Olá, poetas e leitores!
Estamos no ar com mais um super
post-poético do III Concurso de Poesia Autores S/A!
Haja vista a série de comentários desrespeitosos
registrados no último post, pedimos, antes de mais nada, que os poemas dos
participantes sejam respeitados e, em caso de críticas, que sejam dirigidas de
modo construtivo e decoroso. Quem estiver interessado, solicite participar do
grupo do III Concurso de Poesia Autores S/A! Está demais!
Bem, dos 80 poetas classificados na
semana passada, 03 deles, infelizmente, desistiram de prosseguir no certame, por
motivos pessoais. Damos adeus, então, aos poetas Paulo Rodrigues Souza do
Nascimento, 22 aos, Acaraú - Ceará (Godofredo Nascimento – “Nossos anzóis não servem
para pescar no mar”, ficou em 64º); João Elias Antunes de Oliveira, 49 anos,
Taguatinga – DF (E. Antunes – “O Homem por dentro”, ficou em 23º) e Jackson
Ramos Xavier, 37 anos, Salvador – Bahia (Maxell Rocha – “solipso”, ficou em 65º).
Restam 77 poetas na disputa. Veja,
abaixo, como o nosso mapa do Brasil ficou ilustrado em suas respectivas representações:
Além dos residentes do território
brasileiro, temos ainda 01 participante do Japão, 01 de Portugal, 01 de Angola,
01 do Canadá, 01 da Itália e 01 da Espanha.
Para a próxima etapa, serão
classificados apenas 32 poetas. Sem qualquer chance de alteração neste número,
nem para mais, nem para menos. O resultado dos 32 classificados será divulgado
nesta quinta-feira, dia 02 de outubro. Também, no mesmo post, será revelada a identidade
dos jurados da etapa. Na terceira etapa, entraremos na FASE DE GRUPOS. Os 32
poetas classificados serão divididos em 8 grupos de 4. O sorteio dos grupos
será gravado e transmitido em vídeo no blog Autores S/A, a fim de que nenhum
rastro de desconfiança habite o coração dos nossos poetas (nossa, foi poético
isso, não?). A classificação final nesta etapa será muitíssimo importante, pois
além de definir os 08 cabeças-de-chave (os 08 primeiros colocados), ela servirá
como critério de desempate para a fase de grupos. Portanto, fiquem ligados
nesta etapa! A ordem da classificação respeitada será do 1º colocado até o 32º
colocado. Na quinta-feira, a fase de grupos será explicada detalhadamente.
Agora, que tal ler poesia, hein?
A
PROVA DOS SEIS
A
todos os classificados, foi proposto que escolhessem um tema, de um leque de
seis opções, e desenvolvessem um poema. A seguir, todos os 76 poemas enviados,
divididos pelos temas. Boa leitura a todos!
TEMA:
O
QUE
É
O
OUTRO?
De
Trofa, Portugal: Benjamin Sano
Título:
Um Outro
Pelo
tanto do que sei
E
que aprendi…
Amar
não é fácil.
Logo
a princípio,
Porque
precisa de dois
Para
que aconteça…
Mais
além, porque visa
A
conjunção, conjugação
E
outras derivações
Nominais
de verbos coligativos…
Mesmo
no caso narcísico
Do
eu me amo…
A
fórmula dá-se em duplo,
Quando
torno-me duplo
De
mim mesmo para assim
Poder
amar-me em amor especular.
O
outro necessita ser
Um
reflexo mínimo
Do
um amado.
Precisa
encontrar um pouco
De
si mesmo na resposta
Ao
amor doado.
Doação
nunca isenta de interesses…
Ao
dá-lo, peço ou exijo
Uma
devolução paritária de amor.
Te
amo porque me amas…
Amor
é caso de boa leitura.
De
saber ler o que está
Escrito
numa página branca.
Ler
nas entrelinhas
Onde
nem sequer linhas há…
Te
amo porque me amas porque te amo
Jogo
de cristais deformados
Numa
casa de riso
De
um circo decadente…
O
amor é tanto mais puro
Quanto
mais lapidado.
É
preciso um diamante
Para
cortar o outro…
É
preciso um amante
Para
amar um outro.
Esforço
individual de manutenção
Como
se cada um fosse o pulmão
De
aço do seu duplo.
Cada
um quer, mas não pode
Sobreviver
sem o duplo.
Estrada
para lugar nenhum,
Com
destino certo.
De
Três Lagoas, MS: D. Fernandes
Título:
Frenesi do chão
Divisava
o teto, aquele homem
amarelo
e acabrunhado
Sentia
o áspero dos sapatos
Os
potes caindo frios
A
umedecer-me o corpo
Eu
vi! Vi Maria correndo
Com
vasilhas de água nas mãos
Vi
Carlinhos brincando de
carrinho
na área do fundo
Também
tinha Guadalupe
(a
empregada bilíngue,
que
aprendera português
por
imposição da vida)
Os
cachorros entravam
Cheios
de terra e misturas fétidas
em
suas patas
Os
gatos sempre a mijar
por
todos os meus limites
E
o sol lá fora invadindo
todo
lugar sem pedir permissão
Porém
meus olhos perplexos viam
Uma
cena que há tempos nem figurava
O
bebê mole e inundado de esplendor
Tamanho
o sol que o envolvia
Levantou-se,
andou
com alguns passinhos trêmulos
e
caiu sorrindo...
Sua
existência era a minha.
De
Curitiba, PR: Chatecutle
Título: Carta do senhor Hyde ao Dr. Jekyll
Título: Carta do senhor Hyde ao Dr. Jekyll
caro
Dr. Jekyll
estou
atordoado
rolam
pedras e imagens
em
vertigens
avançam
retrocedem
avançam retrocedem
são
sempre as mesmas danças
da
cabeça e do ventre
é
o compasso da música binária
:
esquerda
– direita
esquerda
– direita
um
– dois
dois
– um
um
–
dois
dois
– um
você
é a chama do templo
e
eu sou a água e também sou o vento
você
é o vale do silêncio
e
eu sou a voz do deserto
você
é bom demais
e
fala palavras angelicais
eu
sou um marujo do imprevisível
e
sou também um rato dos cais
isto
é um duelo e eu vencerei
serei
senhor do mundo
pois
eu sou poderoso e taciturno
Dr.
Jekyll
por
que você quer ser uma unidade?
depois
que me engendrou não é mais possível
desfazer-se
de mim
sou
impulso sombrio e estou livre
entenda
Dr. Jekyll
eu
sou seu outro eu escondido
acaçapado
nas sombras
eu
sou sombra da sombra
a
dualidade
um
rosto invisível no espelho
eu
sou o rosto da maldade
mas
cada homem é dois – essa é a verdade
gigante
anão
escura
luz da alma
grito
silencioso
chama
ardente e gelada
outono
e primavera
noite
e alvorada
silêncio
e ruído isso é homem
pessoa
e personagem
na
imensidão da vida
(dói
a verdade)
a
mente tem duas margens
eu
sou seu lado oposto
se
você não me tivesse enterrado no poço
dos
objetos indesejados
se
não me tivesse encurralado
se
tivesse me escutado alguma vez
eu
não estaria reclamando
e
você não precisaria libertar-me
caro
Dr. Jekyll você me ignorou
jogou-me
em um poço
e
eu lutei
tornei-me
poderoso
eu
sou o rei
eu
sou você em algum lugar da subjetividade
eu
sou o reverso da amizade
eu
sou o rosto ainda não revelado
talvez
você me reconheça
pois
eu estive presente no barco do futuro
(na
fita de Moebius)
também
estive presente no passado de algum sonho ainda não sonhado
De
Campina Grande, PB: Josué do Carmo
Título:
Réplica – a voz do espelho
Buscando
resposta pro que já foi dito,
reviro-me,
em chamas, n'uma cova de brasa.
Será
que tu sentes, relendo o escrito,
minh'alma
pulsando, ali, tatuada?
Meu
sangue hoje escorre na folha de ofício
borrando
os teus versos expostos na praça.
Espirra
nos olhos que assistem, do início,
a
minha novela, por ti, revelada?
Não
sei se estou só, ou se existem outros casos
No
fim, toda história é um pouco de assalto
Contudo,
nem sempre, à mãos tão armadas
Mas
vou reagir, apesar dos disparos
Por
mais que rendido, na cara, vos falo:
-
roubaste uma boca com tuas palavras.
De
Santos, SP: Granville
Título:
Uma raça em extinção
O
homem evoluiu dos símios.
Mas
está perdido.
Alguns
parecem nem ter evoluído.
Rio
poluído,
Político
bandido,
Sistema
corrompido,
E
tantos outros motivos:
O
desrespeito,
A
falta de jeito,
O
preconceito
Atitudes
comuns
Da
imbecilidade
De
alguns.
Quanta
contradição!
Não
evoluímos?
Pois
então!
Homo
sapiens
Parecem mesmo
Estar
em extinção.
Tristes
focos.
Inventam
binóculos
E
com insistência
Colocam-nos
rótulos.
Gordo,
careca,
Preto,
puta,
Filhos
da puta,
Alemão,
polaco,
Veado,
macaco,
Playboy,
doutor,
Carola,
pastor,
Mina,
mano...
Não
fica de fora
Nenhum
ser humano.
Esse
que pensa
Que
tem raça boa
E
raça ruim
É
o fim!
Chinfrim!
Só
fala ladainha.
Difícil é crer
Que
esse ser
É
da mesma raça que a minha.
De
São Paulo, SP: Mainá
Título:
Limiar
Salva-me
de mim,
abismo
constante,
o
outro.
Abismo
onde tudo tomba
e
submerge em volteios concêntricos:
angústia,
alegria, decepção, paixão, ansiedade ...
Lanço-me,
sofregamente, às pontes:
janelas,
sorrisos, falares,
o
que se supõe amor,
páginas
em branco, olhares,
abraços,
mensagens.
O
outro
é
margem, limiar, costa.
Sem
o outro
transbordo-me
em mim.
Sem
o outro,
atônito,
sou:
Minotauro e Teseu e labirinto.
