Os
Miseráveis não é um filme para todos os públicos. Antes de ir conferi-lo, é
bom saber o lhe espera. 1) são 160 minutos de duração – quase três horas. 2) não há
absolutamente um diálogo em que os atores não estejam cantando – sim, é cantoria do
início ao fim. 3) são dezenas de personagens “miseráveis” – praticamente todos
choram em pelo menos um momento do filme, e 4) o diretor é Tom Hooper. Ou seja,
dá-lhe ator no canto da tela, dá-lhe câmera no alto, câmera no chão, câmera
girando, cortes rápidos, planos abertos, etc. Se a duração, a cantoria, o drama das personagens e os cacoetes do diretor não fizerem muita diferença, tenho
uma boa notícia: você terá uma das maiores experiências cinematográficas da
sua vida.
“Os
Miseráveis” é um daqueles filmes que funcionam com uns, mas não com
outros. Acontece, afinal de contas não é todo mundo que está disposto a encarar
quase três horas de cantoria e chororô. Ainda mais quando essas três horas de
cantoria e chororô são dirigidas por um cineasta que, dizem por aí, manja nada
de linguagem cinematográfica. E convenhamos: para o bem ou para o mal, o
destaque de “Les Mis” ficou para quem? Tom Hooper, é claro.
Para
alguns, ele é o principal problema do filme. Para outros, “Os Miseráveis” não
seria tão bom se não fosse por ele. O que eu penso? Bem, acredito que, não
fosse Tom Hooper, o filme não teria 1/10 da grandiosidade que vi nos cinemas
(duas vezes). E digo isso levando em consideração duas escolhas do diretor que,
a meu ver, foram acertadas. A primeira, que talvez seja a maior curiosidade de “Les
Mis”, é o fato das canções terem sido gravadas diretamente no set de filmagem.
O que significa isso? Significa que, ao contrário dos outros musicais, em que
as canções são gravadas e devidamente ajustadas em estúdio, aqui elas fazem
parte da performance dos atores. Não há uma preocupação real em deixá-los com o
timbre perfeito. A ideia, na verdade, é justamente a oposta. Hooper queria que
as famosas canções do musical soassem o mais natural possível. Para isso, os
atores gravaram com um ponto no ouvido, pelo qual acompanhavam a canção tocada
no piano. Essa iniciativa, até então inédita nos cinemas, ajudou a imprimir a
real emoção que as músicas exigem.
A
outra decisão tomada por Hooper faz parte do seu leque de cacoetes. Ele colocou
a câmera no meio do set, e o percorreu de um lado para o outro, acompanhando a
ação, girando a lente e jogando, assim, o espectador para dentro da cena. Isso
é essencial para que a experiência cinematográfica seja completa.
Quanto
às atuações, muitos elogios. Finalmente – repito: FINALMENTE – alguém deu um
papel decente para Hugh Jackman. Até então, ele só havia conseguido trabalhos
medíocres, como o de Wolverine, nos quais aparentava ser um belo de um
canastrão. Aqui, ele provou que pode ser grande. Jackman canta e atua
brilhantemente, assim como Anne Hathaway, que apesar de sua curta participação,
merece até dois Oscars pelo papel da pobre e sofrida Fantine. Eles, Samantha
Barks e Eddie Redmayne, outro ator que, quando exigido, não brinca em serviço,
são o que de melhor o elenco de “Les Mis” tem a oferecer. Infelizmente, o mesmo
não pode ser dito de Russell Crowe, que foi equivocadamente escalado para
interpretar Javert. Tudo bem que a ideia do diretor era deixar a cantoria dos
atores o mais natural possível, mas também não dá para escalar um ator que não sabe
cantar porcaria nenhuma. Infelizmente, é o caso de Crowe. Ele não acerta uma
única nota e isso, por melhores que sejam as intenções, é uma tortura.
“Os
Miseráveis” recebeu oito indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme.
Recentemente, levou o Globo de Ouro de Melhor Filme de Comédia/Musical. É uma
obra de grande qualidade técnica, que possui algumas das canções mais famosas
da história dos musicais e que, com certeza, vai entrar para o hall do cinema
como uma das versões mais emblemáticas que a história de Victor Hugo já
recebeu. Baseado na peça – e não na obra do escritor francês -, “Les Mis” é um
filme que, quando chega ao final, dá vontade de aplaudir, como se as cortinas fossem
abrir novamente para saudarmos o elenco. “Les Mis” tem seus problemas?
Sim, tem. Mas, acima de tudo, “Les Mis” arrepia.
4 comentários:
Seja bem-vindo, Vinícius!
Belo texto de estreia! A escolha não poderia ter sido melhor, quanto ao filme. Hoje mesmo comentei com você sobre a minha paciência ter sucumbido, em alguns momentos do filme, devido algumas cenas que, a meu ver, foram exaustivas. Todavia, impossível negar a beleza e a ousada produção desse filme que arrepia, sim. ''I dreamed a dream'', com Anne, cena histórica; assim como a da batalha final.
A princípio, creio que muitas pessoas possam estranhar este musical (até mesmo por não ser um gênero tão difundido, ainda, em âmbito cinematográfico). Mas, recomendo que continuem assistindo, valerá a pena e os... 160 minutos! rs.
Ah, só mais uma coisa: o Russel desafinou pacas mesmo, mas, sei lá, não acho que ele tenha merecido tanta crítica negativa. O papel dele exigia uma postura dura, séria, um tom grave em todos aqueles ''agudos sofridos'' e, por vezes, sofríveis. Acho que ele desempenhou como lhe fora ordenado pelo roteiro, pelo diretor, enfim.
É isso,
Muito bom, Vinícius!
Abração!
Lohan.
Eu não gosto de musicais. Mas definitivamente aprecio arte e Victor Hugo é. Assim mesmo. É. Depois de ler esta sua crítica tão justa e bem escrita, fiquei com vontade de me permitir esse muscial. Afinal, o autor é consgrado, o livro é dolorosamente bonito e asasisti ao primeiro filme, que achei muito benfeito. Acho que você me deixou curiosa para ouvir cantorias e chororôs. Obrigada e bela estreia, Vinícius!
Hum, q delicia essa crítica!!! Ainda não assisti o filme e isso aumentou minha vontade!!! Concordo em tudo com a Cinthia... também não sou lá muito fã de musicais, mas o livro que inspira o filme é incrível, belíssimo...
Oba! Adoro uma crítica bem feita e bem detalhada, ainda mais quando não assisti ainda. Aumenta a curiosidade e nos dá ares de profundos conhecedores do assunto. Já vou ao cinema cheia de impáfia, como quem está avaliando os pontos x ou y do filme, rsrs... Excelente!
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