assombrada. depois do silêncio,
só o que se pode ser. enquanto encosto na face da noite e vou me digerindo, me
digerindo, vagarosamente. assovio. canção perene das almas que se deitam
cedo. quantas repetições de mim? dentro,
fora, ao lado, acima, abaixo, todos os abandonos que houver enquanto há olhos
que batem, batem, batem. até o insuportável.
quantas repetições de mim? quase um grito, um rasgo. incestuosas
repetições, o espelho do espelho do espelho do espelho, do espelho... ensaio barato
de antropofagia, devoradora de todos os silêncios sem saída. sem cabimento
algum. sem cabimento, eu, em desmedida, torta, puro efeito de tornar-se. eu, filha
do medo de se abrir, flor do desamparo escancarado e morno. ventos. porque
haveria de ser a tristeza assim tão escura? cor esgarçada pelo tempo. banzo. e
o que seriam as metáforas perto dessa parede toda pichada de vermelho?
indelicadeza, eu sei. mas o futuro é um desassossego, veja bem. e para trás,
paz alguma vale. o que queria era então só rasgar tudo isso. e ir dissolvendo,
gole a gole. palavras sem destino, estradas, verbo. invenções. tantas versões
de mim e nenhuma delas cabe. as canções do silêncio me inspiram e me dizem
sobre as vidas que ainda não vivi. alegorias, retratos, máscaras de comédia e
medo, marcas, elegias. quantos caminhos se abrirão? a noite é imensa.
esperemos, pois. o que nos aguarda o segundo depois do espanto. espasmos. mais uma vez amanhece e é tempo ainda de não saber. que seja.
* Imagem de fundo: Meditate, de Carne Griffits. Disponível em:
http://carnegriff.deviantart.com/art/Floral-Explosion-
5 comentários:
Adorei seu texto. Intenso, forte, cheio de verdades sem ser moralista. Parabéns!
Profundo demais da conta! Dani Santos, a Lispector do Autores!
Adorei os meneios do seu texto, um vaivém metafísico, partindo do eu inquieto da personagem. As dúvidas universais que assolarão eternamente a mente e a alma dos seres humanos; o devir e suas surpresas. Você expressou com maestria, Dani. Obrigado por essa leitura.
Lohan.
Dani, eu sempre falo que gosto dos seus textos, e é verdade. Há sempre uma visceralidade e ao mesmo tempo uma leveza do texto. Ele parece ser muito bem conduzido, flui. Tem um estilo, que só de ver a forma dá pra saber: "é da Dani!".
Eu sou fraco diante da temática da Noite, que sempre traz as divagações quando queremos simplesmente dormir e sonhar. Quantas vezes a noite e sua face tranquila nos sussurrou o que revolvia dentro da nossa alma? E o texto transmite muito bem isso. Da hora mesmo, sempre!
- Elvio.
Ai, o futuro é mesmo um desassossego. E para os românticos, os que vivem tudo na pele, às vezes parece um suplício. Mas o que seria dos românticos sem essa possibilidade, essa janela aberta chamada amanhã? Adoro seus textos, Dani. Você é sempre sensibilidade, poesia e delicadeza.
Camila disse tudo: sensibilidade,poesia e delicadeza.
Postar um comentário