Tema:
Falta de Educação
De Saitama, Japão: John
Keating
Título: INDIGNAÇÃO
Na
faixa, a reivindicação:
POR
MELHOR EDUCAÇÃO!
Mas,
finda a manifestação,
faixas
e frases no chão,
pisadas
pela multidão,
sem
que haja a preocupação
de
jogá-las num lixão.
Enquanto
o cidadão,
varrendo
na contramão
de
uma falsa revolução,
recolhe
as sobras da ilusão.
De
São Paulo, SP: Ovideo
Título:
lâmina
engulo desaforos
engulo desaforos
como
engolem
espadas
boca
traqueia
esôfago
cuidado
suprimo
ânsia
e
vômito
até
que sinto
a
lâmina
bater
no estômago
jamais
digiro
cuspo
e firo
o
outro
de
fora a fora
hoje
amanhã
sempiternamente
engulo
desaforos
como
engolem
espadas:
temporariamente.
De Santo André, SP: A.
Carmo
Título: Poema do qual
envergonharia-me se sobrevivesse a esta civilização
Na
escrita reside o crime.
Todos
que escrevem ou
de
qualquer forma tratam
com
livros as experiências
- Criminosos!
Poesia
como alta traição
Moral & Religiosa.
Salvo
textos doutrinários -
A Tradição
da Traição
dos
Sentidos.
O
Estado da normalidade
é
o de Sítio. A Bondade
mora
no coração da Besta -
Sua paixão pela Cicuta
Seus dentes de Amianto
Sua sombra Angelical
Suas longas fitas do Amor
A
felicidade é uma bala residente no coração Humano.
A
paixão pelas praias & horizontes desertos, outro crime.
A
vida comunitária
cordial,
pálida & organizada;
Iluminação
das massas,
pois
A pele nega o
sol
A pele nega a
chuva
A pele nega
outra pele
Convidando a todos para uma Orgia
desinfectada do Tesão.
Unicamente
aí reside a pura iluminação das massas
& todas as grandes revoluções que
aconteceram:
Maternidade
brutalizada;
negros sob
brancas sombras;
trabalhadores
n'uma circular exploração;
sexualidade
devidamente etiquetada
com
sua devoção patológica a Natureza Morta -
Onde
o ônus
jamais
sucumbirá
ao ânus.
Eis
que apresento
O
Bom Senso
os
Bons Modos &
os
Bons Costumes:
Sacra
trindade -
única
libertação, o caminho
a
singrar, crença no destino
-
ou instinto de espera.
TEMA:
A MULHER EM TODOS OS ASPECTOS E
REPRESENTAÇÕES
De Jundiaí, SP:
Teixeira Neto
Título: A mulher
deitada rasga-me a vista
A
mulher deitada rasga-me a vista
Ela
ferida, deitada, despida
Apunhala-me
a vista
Um
tigre com livro, saliva
Com
unhas, arisca:
A
mulher deitada rasga-me as vísceras
A
mulher deitada: alvíssaras
Da
manhã que tarda
A
mulher leoparda
Hoje
madrugada
Alvorecerá
Nas
noites ríspidas
A
mulher maculada,
Mulher
de ainda
Tem
os olhos para onde
Não
podemos alcançar a vista
Tem
os olhos para as ondas
Trazidas
pelos ventos
Dos
planetas e suas ilhas
A
mulher deitada traz em si
A
mãe a irmã a filha
Traz
em si o aqui e o além
Da
matéria cursiva
A
mulher deitada é dura e fria
Porque
talhada em pedra rara
Com
que se faz a pulsante vida
A
mulher deitada é nada
Ferina
e finita
Do Rio de Janeiro, RJ:
Flora
Título: Confissão
Hoje
pensei
Paradoxo
é seu amor Flora
Ama
e odeia
com
a mesma intensidade
e
sobre seu destino
o
tudo e o nada resplandecem
Num
dia fera tranquila
no
outro água que arde
Em
dias pares calma aparente
em
dias ímpares faminta luz
Seu
eu interno
é
paciência e turbilhão
festa
sem embriaguez
velório
sem solidão
É
corpo que grita
entregue
ao silêncio
Seu
eu externo
denuncia
a tristeza
do
olhar iluminado
pelo
brilho fosco
da
contemplação
Entretanto
Flora
na
origem
ou
no espaço final
seu
mundo sonhado
é
arte vomitando no vazio
De São Paulo, SP:
Bianca Velázquez
Título: Imper(atriz)
Navalha
nos olhos,
desejos
na pele
(marcam
a passagem das horas)
Sozinha
no quarto
molha
os lábios, ajeita os cabelos
Termina
o cigarro
― outro gole de úmidos venenos
Cuidado!
Ardilosa
Ainda
vai te roubar um beijo
em
praça pública, becos
em
plena luz do dia
ou
madrugada adentro
Desatino
―
ainda vai te roubar um beijo
Línguas
hão de celebrar
em
brindes molhados
dança
lasciva, suor e deleite
Cuidado!
(Navalha
nos olhos)
Corte
pungente
Ainda
vai te roubar um beijo, a pele,
o
juízo, o desejo, os sentidos
(em
golpes precisos)
Rendição
a meio-fio
― sanha
Grita, morde, geme, arranha
(Atos precisamente impensados)
― sanha
Grita, morde, geme, arranha
(Atos precisamente impensados)
Olha!
Respira! Observa!
É
sempre assim: arranca o nada
poupa
o sangue
e
vai colecionando ilícitos vazios
Criminosa
fria e calculista
De
você roubará um beijo
― e três gozos
aprisionados entre pernas,
paredes, calçadas
― e três gozos
aprisionados entre pernas,
paredes, calçadas
Profanadora
de corpos e anseios
em
praça pública, becos
Em
plena luz do dia
ou
madrugada
adentro
Rouba
um beijo,
a
alma, o
gozo,
o
sossego
Após
o êxtase
súdito
em desespero
(desalento)
Ela
limpa o que escorre da boca
molha os lábios, ajeita os cabelos
levanta
e sai
molha os lábios, ajeita os cabelos
levanta
e sai
...
Navalha
nos olhos,
desejos
na pele
Inquieta,
planeja mais um crime
Crime
perfeito
De Santo André, SP: Nin
Título: Sujeita
os
poetinhas, horrorosos, que me perdoem,
mas
beleza é fundamental.
ela
é fundamental porque se origina
do
meu seio de Mulher
−
e de tantas, de tantas −
ela
escorre
dos
meus lábios ar
dos
meus lábios palavra
dos
meus lábios sangue.
escarro
tua ideia de beleza
:
porque a Mulher que somos
é
a beleza inteira
não
é objeto dos olhos
nem
dos verbos
nem
dos versos.
não
é ingrediente de receita
nunca
vai ser alva, nunca vai ser pura
nem
argila, nem costela tua
não
Nos meça
não
Nos impeça
nossos
úteros milenares choram a tua crueldade
NADA
nos "é preciso"
porque
nossa beleza não
não
é necessária
:
ela é essencial
porque
vem da nossa essência
somos
nós que perfumamos as flores
com
nossos próprios hálitos
e
pesamos toneladas
e
temos rugas do tamanho de trincheiras
curvas
e abismos inimagináveis
nas
quais fazemos guerras o tempo todo
(é
a origem também desse teu umbigo de ego)
não
temos a cores das tuas aquarelas
nem
a forma das tuas mãos calosas
nem
as poses do teu imaginário vulgar nunca realizado
:
tua ideia não nos molda
não
nos submete.
somos
sujeito da poesia
somos
a poesia toda
,
encarnada,
autoras
das nossas linhas traçadas
trançadas
transadas
bocas
e pernas abertas
com
serpentes orbihabitando nossos ventres lunares
temos
a fome de leões famintos
a
febre da língua dos dragões
e
aguçados todos os outros sentidos
olhos
morcegosos no noturno dos lençóis.
De Dois Córregos, SP:
Ed Lamas
Título: Um Portinari
A
mulher chorando
ainda
não chegou às lágrimas
mas
o tom azul lembra o mar
(seu
vestido repete a nuança do limo)
até
onde alcançam as ondas da amargura
As
mãos comprimem o rosto
forçando
o sal líquido
que
jamais escorrerá
Olhos
cerrados para prantear
o
quanto for possível nas tintas pouco vivas
como
devem ser
as
cores do sofrimento
Dedos
entrelaçados
nos
maltratados cabelos
são
a dor que se esforça
(observe
a luz nula dos traços)
E
não é difícil perceber
como
esse quadro insiste em desvendar
a
essência do universo feminino
ao
concentrar todas as mulheres numa só
aprisionada
em seu choro para sempre
De
Belo Horizonte, MG: Godoy
Título:
qual?
qual entre tantas mulheres em mim
sobreviverá a esse tempo de angústia?
qual entre tantas saberá o dia certo de dizer sim
e deixará as portas abertas?
qual mulher buscará o prazer
e sentirá o gosto da vida pulsando nas veias quase frias?
qual vai se entregar inteira, olhar a noite com olhos bêbados
e não temer a manhã?
qual mulher em mim não terá medo da morte
e saberá que morre todos os dias?
qual vai jogar flores ao mar
e sonhar com a deusa perdida das águas?
