto é, o melhor a fazer é esquecer isso”.
E continuaram sendo amigos. Uma semana depois, no intervalo de uma das aulas, Euclides disse a Ariano:
-Não imagina o quanto sonho em escrever crônicas esportivas para um jornal que nem o que você trabalha.
-Desde quando sonha com esse sonho? – Disse Ariano, sempre com seu jeitão filosófico de ser.
-Sei lá, cara... A gente sonha um sonho novo todo dia.
-Quando estiver escrevendo suas crônicas esportivas, vai sonhar em ser galã da novela das oito? – Gracejou.
Euclides quase o engoliu com seu olhar de epilético.
-O que está insinuando?
-Nada, ora. Só to reforçando o que você disse. Cada dia sonhamos com um sonho...
Euclides sorriu, pacífico. Mas no fundo sabia da capciosidade de Ariano. Só que naquele momento, não podia alongar aquela discussão enfadonha...
Dois dias depois, Ariano noticiou a Euclides que ele estava contratado pelo jornal.
-Você só pode estar brincando, Ariano!
-Eu intercedi por você. Sei que é capaz, tem cacife pra exercer um ótimo trabalho. Vão apostar em você, Euclides. Não os decepcione.
-Cara... Você é mais que um amigo. É um irmão.
E se abraçaram.
Em casa, no silêncio da noite, Ariano refletiu sobre aquele dizer emocionado de Euclides. “Você é mais que um amigo”. Agora a amizade já se estendia para o campo da fraternidade. O imediatismo com que as coisas iam se sucedendo assustava um pouco a Ariano. Mas, dentro da ingenuidade que ainda cabia em meio a tanta astúcia naquela mente jovial, Ariano optava por esquecer essas “cismas”. Passava a ver Euclides como um irmão, de fato. O irmão que não tinha...
(CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...)
Perdoem pelo atraso na postagem de hoje. Espero poder recompensá-los com este texto que vem mexendo muito comigo conforme eu o redijo. Um texto para ser lido e refletido a cada palavra, a cada diálogo. É só uma dica do autor! rs
Devido à extensão da estória, resolvi dividí-la em duas partes. Hoje vocês lerão a primeira parte do conto: "O homem que queria ser outro". Só para dar uma prévia do que será lido a seguir, deixo aqui uma frase a qual resume bem o assunto que resolvi tratar. É uma frase de Zuenir Ventura, grande jornalista e escritor brasileiro. Diz assim: "Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é querer que o outro não tenha."
Na semana que vem, darei continuidade ao mesmo texto, finalizando-o. Felicidades a todos e tenham uma boa leitura! (Lohan L. Pignone)
O homem é um bicho de uma cabeça com mais de sete mil cabeças dentro da única cabeça. O homem pode ser qualquer homem, a hora que bem entender. O homem, em certo ponto, chega a ser ele próprio, sem saber.
E assim era a rotina de um homem chamado Euclides dos Santos. Na tentativa de ser outro, ele fundamentava sua própria identidade. Mas ele não percebia esse fato. Ele se olhava no espelho e não conseguia se enxergar. Ou não queria...
O homem a que me refiro cursa Jornalismo, na Puc, Rio de Janeiro. Boa pinta, jeito de galã hollywoodiano dos anos cinqüenta. Olhar marcante e intimidador. Olhar de um ser epilético, não obstante a vigorosa saúde, física e mental, de quem viveu somente vinte e cinco anos incompletos.
Já havia cursado Letras, e feito tudo quanto é curso profissionalizante. Mas ainda sim, vorazmente, Euclides instava em enveredar-se em novas aventuras. Identificava-se muito com o Juca Kfouri, e não a toa tinha em mente ser jornalista esportivo. E assim ele ia sendo, tentando ser alguém que julgasse superior a ele. Ou por admiração, ou pelo simples prazer do desafio em superar aquele que alçara patamares mais elevados que o seu.
E foi lá mesmo, na universidade, que conheceu seu “próximo eu”. Chamava-se Ariano Bezerra, um jovem intelectual seis anos mais novo que Euclides.
Um garoto, por assim dizer, de óculos fincado no centro do nariz, cabelos pretos bem penteados, barba por fazer, físico desleixado. Tinha a coluna ligeiramente inclinada para frente e um andar bastante singular, como quem pensa tanto em cada passo a ser dado que acaba tornando uma atitude natural, que é caminhar, uma dança sem ritmo, desarmônica, repleta de tropeços e pisões no pé. No próprio pé.
