Meia noite e vinte cinco. Sinto seu chamado, seu perfume. Sussura em meus ouvidos a urgência do encontro. Subitamente tomo a decisão de sair pra rua. Visto um sobretudo preto por cima do microvestido de mesma cor, fecho os botões até a altura dos seios, deixando descaradamente à mostra parte substancial do meu colo. Calço sandálias altas, trançadas por finas tiras até a altura das panturrilhas, o que faço com delicadeza, para não estragar as unhas dos pés, pintadas ainda a pouco. Passo alguma maquiagem, nada além de um forte risco de lápis preto, um rímel para curvar os cílios e um batom cor de boca, apenas para dar algum brilho aos lábios naturalmente encarnados. Uma breve gota de perfume atrás das orelhas, na dobra dos cotovelos e joelhos, nada exagerado para não interferir no feromônio que minha pele exala.
Deixo a porta bater atrás de mim e saio pelo corredor do prédio, sem olhar pra trás, ouvindo a harmoniosa percurssão do salto da sandália com o chocalho de minha tornozeleira. Cumprimento brevemente o porteiro, que quase não me reconhece naqueles trajes, acostumado a ver apenas meu visual saia lápis, blusa comportada e óculos de grau, possivelmente demorou a absorver a cena que acabara de presenciar. Sigo decidida pelas calçadas. Não quero dirigir. Quero o frescor da noite, quero olhar de perto os personagens que o dia esconde e que só a escuridão pode revelar.
Continuo andando a esmo. Os sons da noite são variados, mas a cor é habitual, de um cinza escuro e denso. Como a aura dos nossos encontros. Rodopio dentro de minha mente, tentando imaginar a rota ideal para o desfecho da cálida noite. Quero encontrar o local exato, tenho faro pra isso e a direção do vento impulsiona a busca. Quero companhia, mas não aquela do dia a dia, dos colegas de trabalho. Quero ele, somente ele. Quero outro tipo de conversa, estou cansada de seminários e palestras, de dissertações dos catedráticos a respeito da Grécia antiga, da cultura clássica, dos mitos. O único comparativo capaz de despertar em mim algum interesse é a possibilidade de encontrar meu próprio deus. Metade Apolo, com seu arco e flecha, sua música, sua poesia, sua perfeição e a outra metade composta por uma desordem dionisíaca, imperfeita, lasciva, extasiante e enebriante. Quero esse ser, que me desafia a brincar de ser deusa, que me desperta os mais fortes sentimentos, sabendo da minha mortal fragilidade, aquele capaz de colocar em suspenso meu fôlego e capaz de devolvê-lo ao esboçar um simples sorriso.
Entro num bar de aspecto soturno, um tipo de lugar no qual jamais entrei. Para minha surpresa, gostei do ambiente, da iluminação rarefeita e da música, tocada ao piano. Sento-me cruzando as pernas, num gesto de feminilidade impensada e peço ao garçom que está diante de mim, uma dose de Chivas com bastante gelo. Ele anota o pedido e se dirige ao balcão, num andar meio atrapalhado e logo retorna, com um copo contendo a bebida e conforme eu pedi, muito, muito gelo. Mais que a bebida, eu queria o gelo. Não resisto a uma brincadeira com a ponta da língua nos tais cubos, são quase um vício, como se acaso tivessem eles algum sabor. Sorvi o líquido acastanhado do copo num só trago, para depois umedecer os lábios com a frescura dos cubos que me esfriavam também a língua. Mais que rapidamente pedi ao garçom que completasse novamente a dose e repeti o mesmo ritual ilógico.
Depois de inúmeros goles e gelos, me sopra ao ouvido uma voz grave e acalorada, arrepiando meu corpo da nuca ao cóccix. Sim, ele havia chegado. Não sei como se dá nossa sincronia, que sinais seguimos, que rastros deixamos pelo caminho, são fatos acima da minha compreensão, mas o importante é que sempre nos encontramos. Eu sigo uma espécie de intuição, mas na verdade sei que é ele que me encontra. Aceito o convite dito entredentes ao pé do ouvido. Nos olhamos fixamente nos olhos, castanhos claro e escuro, misturados numa espécie de luxúria que se mostra tremenda...
Saímos para a rua e num ápice estamos em uma espécie de jardim ou parque, rodeados somente por árvores e com o luar acompanhando e iluminando o caminho. Damos as mãos enquanto fitamos o céu por um minuto para, em seguida, eu começar a mimá-lo como merece. Encaixo-me entre suas coxas e brinco com sua língua tal qual com o cubo de gelo. O beijo salivante não mente e faz de nós dois, um só. Ele se despe das negras roupas e eu faço o mesmo. Nos entregamos ao acontecimento tão esperado e sempre tão perfeito, sem haver qualquer preocupação com o mundo que nos cerca. Os beijos são dados uns atrás dos outros. As bocas não param de se alimentar mutuamente das salivas trocadas e é díficil pensar na posterior separação. Sabemos que é verdadeiro, ainda que sem razão. Queremos a loucura do amor e do sexo ardente, da paixão. Nossas mãos passeiam corpos afora, por entre nucas e costas. As peles reconhecem-se, são as justas, as certas, indiscutivelmente criadas uma para a outra.