só uma saberá a resposta
mas ela já se foi nas palavras, no tempo
no espelho quebrado sem conserto
De Luanda, Angola: Quimbungo
Título: Procuro-te
Mulher Procuro-te
nós murmúrios dos rios
Nas densas matas cobertas de silêncios enganosos
Nas sandálias do tempo
E mesmo assim mulher ainda procuro-te
No cantar do vento
Na liberdade das asas das aves
E na infância dos dias
E mesmo assim mulher ainda procuro-te
No orgasmo dos sorrisos
No ventre da fúria do mar
E no funeral da alegria
Que sustenta a idosa tristeza
Procuro-te
Na melodia de um batuque qualquer
Mesmo da aqueles que tenham ritmos de febre
no alpendre dos campos santos
Vejo o teu silêncio
a cantar nos meu ouvidos
e mesmo assim mulher ainda procuro-te
Procuro-te
No jardim fértil das lágrimas
No mito da felicidade
Na evaporação do rio
No cacarejar das madrugadas
Das noites envernizadas
E mesmo assim ainda mulher eu
Procuro-te
Mulher Procuro-te
nós murmúrios dos rios
Nas densas matas cobertas de silêncios enganosos
Nas sandálias do tempo
E mesmo assim mulher ainda procuro-te
No cantar do vento
Na liberdade das asas das aves
E na infância dos dias
E mesmo assim mulher ainda procuro-te
No orgasmo dos sorrisos
No ventre da fúria do mar
E no funeral da alegria
Que sustenta a idosa tristeza
Procuro-te
Na melodia de um batuque qualquer
Mesmo da aqueles que tenham ritmos de febre
no alpendre dos campos santos
Vejo o teu silêncio
a cantar nos meu ouvidos
e mesmo assim mulher ainda procuro-te
Procuro-te
No jardim fértil das lágrimas
No mito da felicidade
Na evaporação do rio
No cacarejar das madrugadas
Das noites envernizadas
E mesmo assim ainda mulher eu
Procuro-te
De Osasco, SP: Luiza
Caetano
Título: musa ausente
em
que noite repousa teu coração adormecido,
teu coração intocado?
teus
olhos de vidro intacto
e teus lábios silenciosos?
e teus lábios silenciosos?
quantas
estrelas, no entanto
se acenderam em tua alma...
se acenderam em tua alma...
tu,
mulher absurda
foste luz e escuridão
e te debruçaste em mim
como uma meia-lua perigosa
foste luz e escuridão
e te debruçaste em mim
como uma meia-lua perigosa
e
caiu tua chuva melancólica
confundindo a rota das nau
confundindo a rota das nau
De
Belo Horizonte, MG: Zack Magiezi
Título:
primaveras que andam
toda mulher é flor
*
e alguém vai dizer
sim, elas são um poço de fragilidade
*
não
definitivamente não
toda flor é feita para resistir
e resistem
ao frio que distancia
à tempestade que golpeia
ao calor que castiga
*
toda flor é uma selvagem
alma exposta em beleza
delicadeza indomada
perfumando o mundo.
*
toda mulher é flor.
toda mulher é flor
*
e alguém vai dizer
sim, elas são um poço de fragilidade
*
não
definitivamente não
toda flor é feita para resistir
e resistem
ao frio que distancia
à tempestade que golpeia
ao calor que castiga
*
toda flor é uma selvagem
alma exposta em beleza
delicadeza indomada
perfumando o mundo.
*
toda mulher é flor.
Do Rio de Janeiro, RJ:
Babi Victer
Título: Muliere
Donas
da casa
E
de sua independência
Encaram
as adversidades
Sem
perder sua habitual inocência
Distante
de rótulos
De
séculos anteriores
De
degrau em degrau
Chegaram
ao planalto central
Puras
e fortes,
Corajosas
e sensíveis
Dizem
que é sorte.
Sorte
ou não, as fazem incríveis.
Uns
chamam de feminismo, outros de imposição
Mas,
na verdade mesmo
É
essa sua sina:
Ser
o destaque no meio da multidão
Do Rio de Janeiro, RJ:
C. Vasconcellos
Título: Corpo em
liquidação
A
voz da viela no cós dela era só sexo.
Grave
era o tom,
entoando
palavras sem nexo
na
barriga da rua.
Dinheiro
era tudo que ela queria
pra
ficar nua, colada ao Amarelinho.
“Umazinha”
e resolvia
por
hora a pança vazia.
A
cabeça cheia de cola
enrolava
sugestões de vadia, em torvelinho:
“meu
corpo por um sanduíche, ta a fim?”
Vixe!
Eu vi destrambelhada esta cena,
a
coitada da pequena querendo fazer
do
seu corpo moeda de troca,
os
olhares masculinos obliquamente
desvelando
prazer na carne da guria.
Soca,
meu Deus! soca fundo e ardente esta miséria
das
meninas de rua tentando faturar a féria,
pra
se safar de mais um dia.
Do Rio de Janeiro, RJ:
HG
Título: fêmea
a
mulher que habita em mim
é
perigosa
feito
uma aranha
quando
se trata de amor
ela
morde
pica
arranha
e
não manda recado
a
mulher que habita em mim
tem
fogo nas entranhas
e
se entrega
e
se esfrega
com
uma coragem tamanha
que
não se encontra
nas
prateleiras de nenhum supermercado
a
mulher que habita em mim
é
puta
é
gruta
prestes
a desabar
é
fruta
que
não é qualquer um
que
pode chupar
a
mulher que habita em mim
é
leviana
mente
com sinceridade
na
rua
no
palco
na
cama
por
orgulho
interesse
ou
piedade
a
mulher que habita em mim
é
refém de todas suas vontades
ela
não tem idade
não
tem pudor
não
tem sexo
não
tem rosto
é
uma baleia
é
uma sereia
é
lua cheia
no
mês de agosto.
De Franca, SP:
Peramorim
Título: Garras
Vermelhas
A
mulher que passa
Enfeita-se
de filhos
No
pescoço, nos braços
Na
barra da saia
Ancas
largas
Seios
fartos
Garras
Vermelhas!
(Alimenta-os
de esperança profetizada)
A
mulher que passa
Tece
de boca em boca
O
grito que silencia
Violência
Abandono
Covardia
Vermelho
Batom!
(Esconde
sua decência com uma túnica desbotada)
A
mulher que passa
Manteiga
no pão que amassa
Serve
a mesa,
Serve
na cama
Provém
sustento
Unguento
Cura
ferida
Vermelho
sangrar!
(Dorme
em travesseiros de espinhos)
A
mulher que passa
Abre caminhos
Ganha
causas perdidas
Vence,
Cria,
Procria,
Recolhe
o entardecer
Vermelho
porvir!
(Carrega
no ventre o verbo amar)
A
mulher que passa
Dispensa
dissabores
Quando está Cinderela
Faz de conta que é donzela
Forte,
Frágil,
Acende
labaredas em alto mar.
Vermelho
coração!
De Curitiba, PR: Eterna
Estrangeira
Título: Fábula III, ou
“as formas da coragem”.
Para Joyce, Hettie e Diane
Era
apenas uma menina
e
o mundo, um lugar lotado
de
criaturas com sonhos baratos.
Pegava
todos os dias, de manhã
o
bonde que descia a ladeira,
seu
coração dando saltos no ponto
onde
a curva sugeria uma fuga
onde
a mão do condutor podia
vacilar
por um instante e perder
o
rumo.
Noitezinha,
na hora da sopa
a
mãe chamava
para
ela colocar na mesa
os
pratos azuis, os guardanapos de pano
amarelados,
as grandes colheres,
e
ela obedecia,
mansinha,
as unhas de esmalte
de
uma semana
guardando
seu segredo escarlate.
Quando
lá fora chovia, como de
costume,
gotas misturando-se com
poeira
e através da janela suja
todas
as formas
alongavam-se,
encurtavam-se,
ela
via figuras
dançando
na água ou nas chamas
da
noite e sabia que
em
algum lugar o caminho bifurcava
e
seria só o rumo que ela conseguisse
vislumbrar
quando todo mundo parasse
de
lhe falar, de lhe indicar com
as
mãos ou apontar com os dedos
o
enferrujado dever, ou quando ela
não
mais escutasse.
Os
meninos pulavam
os
vagões do trem ou as
ondas
mais altas, e o tempo todo ela
sabia
que isso não era para ela
porque
não era longe o suficiente
ou talvez porque ser
apenas
uma triste
fêmea
da espécie
não
lhe permitisse um lugar
entre
os que desafiavam
os
mares, a Bruxa de Novembro
ou
o Chinook. Enquanto isso
os
garotos saiam e voltavam à casa.
Ela
ouvia suas histórias e percebia
como
esticavam suas meias-verdades
sobre
a bruma, as baleias, os
adversários
com suas espadas,
ou
as armas comuns do bandido
da
esquina.
Dançava
sozinha frente ao espelho,
diante
dos escuros olhos ciganos,
examinando
a curva dos seus braços,
o
quadril que se alargava, os
pequenos
seios que endureciam sob
um
fino tecido, as pernas que embora
curtas
pudessem carregá-la muitas milhas.
Sentia
então um estranho tipo
de
medo-coragem
que
lhe dizia coisas inteligíveis:
que poderia dormir ao relento,
construir
um provisório
abrigo,
aprender as línguas de
humanos
e tigres, ser nômade
como
qualquer uma
ou
como nenhum outro.
And then she went...
De São Pedro da Aldeia,
RJ: Flora M.
Título: A dor do
parto
-
É uma menina! E parece com a mãe!
- Tão linda, essa sim vai dar trabalho quando crescer.
- Toma esta boneca, bebê.
- Escolhi o vestido rosa, que é cor de menina.
- Quando você sentar, cruze as pernas.
- Já está tão grande... e os namoradinhos?
- Fecha as pernas! Que esses não são modos de mulher.
- Vista este soutien, que seus peitos já estão a aparecer.
- Primeiro são caroços de maçã, depois pequenos pêssegos e depois velhos como o meu, que ninguém quer.
- Tão linda, essa sim vai dar trabalho quando crescer.
- Toma esta boneca, bebê.
- Escolhi o vestido rosa, que é cor de menina.
- Quando você sentar, cruze as pernas.
- Já está tão grande... e os namoradinhos?
- Fecha as pernas! Que esses não são modos de mulher.
- Vista este soutien, que seus peitos já estão a aparecer.
- Primeiro são caroços de maçã, depois pequenos pêssegos e depois velhos como o meu, que ninguém quer.
-
Não deixe colocarem a boca neles. Ouviu? Você me ouviu?
- Todos os meses as mulheres sangram, querida. Não chore, isso é normal.
- Todos os meses as mulheres sangram, querida. Não chore, isso é normal.
-
Que horas você volta? Te dou até a meia noite. E você vai com quem?
-
Mulher tem que se dar ao respeito!
-Mulher que se dá ao respeito não se veste assim.
-Vadia!
-Mulher que se dá ao respeito não se veste assim.
-Vadia!
-
Andando sozinha até essa hora, tá querendo o quê?