Mas, ao contrário do que supostamente estão pensando, Ariano não pode ser encaixado no hall dos estereótipos nerds totalmente “es”: esquisitos, estranhos, especiais.
O moço tinha lá sua simpatia, que por sinal, contagiava um bom contingente de pessoas. Não era “o sério”. Somente ria nas horas certas. Inspirava-se sempre em Victor Hugo, que já dizia: “o riso habitual é insosso e o riso constante é insano”. E o que é certo Ariano entende melhor do que ninguém. Era raro encontrar falhas em seu caráter ou educação. Chegava a soar hipócrita às vezes; como pode existir um ser assim na face Terra?
Talvez certos homens pensem assim, pois não conseguem, por mais que tentem, lutem, ser um ser de alma divinal. Pois a poeira da falsidade e da inveja encobre suas vistas, tal como a intensa poluição escurece o céu de muitas cidades dantes iluminadas e purificadas pela força da Natureza.
Euclides e Ariano cursavam juntos o Jornalismo. Ingressaram juntos, e logo no primeiro dia, trocaram olhares de quem ainda, uma hora, irão se falar. E não foi diferente. No fim do segundo dia de aula, se cumprimentaram. Euclides queria elogiar Ariano por um comentário inteligente que fizera, na primeira aula. “Como não pude pensar nisso, cara...”, disse Euclides a Ariano. “Tem pessoas que podem mais que as outras...”, salientou Ariano, irônico ou não.
No fim da primeira semana já sentavam perto um do outro. Na segunda já trocavam cadernos, e informações. Deu-se por encerrado o primeiro mês, e lá estavam eles, estudando juntos na biblioteca, conforme haviam marcado. Ariano comentou com Euclides sobre seu emprego. Redigia em um jornal de renome estadual, todas as terças-feiras. Euclides custou se livrar da pasmaceira que o acometera. Não podia acreditar naquela informação, a principio. Só acreditou quando, na manhã seguinte, que coincidia ser terça, mal acordou e foi direto à banca de jornal mais próxima de sua casa. Folheou as páginas do jornal, afoito, em busca da coluna do garoto prodígio. Quando seus olhos epiléticos se depararam com tal coluna, em destaque na página seis do jornal, sentiu uma pontada de alguma coisa no peito. Mas não sabia decifrar que mal súbito era aquele. Fechou o jornal no mesmo instante, e o enfiou debaixo do braço direito, voltando para casa, aéreo.
Naquela noite, já na universidade, Euclides elogiou o talento daquele que já chamava de amigo.
Amigo... Um mês é suficiente para se firmar uma relação que possamos denominar amizade? Talvez sim. Por que não? Mas, um outro vem me dizer aqui que não, isso é impossível. Nos dias de hoje, não se pode se precipitar com mais nada, sobretudo confundir afinidade com amizade. Mas... Espere, para se criar um vínculo que por ventura venha se chamar amizade, é preciso se manter conhecendo um ao outro, identificar as afinidades, os comportamentos. Então isso ainda não seria uma amizade. Vamos chamá-la de pré-amizade. Neste caso, a pré-amizade não existiu.
Amigos, Ariano e Euclides começaram a trocar informações mais confidenciais um com o outro. Euclides convidou Ariano para ir a sua casa jantar, qualquer dia desses, disse ele. E num dia desses, Ariano foi. Euclides habitava em um apartamento de luxo com os pais e a avó, já bem macróbia. Fazia Ariano sentir-se bem à vontade, o tempo todo. Até a posição das almofadas em que Ariano se recostava no sofá da sala era motivo para atenção. Comiam, todos à mesa. Durante a conversa, a Dona Hilda, avó de Euclides, soltou um comentário que causou lisonja em Ariano:
-Você conversa muito bem, rapazinho. Está no curso certo. Serás um jornalista e tanto.
-Obrigado, senhora.
-Vó, ele já trabalha em uma redação jornalística. Por isso é safo desse jeito... – Disse Euclides, vermelho que nem tomate.
Euclides levou Ariano para conhecer seu quarto. Era imenso, repleto de móveis de madeira de primeira qualidade. Havia uma estante lotada de livros, dos mais variados tipos.
-Já li quase todos, disse Euclides, apontando para a estante.