Ainda embalados pela perfeita entrega de corpos, fluidos e almas, temos nosso momento abruptamente interrompido por uma espécie de chamado, que eu não sou capaz de ouvir. Algo que o faz parar e ainda que lamentando, vestir-se e despedir-se sem explicações. Às vezes é assim que acontece. Ele me beija o canto do lábio, me olha com olhos marejados e parte, tornando-se etéreo simplesmente. Não sei de onde ele surge, como me encontra, para onde vai, o que faz depois de partir. Não sei se ele é mesmo um tipo de deus, se é um anjo sombrio, se é parte de mim ou se sou parte dele. Não sei sequer seu nome, que dirá endereço. Nada sei... Somente conheço seu perfume e ouço sua voz me chamar em noites inesperadas.
Volto para casa, cambaleante por entre árvores, postes, carros, pessoas... Passo pelo porteiro sem dizer palavra. Entro em casa com sandálias nas mãos, maquiagem desfeita, sobretudo aberto e marcas no corpo, vestígios que só o espelho sabe verdadeiros. Depois de refazer toda a sequencia mentalmente, começo a achar que enlouqueço e que minha mente perversa foi capaz de criar até mesmo as marcas. Talvez tenha sido a bebida... Todos os encontros podem não ter passado de fantasia criada pelo álcool... Cansada de confabular com meu inconsciente, adormeço...
Deixo a porta bater atrás de mim e saio pelo corredor do prédio, sem olhar pra trás, ouvindo a harmoniosa percurssão do salto da sandália com o chocalho de minha tornozeleira. Cumprimento brevemente o porteiro, que quase não me reconhece naqueles trajes, acostumado a ver apenas meu visual saia lápis, blusa comportada e óculos de grau, possivelmente demorou a absorver a cena que acabara de presenciar. Sigo decidida pelas calçadas. Não quero dirigir. Quero o frescor da noite, quero olhar de perto os personagens que o dia esconde e que só a escuridão pode revelar.
Continuo andando a esmo. Os sons da noite são variados, mas a cor é habitual, de um cinza escuro e denso. Como a aura dos nossos encontros. Rodopio dentro de minha mente, tentando imaginar a rota ideal para o desfecho da cálida noite. Quero encontrar o local exato, tenho faro pra isso e a direção do vento impulsiona a busca. Quero companhia, mas não aquela do dia a dia, dos colegas de trabalho. Quero ele, somente ele. Quero outro tipo de conversa, estou cansada de seminários e palestras, de dissertações dos catedráticos a respeito da Grécia antiga, da cultura clássica, dos mitos. O único comparativo capaz de despertar em mim algum interesse é a possibilidade de encontrar meu próprio deus. Metade Apolo, com seu arco e flecha, sua música, sua poesia, sua perfeição e a outra metade composta por uma desordem dionisíaca, imperfeita, lasciva, extasiante e enebriante. Quero esse ser, que me desafia a brincar de ser deusa, que me desperta os mais fortes sentimentos, sabendo da minha mortal fragilidade, aquele capaz de colocar em suspenso meu fôlego e capaz de devolvê-lo ao esboçar um simples sorriso.
Entro num bar de aspecto soturno, um tipo de lugar no qual jamais entrei. Para minha surpresa, gostei do ambiente, da iluminação rarefeita e da música, tocada ao piano. Sento-me cruzando as pernas, num gesto de feminilidade impensada e peço ao garçom que está diante de mim, uma dose de Chivas com bastante gelo. Ele anota o pedido e se dirige ao balcão, num andar meio atrapalhado e logo retorna, com um copo contendo a bebida e conforme eu pedi, muito, muito gelo. Mais que a bebida, eu queria o gelo. Não resisto a uma brincadeira com a ponta da língua nos tais cubos, são quase um vício, como se acaso tivessem eles algum sabor. Sorvi o líquido acastanhado do copo num só trago, para depois umedecer os lábios com a frescura dos cubos que me esfriavam também a língua. Mais que rapidamente pedi ao garçom que completasse novamente a dose e repeti o mesmo ritual ilógico.
Depois de inúmeros goles e gelos, me sopra ao ouvido uma voz grave e acalorada, arrepiando meu corpo da nuca ao cóccix. Sim, ele havia chegado. Não sei como se dá nossa sincronia, que sinais seguimos, que rastros deixamos pelo caminho, são fatos acima da minha compreensão, mas o importante é que sempre nos encontramos. Eu sigo uma espécie de intuição, mas na verdade sei que é ele que me encontra. Aceito o convite dito entredentes ao pé do ouvido. Nos olhamos fixamente nos olhos, castanhos claro e escuro, misturados numa espécie de luxúria que se mostra tremenda...