- Ô lá em casa, gossssssstosa!
- Ô lá em casa, gossssssstosa!
-
Não responda, é pior se você responder.
- Olha, você tem que entender que todo homem é igual. Nenhum presta, case-se com este que não é tão ruim assim.
- Mas você trabalha demais! Não dá atenção ao marido, deve ser por isso.
- Você está gorda, deve ser por isso.
- Você deveria reclamar menos, deve ser por isso.
- Puta, você é uma puta! Igualzinha a sua mãe. Cala a boca e não me enche o saco.
- Você precisa entender que ele trabalha demais, deve ser por isso.
- Olha, você tem que entender que todo homem é igual. Nenhum presta, case-se com este que não é tão ruim assim.
- Mas você trabalha demais! Não dá atenção ao marido, deve ser por isso.
- Você está gorda, deve ser por isso.
- Você deveria reclamar menos, deve ser por isso.
- Puta, você é uma puta! Igualzinha a sua mãe. Cala a boca e não me enche o saco.
- Você precisa entender que ele trabalha demais, deve ser por isso.
-
Cuide mais da sua casa, do seu corpo, você vai ver como isso muda.
- E que tal um filho? Pela sua idade, já está na hora de ter um filho, você não acha?
- Uma mulher só se completa quando é mãe.
- Você engravidou porque quis! A culpa é sua!
- Andam dizendo que ela engravidou para segurar o marido. Coitada, filho não segura homem nenhum!
- Calma, querida, dói assim mesmo. Respira fundo, dói assim mesmo.
- Força, minha filha, força!
- Está vindo a próxima contração!
- Na hora de abrir as pernas você não chorou assim.
- Vamos, força! Que já está quase (...)
- É uma menina! E parece com a mãe!
- E que tal um filho? Pela sua idade, já está na hora de ter um filho, você não acha?
- Uma mulher só se completa quando é mãe.
- Você engravidou porque quis! A culpa é sua!
- Andam dizendo que ela engravidou para segurar o marido. Coitada, filho não segura homem nenhum!
- Calma, querida, dói assim mesmo. Respira fundo, dói assim mesmo.
- Força, minha filha, força!
- Está vindo a próxima contração!
- Na hora de abrir as pernas você não chorou assim.
- Vamos, força! Que já está quase (...)
- É uma menina! E parece com a mãe!
De Valencia, Espanha:
Carita Burana
Título: Descartáveis
Criaturas
selvagens domesticadas
fiéis
ovelhas
das
interpretações equivocadas
condenadas
pelas
mãos que as abençoam
silenciadas
no
sermão eterno contra o mito
aberração
na
própria vontade
sentenças
no
próprio sacrifício
epitáfios
em vão
para
manter o equilíbrio
armistícios
em rosários
batalhas
com final conhecido
mais
vale sepultar ovários
que
rabiscar o que está entendido.
De Pelotas, RS:
Barcellos
Título: Essas mulheres
…Limpando da toalha sol e doce de goiaba,
minha avó recolhia, nas mãos, migalhas de domingo.
(Ana Mariano)
Nem
sempre foi assim
mas
o tempo
–
sempre o tempo –
veio
trazendo em si
as
marcas todas
de
uma (nem sempre surda)
rebelião...
nem
sempre foi assim
mas
a luta
–
sempre a luta –
impregnou
de flores
antigas
estradas
onde
se acumulavam (nem sempre
apenas)
pedras...
nem
sempre foi assim
mas
hoje – bendito fruto
da
ação do tempo e do frescor
gestado
no ventre da luta –
já
há outro paladar
que
se percebe (talvez nem sempre)
nas
migalhas de domingo.
De Capivari, SP: Aeon
Título: Anatomia
disseco
o
intrauterino organismo
da
indevassável tríplice-dual
amalgamada
no
constante fluxo sanguíneo
contemplativo
feito
o oráculo
dimanado
de Delfos
velejo
pelas concepções
saudadas
em dilúvios
no
líquen
dos
totens siderais
esmero
os
domínios
amanhados
na
Kundalini celeste
e
recolho em conchas
as
derivações plasmadas
-
Egunitá
unta
o espírito
com
a incandescente
nobreza
primaveril
da
inocência -
grelo
harmonizado
sob
o cultivo do amanhecer
não
corrompido
pelas
domesticações
do
patriarcado
íntegra
ardência
incubada
no pudor
por
ser a Filha
da
imprescindível
assolação
-
Oxum encanta
coma
vazão
do
tântrico-dorso
desabrochado
no desfrute-
aurilavrada
Donzela
esculpida
nos minérios
do
sexo cachoado
fertiliza
o auspício
na
íngreme doçura
que
lhe foge
das
tímidas coxas empedradas
floreio
em brandura
no
leitoso lírio
das
lascivas tentações
-
Iemanjá
germina
as estrelas
prateadas
nos
tormentos lacrimejados
por
todas as condolências-
a
Mãe protetora
irradia
o cântico
acolhedor
aos
desafortunados
que
não se acham
nos
fragmentos do zelo
o
sustento
de
sua regência
refugia
até
mesmo a quizília
que
propicia
o
desencarne
-
Iansã
matura
o estio
na
aguerrida devoção
sob
a argúcia
de
tigresa-
generosa
Esposa
desprendida
dos
ditames encarceradores
que
frisam
moralizar
a nudez
feminilidade
centelhada
no
sóbrio juízo
dos
úteros libertos
fiada
no
tear
dos
direitos igualitários
obedece
somente
aos
movimentos
do
cósmico aprumo
-
das íntimas hibernações
a
benevolente Anciã
esparrama
sobre as índoles
a
gnose dos ancestrais -
Nanã
carrega
na cognição
o
mormaço necessário
para
irisar
a
incrédula vigília
centraliza
no
acúmulo
das
premonições
a
luzente pacificidade
decanta
no colo
a
egóica aspereza
das
feridas em pus
-
Obá
assombra-se
no
leito do silogismo
floreando
o pavão -
Viúva
das
vãs batalhas
travadas
contra o estouro
fenece
em
cada intuito
incinerando
as ilusões
incumbida
pela
incensurável expansão
dos
aconchegos
estraçalha
o fanatismo
com
a silente rigidez
das
raízes que extirpa
desencarde
as auroras
pútridas
pelo medo
-
a chave
para
o incógnito
conjura-se
no cerne -
domiciliam-se
as
feições
do
sagrado feminino
na
cristalina simbiose
a
espiral
temporalizada
por Oyá
redemoinha
apoteoses
entronando
as efígies.
De
Recife, PE: Lúcio Beringer
Título:
A pitonisa do bueiro cósmico
...
Quando
queria predizer o futuro entrava em furor, falava
com
voz baixa e mal articulada, passava a ter horríveis
agitações
e evocava, quando lhe aprazia, as almas dos mortos.
Novo Dicionário da Fábula,
Ed. 1945, Porto, Portugal
Subimos,
pois, e vislumbramos, no mais profundo do fosso,
gente
metida em cloaca tamanha
que
do mundo parecia a única latrina.
Inferno – Canto XVIII - Dante
1:
revelação
Tiro o véu
aspiro a sarjeta mais imunda
–
a humanidade fede
2:
invocação das musas prostituídas
Oh venham as nove urdidoras de
ilusões
as nove cafetinas
as nove não-sei-o-quê
Numa nuvem fétida
surge o fantasma de Catulo:
diz, pitonisa,
por que em vez de libertar-me
a Poesia me escraviza?
Rasgo a túnica, cuspo o chão:
verdades por fora
verdades por dentro
3: no furacão da polis
Estou cega
entre carros que buzinam
Metrôs correm
tropeço em meios-fios preciosos
cravejados pela urina
de pequenos ladrões
e assassinos
Abençoada sou
pois um dia
serei estrume de rosa
4:
transfiguração no elevador espelhado.
Putinhas de Zeus
ajudai-me, elevai-me
Agora cortarei bifes
e espalharei batatas-palha na mesa
do jantar
O pai dos meus filhos
fingirá ser homem
e eu fingirei ser sua
Já fui vestal e colombina
–
oh Balmain, oh Dior
perdoai este avental azul
marcado pelo sêmen
dos entregadores
de água mineral
5:
mesa solene
Baco:
o vinho rosé
também o bebe Pomba-Gira
Quero uma próxima sarjeta
Estou já a cair
úmida, vaselinada de etiqueta
social
Profetizo aos convidados:
comei, bebei, acreditai
(eu também já fui crédula)
O aspartame adoçará vossas vidas
e a flatulência vos acompanhará na
alcova
6:
de pernas abertas para Morfeu
Quantas luas
desabrocha o útero de uma mulher?
A janela enquadra a minguante
escuto marés dentro de mim
Vou cair!
Agarro-me na cama box ortopédica
como se ela uma nau fosse
E há que não ser?
–
leva-me em sonhos para a Morte
Rompem descargas
nestes vinte andares profanos
Cada um é um templo a ruir
escoando, afundando
em coliformes, em medo
Num imenso esgoto
(ratazanas)
adormeço
De Curitiba, PR: Nina Cello
Título: Entranhas
Com roupa de vir ao mundo
no exílio do quarto
com auxílio do afeto
descansam os teus dias sobre o meu peito
Dorme, amor...
Tivesse a idade de uma criança sem pecado
Dorme, amor...
O teu corpo por mim zelado
E deixa-me, assim, a tua alma´lerta entrever:
Coração, pulso inconsciente do meu corpo
Sono, pulso inconsciente do teu ser.
De São Gonçalo do Piauí, PI: Robert Leza
Título: A quatro mãos
Quando
Borges
enunciou
os problemas
para
Don Isidro Parodi,
recorreu
a Bioy Casares
numa
conta de seis.
Balanço
maior teria Cervantes,
caso
resolvesse condenar
Sancho
a calcular os
desatinos
de Quixote.
Portanto,
não
vem da matemática
este
desejo de te demarcar
feito
beijo.
Vem
do aceno
que
a boca desconhece.
De Bauru, SP: P. Celan
Título: Simbiose
Eu
gostava de cantar à beira do rio
que
era pro rio carregar parte de mim com ele.