-Que legal... Já leu até Paulo Coelho? – Indagou Ariano, aproximando-se da estante com curiosidade, o olhar atento nos títulos.
-Não, esses aí estão para enfeite. Não prestam. Paulo Coelho não é literatura.
-Como pode relegar um autor a um simples posto de enfeite em sua estante? Se nunca o leu, jamais pode dizer uma coisa dessas. Precisa lê-lo para ter base em seus argumentos.
-Nem precisa, meu melhor professor de Literatura já dizia, “Paulo Coelho não é literatura”. Você acha que eu devia ou devo discordar de um homem com a titulação que tinha o meu professor de Literatura?
-Você precisa começar a criar suas próprias opiniões. É o que acho. Afinal, está estudando para ser Jornalista. E não “Maria vai com as outras”.
-Admiro você, um cara tão inteligente, gostar desse autor.
-Eu que o admiro. Uma pessoa também tão inteligente e não ser capaz de produzir opinião própria.
-Ah, vamos esquecer isso, não acha? Olha o pôster que tenho aqui, na porta do meu guarda-roupa.
Euclides abriu uma das portas do seu magnífico guarda-roupa.
-Minha mãe me recrimina por ter um pôster desses no guarda-roupa. Olha que gostosa, cara!
Era um pôster da Juliana Paes só de calcinha e sutiã.
-É, ela é bem linda mesmo...
-Ariano, você já teve namorada?
-Não, nunca tive. Por que essa pergunta agora?
-Você podia ter mentido, cara. – Disse, com ar de sorriso – Eu teria vergonha de dizer isso, quando tinha sua idade.
-Pra que mentir sobre isso? Só tenho dezenove anos. Existe alguma cláusula na lei que rege a sociedade que devemos namorar antes dos vinte?
-Não, amigo, olha, desculpe se te aborreci com isso. É que na sua idade, eu e meus amigos gozávamos muito um com a cara do outro, com essas bobagens de mulher. Mas me conta, o coração não ta batendo mais forte ultimamente não?
-Só se for de stress, devido o tempo corrido... – Esquivou-se.
Euclides sorriu.
-Vamos, deixe de tolice. Me conta. Afinal, somos ou não amigos? Aquela vez te contei daquela menina da faculdade!
-Ta... Eu to apaixonado por uma colega de trabalho. Ela começou a trabalhar num departamento ao lado do meu, há dois meses. Ela é... Excepcional.
-Excepcional em que sentido? Escultural, de caráter, inteligência, o que?
-Em todos os sentidos.
-Ah, claro. Quando se está apaixonado, se ama até os defeitos da pessoa. Me esqueci desse detalhe...
-Mas não é efeito da paixão. Ela é assim mesmo.
-Mas e ai? Não vai se declarar pra ela?
-Já fiz isso... Ela fez jogo duro. Você me acha feio, Euclides?
-Cara, eu não sou de achar homem bonito... Mas você não é feio.
-Você não disse que sou bonito.
-Eu disse que não sou de achar homem bonito, se esqueceu?
-Ah, esquece...
-Mas ela não devia olhar apenas sua beleza física. Onde fica você, sua integridade?
-As mulheres só observam isso quando estão apaixonadas. Mas pra se apaixonarem, observam primeiro a beleza externa.
-Você não merece ser rejeitado por mulher nenhuma. Sou seu fã, e você sabe disso.
-Obrigado... Mas e quanto a você?
-Eu me separei, recentemente. Namorei por quatro anos.
-O que aconteceu?
-Sei lá, coisas da cabeça dela. Ela é tão louca que, no dia em que terminamos, ela teve a coragem de me dizer, na minha cara, que não me conhece.
-E alguém conhece alguém?
-Como?
-Nunca parou para pensar nisso? As pessoas dizem o tempo todo que conhecem as outras. Mas não estaríamos todos enganados?
-Cara, namoramos por quatro anos! Eu sabia tudo sobre ela, e vice-versa. Ela tinha é outro, não duvido nada. Inventou esse pretexto. Mas não ligo. Eu sou mais eu.
Ariano olhou para Euclides com estranheza. Naquele momento, teve vontade de dizer que não o conhecia. Já sabia que não o conhecia, mas nunca tinha sentido vontade de falar isso com ele. Repensou os critérios da amizade. “Se não o conheço, como posso creditá-lo como sendo meu amigo? Mas... Se ninguém conhece ninguém, então, dessa forma, ninguém seria amigo de ninguém. Isto é, o melhor a fazer é esquecer isso”.