Saímos para a rua e num ápice estamos em uma espécie de jardim ou parque, rodeados somente por árvores e com o luar acompanhando e iluminando o caminho. Damos as mãos enquanto fitamos o céu por um minuto para, em seguida, eu começar a mimá-lo como merece. Encaixo-me entre suas coxas e brinco com sua língua tal qual com o cubo de gelo. O beijo salivante não mente e faz de nós dois, um só. Ele se despe das negras roupas e eu faço o mesmo. Nos entregamos ao acontecimento tão esperado e sempre tão perfeito, sem haver qualquer preocupação com o mundo que nos cerca. Os beijos são dados uns atrás dos outros. As bocas não param de se alimentar mutuamente das salivas trocadas e é díficil pensar na posterior separação. Sabemos que é verdadeiro, ainda que sem razão. Queremos a loucura do amor e do sexo ardente, da paixão. Nossas mãos passeiam corpos afora, por entre nucas e costas. As peles reconhecem-se, são as justas, as certas, indiscutivelmente criadas uma para a outra.
Ainda embalados pela perfeita entrega de corpos, fluidos e almas, temos nosso momento abruptamente interrompido por uma espécie de chamado, que eu não sou capaz de ouvir. Algo que o faz parar e ainda que lamentando, vestir-se e despedir-se sem explicações. Às vezes é assim que acontece. Ele me beija o canto do lábio, me olha com olhos marejados e parte, tornando-se etéreo simplesmente. Não sei de onde ele surge, como me encontra, para onde vai, o que faz depois de partir. Não sei se ele é mesmo um tipo de deus, se é um anjo sombrio, se é parte de mim ou se sou parte dele. Não sei sequer seu nome, que dirá endereço. Nada sei... Somente conheço seu perfume e ouço sua voz me chamar em noites inesperadas.
Volto para casa, cambaleante por entre árvores, postes, carros, pessoas... Passo pelo porteiro sem dizer palavra. Entro em casa com sandálias nas mãos, maquiagem desfeita, sobretudo aberto e marcas no corpo, vestígios que só o espelho sabe verdadeiros. Depois de refazer toda a sequencia mentalmente, começo a achar que enlouqueço e que minha mente perversa foi capaz de criar até mesmo as marcas. Talvez tenha sido a bebida... Todos os encontros podem não ter passado de fantasia criada pelo álcool... Cansada de confabular com meu inconsciente, adormeço...
Sem descansar o bastante, recomeço minha jornada habitual pela manhã. Tenho que voltar a usar minhas roupas discretas e trabalhar, ser a professora de todos os dias, aquela a quem nem o porteiro dá importância... Porteiro... Tocando minha campainha, o que será que ele quer tão cedo?
...
Agradeço pela gentileza e fecho novamente a porta, completamente perplexa. Em minhas mãos a tornozeleira que um jovem deixou depois que eu cheguei, na madrugada e pediu que me entregasse pela manhã. "Era um rapaz pálido, tinha um ar misterioso, trajava roupas pretas. Esqueci de perguntar o nome do sujeito e quando fui atrás dele, ele desapareceu rapidamente, como se fosse poeira. Muito estranho..." Foi só o que o porteiro soube dizer. Ótimo! Era só o que eu precisava saber.
6 comentários:
Vou ter que ir no médico ver essa taquicardia.... MUITO intenso! Adorei!
Beijos!
Que professora safadinha essa, hein? E esse homem misterioso, possuidor de todos os seus segredos, de sua alma?... Fetiche de toda mulher. Maravilhoso...inebriante, insuperável. Meu favorito até agora. Se bem que todo domingo o que você escreve se torna favorito... e dá-lhe taquicardia! Cuidado, senão você será processada por provocar infartes precipitados nos seus leitores.kkkkk. Parabéns.
Muito,muito intenso mesmo!!!
Fico impressionado com riqueza de detalhes,parece que estou assistindo a um filme.Impressionante!
Parabéns!!!
Puxa, acabei de conhecer o blog pelo Paulo Fodra, e me deparo com essa intensidade toda.
Sinceramente, FODA, MUITO FODA!
Obrigada por esses minutos prazerosos que essa leitura me concedeu.
Abraço.
Com certeza absoluta digo que existem muitos homens e mulheres com estes sintomas de paixão retraida, que por falta de coragem ou por muita timidez não se declaram e acabam realizando em suas mentes estes tipos de "sonhos"
eróticos,
o que podemos visualizar perfeitamente neste texto.
Abçs,
Camila, mil desculpas pela demora com o comentário... Mas que texto, hein? rs
Nem sei dizer se foi o seu melhor, afinal, todos são de grande qualidade. Mas esse teve um quê a mais de intensidade, não sei explicar... Foi muito bem descrito, um dos melhores textos de descrição que já li na minha vida. Tenha certeza que um dia o utilizarei como exemplo de uma de minhas aulas sobre Descrição textual kkk Claro, para o Ensino Médio kkk
Bjão!
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