O
leito do rio era como a face gravável
de
uma fita cassete deslizando no gravador,
onde
eu imprimia minha voz pequena
que
era escoada pelo semblante turvo das águas.
Gota
após gota.
Peixe
após peixe.
Verso
após verso.
Hoje,
quando
choro,
verto
peixes pelos olhos.
Quando
paro pra ouvir o mar,
escuto
o meu canto
que
o rio levou.
De Riachão do Jacuípe,
BA: Tom Ruiz
Título: Confissão
Em
mim, reside Outro que é abismo:
Ser
faminto de eras abissais.
Inquilino
inadimplente de mim mesmo,
Abasteço-me
de mitos ancestrais.
E
despedaço-me em mil absurdos:
Alimento
de segredos marginais.
Do Rio de Janeiro, RJ:
Vô Cosmos
Título: Segredo
O
simples complexo saber:
Olhar
para si sendo o outro,
Viver
o outro e ser mais si.
Priscas
ancestralidades pesam
Acenando
da roda de Sansara.
O
mundo dói, rói, ama,
acaba,
cura, sara.
Não
para.
O
maracá das divinas vibrações
Gira
constelações na surpresa da vida.
-
Tudo vibra, tudo vibra, tudo vibra...
Tudo
víbora curando e mordendo
Sempre
com a força do mesmo veneno!
Tudo
junto, eu esmo, eu mesmo,
Na
ética pura da hermética Lei.
Dizer
sim nos tempos do não
E
aceitar a firmeza amorosa
Que
apazigua o coração,
Num
coletivo sistólico-diastólico
Em
doação e recepção
Estando
um,
Crendo
num,
Sendo om –
O
som do sim da sina.
Simbiose,
metamorfose, mitose,
Multiplicação
da sagrada disciplina:
Olhar
pro outro sendo outro,
Realizando
um fantástico degredo!
Olhar
pra si sendo si,
Sem
abismo, sem medo... sempre cedo –
Um
torto caminho de eras
Contido
num simples segredo.
Do Rio de Janeiro, RJ:
Passos
Título: Mudez (ou
música)
Fecunda
o Espaço no integral contorno
Que
se dilui para no próprio atê-la,
Qual
lactescência entre pulsão e retorno,
Às
extensões da primitiva estrela;
Conjuga
traços por sutil conforto
E,
projetando, de Satie à maneira,
Toda
envoltura desmanchada em aborto,
Cada
lampejo rompe em grãos de poeira.
Quando
espiral em convulsão ou dança,
Ou
se vestígio sem vestígio for,
Ou
mesmo após, já dissoluta e mansa,
Teço
da Abóbada os ausentes fios,
Do
estéril Tempo reinauguro a cor
E
à Transparência mesclo olhares pios.
De
Belém, PA: Benny F.
Título:
Palavras Cruzadas
{O imaginário poético
é uma fonte caudalosa de metáforas
onde reina a perfeita simbiose
da sombra com a palavra.}
"O poeta existe
para impedir que as pessoas
parem de sonhar".
Roberto Piva
I
( A sombra )
Toda sombra chega num pulo
e se atrela à perpetuidade da
palavra
vampirescamente alimentada
com a carne inacabável
da frágil insubstância
da inspiração
para descobrir de súbito exigente
que metamorfosear não é ruminar
os âmagos imaginativos
dos olhares escravizados.
Toda sombra ressurge do cosmo
dolente
nu e
esvoaçante
para amamãezar
as máquinas de cópulas
do sexo tímido
que goza até à inconsciência.
Toda sombra emana da ruptura
dos ângulos alucinados e letais
para às vezes se soltar a soluços
e incendiar o coração do destino
como as placentas
das hóstias
pegando fogo.
Toda sombra deriva dos estômagos
abissais
e do retropensamento quimérico da
foice
para cultivar a revolta
dos remorsos platônicos
e eliminar as mesmices
dos urros trôpegos indômitos.
II
( A palavra )
Toda palavra é uma sombra
verborrágica
Vestida de lingerie metafísica
que numa só bárbara sequência
explosiva e
carnívora,
apaixonou-se pelo carrasco
que caleidoscopicamente
a espanca.
Toda palavra é uma vulva cerebral
erigida sob o labor da fragmentação
da partida
feita de lágrima preferida
para confundir a golfada do tempo
de agora
e alojar na perenidade das coisas
a elementar aragem
do meu silêncio.
Toda palavra é uma gralha
aprisionada
encharcada de agouro dormido
que proporciona a todos os impulsos
sedentos de lógica
o jejum do tufão
de todos
os medos.
Toda palavra é uma prenhez mental
superlotada de expiação e loucura
que transporta-me nas deságuas
da metamorfose do vazio
até à inconstância
do condomínio
de rimas
que não me dá tempo
nem para estancar
o líquido caminho da aurora
que escorre
entre os dedos.
De Carapicuíba, SP: L.
M. Branucci
Fechar
os olhos
imaginar
o que se tem
se
faz nas partículas
–
há uma falta apesar do mundo
estar
contido todo nesse fluxo de água
unido
um
mar que se abraçou
engoliu
com sua ressaca coletiva
o
corpo
já
tão em desfoque desde as fotos esverdeadas
fazendo
adeuses com as mãos
(desfez-se)
A
água persiste em ser bem palpável
entra
o Ó 2 contido nela –
Nos
limites entre peles e derivados
a
vontade é de seguir, abraçar um jornal ou uma vagina
um
copo d’água com a mão esticada
o
coletivo com a boca penetrando dias
desde
a meninice rolando por aí à toa –
O
fogo estala
com
simples gesto de dedos
a
água realmente imprevisível
o
sopro presente
dando
vida aos cigarros
o
sopro entra
e
sai uma canção
derrubando
as cercas cutâneas, o espaço-entre
–
ouve-se
a canção de longe anunciando
o
almoço da tia nena, saiu sopro e foi parar
nos
campos derrubando as cercas do futebol
os
meninos correm
–
Um
chuveiro e o mundo no espaço
unido
nos orifícios da cabeça: o sangue estremece
pela
potência da água que atravessa a frase
ressuscita
e borra no papel
Um
dia tão leve
cada
sopro mergulha dentro das vozes: bebo hoje a alimentação simples.
Garfo
e faca para abrir o coração
da
fruta na mesa: minha pedra com os lados frios
ou
fósforo enxofre pólvora
a
lâmina de ouro da criança
sou
amarela, terra andando entre cores –
Sopro
Natureza
da fruta uma coluna d’água (ou centro do planeta)
roçando
deus
O
nome dela não é chama água
madeira
profunda orvalho nem diamante
o
que não é dito –
a
demora dos nomes uma colher a transbordar o mel da memória
O
fruto leva ainda tendões
pulmões
músculos ar
entre
a
pedra de ouro no mais compacto nó
da
claridade
da
carne
–
círculos do silêncio adentro
O
corpo no ressuscita-se.
De Rio Grande, RS:
Miguel A. Rodriguez
Título: Meta(-)Poética
(disparei o
cronômetro)
este
poema iniciou há vinte minutos
porque
precisei
antes
de escrevê-lo
fazer
alguns cálculos
(sou péssimo
para contas de cabeça)
calculei
todos os gastos para que tu
estejas
diante desse poema
(até agora já
se passaram três minutos
desde o
disparo)
para
estar sentado em meu colchão
usando
meu notebook
itens que não
considero mais para a contabilidade
já se
incorporaram a mim
meu
corpo levou trinta e três anos
três
meses
catorze
dias e dezoito horas
(dezenove ao
fim do poema)
para
estar em condições de estar aqui
(uma pausa)
estar
aqui e agora escrevendo um poema custa-me
(aluguel
condomínio
energia
elétrica
internet
livros de
poesia e
litros de
álcool)
quase
dois centavos por minuto
(nova pausa
ela fala que
vai a porto alegre
para um
congresso
ficará lá
quatro dias
retomo o
cronômetro)
há
pouco tempo eu recebia um salário do comércio
recebo
agora uma bolsa de estudos
dum
órgão de apoio a pesquisadores
vinculado
ao governo federal
ganho
três centavos e meio por minuto para estudar poesia
dinheiro
(prefiro acreditar)
bem
investido
dos
impostos do contribuinte
goste
ele ou não de poesia
(abre
parênteses
eu conto
todos os minutos do dia
porque ganho
inclusive para sonhar
que estou
escrevendo artigos científicos
sobre poesia
eu deveria
nesse momento
meu dever seria escrever
um artigo
científico sobre um poema
pra um
seminário ou congresso ou simpósio
sobre
poesia
mas parei
para escrever
um
poema
sobre
poesia
fecha
parênteses)
fazendo
as contas
este
poema levou
para
ser escrito
revisado
(reescrito em boa
parte)
cerca
de duas horas
(ela chama
minha atenção para qual seria a possível
e ingrata
profissão de william shakespeare
no século
vinte e um
diz que ele tem
cara de trabalhador do comércio
ou de
prestador de serviços
eu digo que
estou escrevendo um poema
ela pede
desculpas)
a
mim
depois
de duas horas
custou
dois reais e trinta e dois centavos
aos
cofres públicos
abastecidos
pelos impostos
(os teus impostos
caro
contribuinte
pelo que sou
muito grato)
esse
mesmo tempo custou
quatro
reais e dez centavos
fiquei
com um real e setenta e oito centavos de troco
esse um real e setenta e oito centavos
(ganhos
desonestamente com poesia
em vez de
artigos científicos)
correspondem
aos cinco doze avos que eu mesmo pago
em
impostos
resultado
nem
eu
nem
tu
(nem ela
que adormeceu
me esperando para dormir)
(nem meu
vizinho
que tosse
para mostrar que está acordado
por causa do
ruído intermitente do teclado
que escapa
dia e noite do meu apartamento)
ganhamos
nada
já
está incalculável
o
prejuízo de nossa convivência
De Belo Horizonte, MG:
Renard Diniz
Título: Partilhar de
poros
Pelos
jardins de colorido outubro,
por
entre flores, apanhando amoras,
tingindo
lábios com seu sumo rubro,
degustam
dúlcido sabor das horas.