E continuaram sendo amigos. Uma semana depois, no intervalo de uma das aulas, Euclides disse a Ariano:
-Não imagina o quanto sonho em escrever crônicas esportivas para um jornal que nem o que você trabalha.
-Desde quando sonha com esse sonho? – Disse Ariano, sempre com seu jeitão filosófico de ser.
-Sei lá, cara... A gente sonha um sonho novo todo dia.
-Quando estiver escrevendo suas crônicas esportivas, vai sonhar em ser galã da novela das oito? – Gracejou.
Euclides quase o engoliu com seu olhar de epilético.
-O que está insinuando?
-Nada, ora. Só to reforçando o que você disse. Cada dia sonhamos com um sonho...
Euclides sorriu, pacífico. Mas no fundo sabia da capciosidade de Ariano. Só que naquele momento, não podia alongar aquela discussão enfadonha...
Dois dias depois, Ariano noticiou a Euclides que ele estava contratado pelo jornal.
-Você só pode estar brincando, Ariano!
-Eu intercedi por você. Sei que é capaz, tem cacife pra exercer um ótimo trabalho. Vão apostar em você, Euclides. Não os decepcione.
-Cara... Você é mais que um amigo. É um irmão.
E se abraçaram.
Em casa, no silêncio da noite, Ariano refletiu sobre aquele dizer emocionado de Euclides. “Você é mais que um amigo”. Agora a amizade já se estendia para o campo da fraternidade. O imediatismo com que as coisas iam se sucedendo assustava um pouco a Ariano. Mas, dentro da ingenuidade que ainda cabia em meio a tanta astúcia naquela mente jovial, Ariano optava por esquecer essas “cismas”. Passava a ver Euclides como um irmão, de fato. O irmão que não tinha...
(CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...)
14 comentários:
Caro autor, um texto para ser apreciado em sua essência, deve provocar no leitor todo e /ou qualquer sentimento que não seja a indiferença, pois caso isto aconteça, podemos tomar o texto, como meras palavras amontoadas sem nenhum valor literário ou crítico ou o que quer que ele venha propor aos que o leem.
Seu texto despertou em mim a vontade de continuar a leitura, a curiosidade, a reflexão sobre o que vem a ser "caráter" e sentimentos antagônicos de empatia/antipatia, pelos personagens centrais do enredo. Ou seja: quero mais.
Se quiser, até me predisponho a ceder o meu dia de postagem para que dê continuidade a esta história cheia de rivalidade e a qual podemos até imaginar o desenrolar dos próximos fatos , mas nunca, o final.Pois você, como todo bom autor - criativo e versátil em suas narrativas, com certeza nos brindará com um final surpreendente e digno do aplauso que merece.
Caraca... Livro virtual! Mas adorei o começo... Aguardando anciosamente a proxima segunda =)
Lohan, cara... gostei demais do texto. Fui refletindo nas palavras, e me identifiquei em parte com essa história dos sonhos que mudam, e a gente não se conhece.
Mas estou ansioso para ver o final desse conto. Abraço!
Oi Lohan!!! Gostei muito do seu texto! Bastante instigante!!!! O Euclides, é um indivíduo, que nào se encontrou e nào se achou dentro dele mesmo, ou seja, uma crise de Identidade com ele mesmo.... e busca em outras pessoas , personagens q venham preencher esse vazio existencial q ele possui!!!Nesse caso, Ariano, é a sua "muleta"momentânea...q parece ser a salavaçào de sua personalidade inexistente...mas só parece...pq pessoas deste perfil....procuram incansavelmente...e nào encontram, e nunca se encontram.....
Oi, Amigo !!
Você agora me deixou muito curiosa e ansiosa. Já estou na expectativa da sua próxima postagem, principalmente a respeito desses “olhos epiléticos”. (rs)
Pois é, a inveja tem disso mesmo, ou você a domina ou então passará a ser um escravo. E, o que é pior , é viver com essa eterna sensação de inferioridade e gosto pela destruição da prazer alheio. Algo sádico mesmo. Diria dionisíaco: bêbados, mas não do vinho, e sim da sua própria bebida.
Bjs.