No
inabalável partilhar dos poros,
ordenam,
deuses, que o prazer encubra
os
gritos surdos e seus vãos sonoros
do
mundo e após, que a mansidão descubra.
Na
simbiose que a paixão proclama,
harmonizado
na irmanada essência,
o
par prossegue, a alimentar de si.
Mas
que implacável, esse tempo-chama!
Ah,
sobre as cinzas do jardim vivência,
o
par secou, findou, morreu de si.
De Uberlândia, MG:
Buriti
Título: Bicho Leitor
“o
bicho alfabeto
tem vinte e três patas
ou quase
por onde ele passa
nascem palavras
e frases
com frases
se fazem asas
palavras
o vento leve
o bicho alfabeto
passa
fica o que não se escreve”
(Paulo
Leminski)
o
bicho leitor
(predador natural do
bicho alfabeto)
vive faminto
de palavras
e frases
com os mil olhos
da gula
traça
tudo que é letra
palavras e frases
o bicho leitor
devora
mas lá estão
todas elas
no ventre do bicho alfabeto
Tema:
Suicídio
De Florianópolis, SC:
Morena do Espelho
Título: o voo
é
com fórceps
que
nasço o sol
de
todo dia
sobre
as costas
a
abóboda do mundo
os
pés sangrando
...
trafego
com as mãos
e
os joelhos esfolados
tantos
foram
os
tombos que levei
(alguns
por descuido
outros
por maldade)
...
dentro
do oco da balança
tento
equilibrar a existência
:
ser
pesa mais do que não ser
busco
conforto
na
tela da memória
confronto
fronts
travo
batalhas inimagináveis
entre
o que fui e o que sou
:
o
viço e a nulidade
...
meus
olhos apáticos
pousam
no balanço
que
vovô instalou
na
goiabeira
sim...
o balanço...
nele
a criança que fui
sonhava
que podia voar
...
o
balanço
:
resquício
da infância
ao
lado dele amarro a corda
:
o
corpo ficará pendurado
e
eu
–
finalmente –
virarei
passarinho
De Aracaju, SE: Kay
Título: Último voo
Quando
eu pousar nesta flor
E
nela encontrar pétalas murchas,
Vou
cortar as minhas asas
Quando
eu neste galho pousar
E
nele encontrar apenas folhas secas
Vou
cortar as minhas asas
Quando
eu pousar em mim
E
não encontrar as minhas asas...
É
por que já não pude voar,
Mas
esqueci de me avisar que acabei.
De Santos, SP: Natasha
F.
Título: Dois coelhos
a
poesia, por um fio,
desequilibra
e cai
no
riso do fim.
poeta,
não chores
o
estar ainda é manco
o
amor se despe(de) do branco
o
passar caminha manso
poeta,
não chores
tua
pena, a mão não cobre
teu
clamar, a água não engole
tua
vida: a vida não morre.
poeta,
não chores
qual
gato de apartamento,
fugitivo
querente de liberdade,
a
poesia – esguia, mia
já
sabes: salta em tom de “aguarde”
poeta,
não
-
tropeça a mão na gravata, soluça o nó na garganta.
basta
vento, corte ou sorte.
acasos
no mirante
vidrados
no norte:
tempo
distante,
esvai
com sangue.
Do Rio de Janeiro, RJ:
Anderson Council
Título: Suicídio
surpreender
todo mundo
sair
do fundo do poço
com
a corda no pescoço
De São José do Rio
Preto: Donnie Darko
Título: Aos dezoito
Escrevo
porque não sei dançar.
Mamãe
me disse que é preciso
arrumar
emprego & namorada
— e nunca foi tão difícil
fazer
a barba sem cortar
os
pulsos.
Quando
nasci, confesso
:
não veio anjo algum.
Desde
então os invento...
Contra
o tédio desde 1996.
Paro
ainda mais uma vez à porta da tabacaria
onde
a cruz estrangeira guarda a morte.
Não
tenho aonde ir. É tarde
e
amigo algum me abriria a porta.
Meus
amigos são fabulosos!
A
alguns escrevo cartas
que
demoram a chegar,
ou
se extraviam. A outros
contos
eróticos
que
nunca lerão.
Ainda
ontem lia um poema perigoso
num
clube patético,
e
me chamavam O Inflamável,
e
bebiam em meu nome
— eis minha glória!
Ontem
também encontrado morto
(nove
facadas, o pescoço
cortado)
um selvagem qualquer
aqui
da Rua Pau Brasil. Virgens
em
pânico!
Eu
queria pra mim o pudor dos comedidos
e
seus movimentos precisos e simulados.
Mas
dividiram meu peito em castas
e
povoaram... Estou exposto & estúpido.
Que
triste revisar as coisas
de
ontem, agendar as coisas
de
amanhã. Por ora: (1) alimentar
o
cão, (2) trancar as portas, (3)
dormir...
O céu é logo depois
do
abyyyyyyyysmo…
De Brasília, DF: Maria
Lis
Título: à francesa
fecho a janela
aos
quinze andares de remorso
{tempo
demais para pensar no corpo
que
se espatifa sobre o asfalto
no
parapeito, enfileirados
brancos
comprimidos
sem cheiro
—
formigas perfiladas, dúzia
de
causas e (e)feitos
colaterais
:
choro, vômito, frêmito
arrependimento
(esse
voltar ao vício de sobremorrer
a
conta-gotas
na
lata idosa sob o tanque [em stand by
a
cicuta líquida dos ratos em oferta
:
um trago sem gelo; um rio de entranhas
caudalosas,
pasta ácida
flácida,
que reduz à metade a moeda
de
Caronte
{meia
paga/meia travessia — e o Estige é fundo}
mas
é o falo de metal francês da Laguiole
afiada
que não hesita e entalha [nos pulsos tatuados
o
mapa de Paris
das
veias acalmadas
um
Sena vermelho-expressionista
jorra
De Porto Alegre, RS:
Valente
Título: Suicídio
Coletivo
noite
invernal
paredes
escuras
cheiro
de fumaça
chove
sobre a cadeira
trapos
úmidos arrepiam
a esperança de calor
nos
olhos lacrimosos
a
fome insinua revolta
a
mãe magra de afetos
reparte
o pão
furtado
na padaria
visceralmente
alimenta
um verbo
sem
carne sem cor
sem
nome
veio
vazio
vazante
que emudece
a cada gole
De Vinhedo, SP: João
Gilda
Título: É terna
“Caiu ali
entre a nódoa e o trigal
sob o céu vermelho anil”
A
última carta
(Navalha
entre as coxas)
Ai
de mim que vou morrer um pouco
Só
hoje tenho um seio em promoção
Deixo
o outro para Chico
Me
ninar pra lá de Holanda
Vazio
entre os dentes
E
a hora chegando, ando, ecos on the rocks
Há
alguém aí? É bonito meu vestido? Só hoje?!
-
risos-
Ainda
resta um papelote
Cheire,
acabei de escrever
Fome,
aflita, Gogh, chita
Que
nunca soube ser metáfora
Danço
eterna enquanto soul
Agora
mais nada, preciso morrer-me
Olhe,
me encontre depois
Estarei
quase tão perto
Pincelando
outro trigal
“Partiu com serventia
Encheu-se o bico do corvo”
De Ipatinga, MG: Tatu
Triste
Título: As
intermitências da morte
Desde
a mocidade
consome-se
em tormentos...
Carrega
nas faces soturnas
as
misérias humanas.
Em
profunda agonia
prepara
o ritual macabro
para
abreviar a maldita sina.
A
carta de adeus sobre o leito,
a
rigidez do braço erguido
e
a marchinha de carnaval na rua
desvia
o ouvido da arma.
Segue
a folia e se esconde da bala
entre
as belas pernas da porta-bandeira.
O
amor cadencia, abre caminhos...
Todo
ano sacrifica um carrasco
que
habita em seu peito de morte.
Com
as cordas arrasta os sonhos
e
as urgências dos dias insanos.
No
impulso do golpe sangrento,
a
rosa vermelha a desabrochar
desvia
o olhar do sinistro.
Poda
os desencantos com o punhal
e
vê um novo amor florir.
Quando
leva à boca a taça amarga,
mãos
amigas acolhem as dores.
Derramam
o veneno sobre os ratos
roedores
de sua esperança.
Outra
noite tenebrosa!
No
momento do salto, recua.
É
salvo por um anjo de sorriso aberto
com
dentes de janelinhas.
Esconde
as cartas de adeus
e
fecha a janela do desespero.
Ainda
ostenta a ideia fixa
nas
paredes da mente angustiada.
Espia
o mundo por entre
os
dedos tesos da tristeza.
Melancolia
crônica não provoca
infarto
fulminante.
Por
fim,
haverá
de envelhecer
em
lamentos intermitentes
e
morrer de falência múltipla
dos
elos com a vida.
De São Paulo, SP:
Heccos
Título: A marca da
sereia
(Extraído
a seco, sem dó, do Conto: O Senador e a Sereia, de Tomasi di Lampeduza)
o
rio estava preto, gordo
o
céu oleoso, escurecido
nuvens
brancas cravando o negro
espremidas
entre as duas margens
“a
beleza” – dizia, o olhar
ardendo
à luz de estátuas gregas
só
visíveis à sua retina
olhava
os corpos jovens, belos
para
ele: “doentes esquálidos”
no
futuro que antecipava
sentia
já o fedor das carcaças
(era
Saturno encobrindo Eros)
para
ele só o passado
abranda
um pouco o perfume
que
emana da mortalidade
“certa
vez, pela costa selvagem”
revelou
– “o coração de um jovem
foi
pelo amor apaixonado
inventando
joias ao sol
sobre
o dorso bruto do mar
declamava
versos líricos
para
a indiferença das águas”
até
o dia “o maior dos dias
uma
espuma branca sorria
um
sorriso de sal amável”
foi
um perfume encantatório
as
palavras – as mais comuns
a
ele apenas o acesso se abria
gozou
as mais altas volúpias
confessou
até doces delitos
em
dias claros e noites úmbrias
“a
mais delicada alegria
com
o violento ardor do cio
de
presente me deu sua morte
morte
lasciva e angelical”
foram
as últimas palavras
saltou
no rio oleoso
com
um sorriso de esfinge
fechando-se
no escuro
De Conceição do Mato
Dentro, MG: Neneco de Bintim
Título: Queda
Calcar
na rocha a rubrica da dor
tatuar
no sangue espesso
cristalizar
signos
da
cruz de todo o dia.
Pictografar
a pele
na
tortura do voo revés
desguarnecido
das asas
com
que sonhei-me anjo
ou
pássaro...
Tanto
mais a vida me reflui
mais
me infinito em paradoxos.
Assimilo-me
às pedras e perdas
faço-me
montanhas. Túmulos...
No
desamparo da queda
apeado
de asas
em
múltiplas âncoras
álibis
ou habeas-corpus tão inúteis.
O
voo se desata no chão.
De Porto Alegre, RS:
Andrea Stoppa
Título: Canção da
Colona Triste
Sou
uma casa caiada
que
já ninguém mais habita.
Sou
uma caixa vazia
toda
enfeitada de fita.
Dentro
de mim mora um anjo
de
asas despedaçadas.
Dentro
de mim mora um cristo
que
já não crê em mais nada.
Um
dia eu fui desejada -
bem
menos que desejei.
Um
dia eu soube do mundo -
bem
mais do que hoje eu sei.
Olho
essas mãos sem coragem
e
não me apetece o arado.
Olho
esses pés sem vontade
e
não me esquece o passado.
Ouro,
terra, amor e rosas -
nada
disso me valeu.
Ouro,
terra, amor e rosas -
nada
minha vida preencheu.
Tive
em mim tantas lembranças -
hoje
só quero esquecer.
Tive
em mim tanta esperança -
hoje
eu queria não ser.
De
que me servem pulmões?
Sou
uma tumba enfeitada.
De
que me servem ilusões?
Sou
uma choça caiada.
De Curitiba, PR: Perez
Título:
Pergunta Fundamental da Filosofia (um devaneio no universo de Albert Camus)
Divórcio
entre si mesma e sua árdua vida,
Um
abismo gélido de contrapontos existenciais!
Todos
os dias ao acordar perguntava:
“A
vida vale ou não vale a pena ser vivida?”
Até
ontem a resposta era “sim”.
Hoje,
o “não” que respondeu mentalmente fez-lhe agir sem hesitar!
Atuou
na vida tragicômica em “persona” niilista e rebelde,
Saiu
de cena em último feito – drama sem lágrimas – sangue.
Sem
Deus ou ideologias, encontrou resposta no absurdo de Camus,
Hoje,
em sua liberdade, escolheu encerrar o teatro insano!
De Vancouver, Canadá:
Carla Soares
Título: Suicídio
Eu
queria escrever um poema sobre a queda
quando
me dei conta de que não mais queria
impedir
os olhos ou me perder de mim mesma.
A
caneta é forte, mas o corpo pedia suicídio.
O
fim escrito e pré-anunciado na letra da carta.
No
dia em que aconteceu, eu estava tão certa
que
queria ouvir a morte conversando, sussurrando
palavras,
enviando comandos dentro de mim, que desisti.
Cansada,
encostei a cabeça contra a parede, e venci.
O
medo do despedaçar das palavras, das metáforas em partes,
me
tirou o chão dos verbos, que outrora pulsava nas frases.
Fechei
meus olhos e esperei até o amanhecer.
Guardei
o poema para nunca me esquecer dos gritos.
Do Rio de Janeiro, RJ:
Alice Condor
Título: Corte
Essa
pele que habito
é em mim asa, cor, grito.
É em mim a possibilidade fenda,
Fontana rasgando os olhos e o mito,
rasgando o corpo sem órgãos,
orgânico rito.
A pele habitada me desabita,
me converte em ausência,
recusa visita.
Vestindo um hábito vestido
ela me encara,
e aqui o preço: o olho da cara.
Desabitada a pele a carne insiste.
é em mim asa, cor, grito.
É em mim a possibilidade fenda,
Fontana rasgando os olhos e o mito,
rasgando o corpo sem órgãos,
orgânico rito.
A pele habitada me desabita,
me converte em ausência,
recusa visita.
Vestindo um hábito vestido
ela me encara,
e aqui o preço: o olho da cara.
Desabitada a pele a carne insiste.
Faz-se
vida toda músculo,
falta o toque,
o choque,
goteja sangue, mas resiste.
Porém o hábito da pele
à carne falta,
e desse desabito,
desacostumada carne,
vê-se a dobra da ferida regenerar-se em pauta,
vê-se a cobrir retorcida a carne farta,
um sangue úmido,
ralo,
e nenhuma carta.
falta o toque,
o choque,
goteja sangue, mas resiste.
Porém o hábito da pele
à carne falta,
e desse desabito,
desacostumada carne,
vê-se a dobra da ferida regenerar-se em pauta,
vê-se a cobrir retorcida a carne farta,
um sangue úmido,
ralo,
e nenhuma carta.
De Goiânia, GO: Flor de
Lisbela
Título: Na neblina
Escuto
as ondas
do
mar
Sinto
o cheiro
do relento
busco as
linhas da vida
um caminho
feito
pelo
vento
Vejo
u m a l u
z
v e r d e
s e
d i
s
p e
r
s
a n
d o
n a
n e
b l
i n
a
Ela sinaliza um penhasco
um jovem
se
desatina
o homem
busca o mar
águas geladas
o abraçam
Rodeiam-no
velozmente
engolem
sua
alma
Ele está ensanguentado
seu coração
machucado
sua alma foi traída
foi-se
sua
medíocre
vida.
TEMA:
CASA
De Brasília, DF:
Urbanoide Cáustico
Título: Palafitas
Sonhos
plantados
na
lama
(paisagem
de
aranhas
paralisadas)
–
as sementes
pecas.
A
lama
fecunda
a
miséria
ancestral,
gera
a
memória
de
si,
por
sobre.
No
ventre
do
infortúnio
pulsa
a
realidade
pútrida.
Leveza
há,
nas
formas
e
nos sonhos.
Tudo
que
é leve
se
dissolve
na
lama.
De Cachoeiras de
Macacu, RJ: Anne Sexton
Título: Velha Casa
melros
na varanda
violetas
resmungos
Aruçu
sentado
latidos
a espera
no
portão
e
o cheiro de feijão
por
trás daquela porta
trancada.
De Jundiaí, SP: José
Matsushita
Título: A casa que
habito
A
casa que habito
não
tem lembranças nos ladrilhos
não
tem porta presente
porão
de passado
janela
para o futuro
Na
casa que habito
as
notícias não passam da soleira
com
o irônico capacho de bem-vindo
–
todos pisam na hospitalidade
e
beijam a porta na cara –
as
‘novidades’ amarelam do lado de fora
e
são abandonadas em soleiras alheias
que
o mundo insiste em enganar
com
tragédias velhas
repetidas
à exaustão
Na
casa que habito
ouço
o sussurro das tábuas
o
gemer dos pregos
nada
é concreto
tudo
é devaneio
acredito
em papais noéis
só
não tenho chaminés
Na
sala há uma cadeira de balanço
que
só vai e nunca volta
No
quarto, uma cama de casal solteira
com
uma mancha de arrependimento no lençol
Na
cozinha, o relógio está sempre faminto
com
os ponteiros devorando as madrugadas
e
regurgitando escuridões nas horas de luz
A
torneira da pia do banheiro
goteja
solidões
a
banheira é colo
o
corpo nu fetal
o
eco dos azulejos embaçados
e
o choro primordial
de
um parto sem útero
A
casa que habito
não
está em rua alguma
encontra-se
em um eu desconhecido
na
alameda dos ausentes,
sem
número.
De Atibaia, SP:
Sub-Versivo
Título: Poesia em
movimento sem teto
Fundo
em veios abertos
alicerces
que sustentam a leveza de não-ser,
Vergalhões
e estruturas metálicas são ossos
que
deixam a mostra apenas a moldura,
desnuda
de carne, envolvida por argamassa e rejunte.
Pela
porta de entrada
passam
pedreiros apressados,
em
movimentos peristálticos caminham rumo ao reto.
Todo
ralo é um cu ao avesso.
Suspiro. Alvéolos de alvenaria inflam.
Pouca telha me cobre a cabeça,
moinho de vento.
Escolhi
não permanecer patrimônio histórico:
-
Nasço, racho e desmorono!
deus
da moeda local se vale de mim, especula o meu valor,
humano-imobiliário,
enquanto sem tetos se
abrigam
no meu coração,
Pois
o homem concreto não veio do barro,
é
a casa de pau-a-pique que esconde a revolução.
De São Paulo, SP:
Antônio Pina
Título: angostura
sentada
diante de
fichas
de pôquer
uma
escultura amarela de cera derretida
contra
insetos
(ainda
arde; uma chama acesa)
dois
pratos sujos com restos de batatas
(estavam
muito salgadas)
e
uma cópia amassada da odisseia
do
outro lado da mesa, o garoto prepara drinks com vodkas
e
desvenda o futuro: tudo aconteceu e
ele
sempre soube; o que há é mera
cópia
barata, antiga projeção
deveríamos
ter ficado em casa assistindo a estranhos
encenarem
tamanho espetáculo
os
dias se vão
se
é que alguma vez estiveram mesmo
conosco
à
mesa, continuamos as atividades
pôr
e retirar palavras
pôr
e retirar lençóis
pôr
e retirar arbítrios
o
garoto não separa a madeira
ainda
que seja preciso saber da sua raiz se é
furiosa
ou arredia
as
duas portas se abrem para a mata
moldura
certa
estou de não adentrar esse quadro
sonhei
que recebia de um amigo
uma
caixa com alguns rolos
dentro
havia filmes feitos por andy warhol
em
um deles
andy
estava na praia, acompanhado de uma fauna espetacular
imagine:
uma praia de nova york dos anos 1950
(eu
nunca fui a nova york)
guarda-chuvas
brancos e vermelhos
chapéus
todas
as pessoas estavam de costas para nós
de
frente para o mar
havia
uma profusão de vozes
essas
vozes nunca correspondiam às costas
de
quem estava sendo filmado
esse
amigo também tinha uma amiga que pintava florestas
cada
quadro era uma passagem
para
onde a pessoa
poderia
ir quando quisesse sair do mundo
a
minha floresta era muito clara
em
tons de rosa e verde claro
um
rio curto, uma tripa de rio
e
uma montanha que, sabia-se, além dela
havia
mar.
o
despertador tocou.
existem
deuses e eles pairam
De Nova Friburgo, RJ:
André P.