(*)
Este tema é bem difícil de se tratar... Admiro quem consiga tal proeza. A inveja é o sentimento mais torpe e poderoso que pode mover alguém. Quando encontra a soberba pode ficar ainda pior. Suas palavras dizem mais do que aquilo que se lê, porque expressam forte carga emocional. O leitor ultrapassa o limite da compreensão e atinge o limiar do sentir. Se alguém duvida, vamos aguardar os próximos capítulos...
Pior do q gente se decepcionar com os outros é se decepcionar com a gente mesmo.... É vc descobrir q além da inveja q te corrói por dentro, vc tb exterioriza uma infinita incapacidade percebia pelos demais... Deve ser doloroso não conseguir esconder a própria mediocridade da pessoa q gostariamos de ser... Deve dar vontade de se esconder, xingar e acusar os outros... Imagino q a história do Euclides e do Ariano tome esse rumo, né, amigo? Esse tipo de história se repete sempre... Mas certamente é mais agradável ler essas histórias qdo passam pelas mãos de um excelente e promissor escritor como vc é.Aproveite o seu dom, pois quem é bom, não precisa das trevas p/ BRILHAR, seu brilho se destava até dentro do sol. PARABÉNS!!
Muito instigante Lohan,estou aqui ansioso para saber este desfecho,embora desconfie de como termina,quero ver este final desenhado com as belas palavras de um "Brilhante"escritor.
Parabéns amigo e Vamos pra frente!!!!
Amigos e amigas, vcs não imaginam a minha grata surpresa qndo abri esse blog ontem, as dez e pouca da noite, e vi registrado SETE comentários! Eu que fiquei triste por ter postado tarde já, me surpreendi e fiquei tão feliz que deu até vontade de ''matar'' logo esse Euclides na história, rs, espalhar paz e felicidade a todos, and the end, rs.
Mas não... Muita água ainda vai rolar...
Quero agradecer particularmente minhas amigas Nuly, Ivelise e Simone (Si, olha o *! rs), que acompanham nosso blog, e claro, agradecer mto a força de todos. Ju, vc é demais mesmo! rs Mas não fale tnto assim se não vai achar que quero ser ''o purpurinado'', rs, e não é isso kkkkk to zuando...
Andrea, como sempre, um comentário de exuberancia ''titular''! Obrigado por ter oferecido sua quinta-feira! rs Mas deixa pra segunda msm, vc é a pessoa que torna algo de 'quinta' em primeira qualidade total!
Cassiane, que bom tê-la aqui novamente, vc que já se mostrou seguidora assídua do nosso blog, ficamos mto felizes qndo vc vem nos prestigiar com suas belas e sábias palavras.
Sidarta e John, rs, que legal saber que genios como vcs tbm apreciam meu trabalho, e isso é o que importa, galera. Amigos verdadeiros, crítica construtiva e embasada. Vcs são demais.
Grande abraço a todos e... Será que Ariano vencerá esta batalha surda??? Aguardem... hahaa.
Gostinho de quero mais!!!...
Mto legal e representa bem o ser humano em sua trajetória, sempre insatisfeito e querendo sempre ser mais. Nunca estamos conformados com o q somos, queremos sempre ser tudo menos o q de fato somos!
Karina, valeu pelo comentário, gostei das suas palavras! ''queremos sempre ser tudo, menos o que de fato somos''. Fiquei mto feliz tbm por ter acatado, sem problemas, as dicas que lhe dei. Assim se revelam as pessoas sensatas deste mundo, aberta a críticas construtivas, a reconhecer suas falhas e limitações, a saber que as vezes, uma palavra ou outra que seja um pouco ríspida é sinal de que naquela relação EXISTE a amizade, ou pelo menos a predisposição da mesma.
"Daqui pra frente... Tudo vai ser diferente...Vc tem que aprender a ser gente... O seu orgulho não vale nada!" (Essa vai de Roberto e Erasmo a muitos que se mostram o contrário de vc, Karina)
Bjs!
buabuabua, fiquei emocionada com sua palavras! rsrsrsrs
Bjão
Amei,Lohan. Gostinho de quero mais, o que teremos, com certeza, no próximo capítulo.
Venho te acompanhando e gostando demais.
Beijos
Parabéns Lohan, seu texto é exelente, quando eu achei esse site no google achei que era mais umas besteiras desses jovem de hoje em dia, mas gostei muito do seu texto. Vou continuar acessando esse site sempre que eu puder.
Parabéns novamente e abraços
Matheus
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