Título: casarão
as
cortinas desbotadas
feito
quadros abstratos
a
sala penumbravam
nos
absurdos sóis dos janeiros
as
paredes descascadas
sustentando
fotografias de ontem
o
vermelhão batizava pés de quem
não
seguisse as avenidas de jornais
o
assoalho gemia
as
janelas de tão grande: ‘quaseportas’
urinol
embaixo da cama com seu pálio
e
a poeira assentando memórias
varanda
de domingos
um
quintal de infâncias
um
de lenha pros alimentos
um
porão cheiro dos túmulos
as
cortinas desbotadas
aventando
na sala
e
a dona de tudo isso
viúva
cotovelos
na janela
envelhecendo
feito
ferrugem nos portões...
De Petrópolis, RJ: Le
Chat Rouge
Título: Contraendereço
Não
há nada a fazer.
Você
coloca o chapéu, apaga a luz do quarto
e
senta no escuro. Mas isso não resolve.
A
solução é um homem em pé atrás da porta.
Mas
a loja de material de construção
ainda
não entregou
a
sua porta.
Vamos
encomendar uns salgados.
Tirar
o chapéu.
Acender
a luz e sentar no claro.
(Tua
sala eternamente de espera.)
Então
levantar, colocar o chapéu, apagar a luz e sentar no escuro.
Mais
uma vez.
Como
se fôssemos astros vagando em torno
de
qualquer incerteza a que chamam de
estrela.
Como
se fôssemos crianças em véspera de
consultas
médicas, natais, aniversários, viagens ou
tempestades.
Luvas
vazias são tristes.
Sapatos
empoeirados nem indicam o caminho
nem
renovam a promessa.
Quando
penso na solidão imagino
um
saco cheio, furado,
esvaziando
até se curvar sobre si mesmo
e
tombar para frente.
Imagino
que a solidão é um homem atrás da porta.
Mas
a loja de material de construção
ainda
não entregou
a
sua porta.
De Americana, SP:
Onaira
Título: Rua das
Quimeras, Sem Número
Aquele
terreno baldio
lá
no fim da Rua das Quimeras
era
como um menor (abandonado) solto no mundo:
flanava
ao léu
pelos
ventos das incertezas.
Era
todo cercado
pelas
ervas daninhas das desilusões
e
pelos destroços da calamidade humana:
sobra
excessiva de areia nos olhos,
caliça
de pensamentos desmoronados,
fragmentos
de vidas demolidas.
Quando
viu aquele terreno
lá
no fim da Rua das Quimeras, sem número,
a
minha visão poética logo foi me dizendo:
–
esse é o seu número!
Rapidinho
eu concordei... E o adotei!
Capinei
e desentulhei!
Passei
o rastelo nos cacos de histórias tristes fenecidas
e
também a enxada e a foice
naquelas
ervas daninhas
que
cegaram os brilhos
dos
que já foram um dia olhares saltitantes.
E
os pedacinhos de tijolos que restaram
das
aspirações ainda ilesas?
Ah!
Cada um deles, cuidadosamente,
aconcheguei
nas palmas da minhas mãos
e,
com a argamassa dos meus quereres pueris,
ali
mesmo levantei as paredes
do
endereço das minhas alegrias.
Agora,
naquele terreno (não mais baldio)
lá
no fim da Rua das Quimeras,
reside
um coração feliz;
bem
ali na bucólica casa dos meus sonhos.
Pode
entrar e ficar à vontade,
só
não pode mais jogar entulho!
De Brasília, DF:
Palavra Grávida
Título: Ladainha da
falência
Cem mil reais,
ô Madalena,
é quase nada.
Tremenda ofensa.
Foi tudo aqui: o amém e o não.
Ninguém compra uma história assim,
mulher. Tá ouvindo?
Cê quer deixar as paredes tristes?
Foi tudo aqui, de improviso:
o nascimento da Gertrude,
a doença do Guinelo,
nosso abandono que durou três dias.
Sangrei à toa, de sol a sal?
Foi tudo em vão?
Inda tem abacate no pé,
a cama cheirando a mofo,
o chumbo que Ivan Levou,
o chinelo que o Saci roeu...
Quem vai morar com o mesmo amor, a mesma ira?
Esta casa vale infinito, ô Madalena.
Ninguém sabe se amar aqui
qual miserável estabanado frente ao prato.
A nossa cama não canta direito noutro endereço.
O trincado miúdo da viga,
a caixa de esgoto, que só eu desentupo,
a sarna do galinheiro, e os ovos de cada dia.
Isso é nosso. É da família.
E a serenata das 15 horas?
Chovia fino no violão. Eu tava rouco.
A TV em cores chegando da loja.
Era dia de Miss Brasil. Tá lembrada?
Minha alma não está à venda,
Madá querida,
nem por fortuna de arco-íris.
Só sei viver aqui, entende?
E sinto: a morte tá me acenando.
Seu pranto há de cair bem lento,
pra eu ficar germinando, eterno.
É mau negócio sair do céu!
Dê outro jeito.
Neste cafofo, o nós dá certo.
Do Rio de Janeiro, RJ:
Henry James
Título: Ode à casa
o
garfo deseja a colher
na
cozinha
a
escumadeira lamenta
uma
ausência no escorredor
a
louça a conforta:
o
amor tem vieses
que
ele próprio desconhece
mas
no quarto
a
traição
a
cama desarrumada
a
escumadeira no banheiro
sufoca
o pesar que machuca
fios
sangue
no
lavabo
em
frente ao espelho
na
sala de estar
a
adega
a
poltrona
as
taças
tudo
vazio
frente
à solidão
ninguém
mais ali
apenas
a casa
a
pia
de
onde escorre
a
água que não lava cicatrizes
De Pelotas, RS: Dani Mo.
Título: azul turquesa
tudo
continuava ali
as
paredes manchadas
o
pedaço de reboco
que
caiu na entrada do corredor
as
fotografias amareladas
os
mesmos quadros
a
garagem ainda alugada
para
uma oficina de bicicletas
os
quartos interligados
por
portas que chegavam ao teto
o
poço artesiano coberto
por
uma espessa camada de concreto
tudo
continuava ali
as
janelas que davam pra rua
o
fogão que alimentava a cozinha
o
rádio que a escutava
a
cama onde sonhava
e
o quintal que iluminara os seus dias
quando
resolveu partir
De Recife, PE: Januário
Sertão
Título: Uma retina
lembrança
O
dia fluía numa alga solta e perdida
sob
as ondas do mar.
E
toda aquela existência salobre dos arrecifes
brilhava
nas
retinas,
a
lembrança
de
um vaso e sua flor
esquecidas
no
fundo do jardim
de
uma
casa
solitária.
O
teto insustentável
espirrava
sua
poeira marginal,
um
flamejar de ar dormia sob
a
mesa
Uma
gata no seu tom matinal
corre
atrás do rato
renegado
do submundo.
A
prole felina dormia
na
caixa travestida
em
veludo
O
silêncio da estrada, das árvores,
do
chão o vento.
Um
sussurro pensamento
Olhos
em solidão
Como
o primeiro raio de sol à mesa
uma
criança abandonada,
teima
ter forças
para
queimar seu coração petrificado.
Não
podendo ver mais, respirar mais,
sentir
mais.
Como
uma rocha que fizera do ar,
o
seu relicário.
Estremecera
na última fração de moléculas
e
cristais imaculados
que
subiram as escadas telhas
no
âmbar
da
retina lembrança
num
vaso rachado
e
sua flores
cerejeiras
no
fundo do jardim
enervada
de cupim
daquela
velha casa realeza.
II
Velho
ranger sob as telhas
que
calham quando a chuva cai
num
copo d’água
quebrado
sob a mesa
Uma
gata no seu tom matinal
corre
atrás do rato
renegado
do submundo
a
pulga que pula de rabo em rabo
a
poeira marginal dormindo no estofado
o
vaso e sua flor morta
esquecidas
no
fundo do jardim de uma
casa
solitária
tuberculosa
respira
e transpira
lágrimas
mal cheirosas
de
um véu desbotado
sem
receita
Eis
a casa que se sustenta
camusiana
um
céu rosa no entardecer
de
um quarto embevecido
pelas
flores mortas
roubadas
de um jardim emudecido
Só
me restaram essas portas
sem
trincos abrigos
nem
uma alma-inimigo
a
vida que percorre
na
madeira
desenha
meu destino.
De Porto Alegre, RS:
Cassiopeia
Título: A Casa
Madeira
Zinco
Concreto
Telhas
Paredes
e mobílias
Portas
que se aaabrrremmm
( )
Portas
que se fecham
.
Janelas
para rua
Janelas
para o nada
Janelas
para outras janelas
[ ][ ]
Mesas
Cadeiras
Cachorros
dormindo
Miau
de gato
Chão
e teto
Intervalos
também
;
Toctoc
dos sapatos
Sonoridade
de beijos
Tapas,
abraços
Gente
Gentes
,
Isso
também
Também
...
Árvores,
estrelas
Chuva,
amendoeiras
Cheiro
de mar
A
estação entre as estações
Frio
Bolo
de fubá
Violão
Pedra
Montanha
Verde
E
estrela
Azul,
azul, azul
Mais
azul
Nada
de paredes
Nada
de tetos
Muito
além
Todo,
todo, todo
O
universo
E
também esse corpo
Que
habita essa alma.
De Cabo Frio, RJ: Dersu
Uzala
Título: da casa.
encolhia
no sofá pelo frio e aconchego das cobertas
conforto
da alma no quarto improvisado
poucos
móveis tínhamos
poucos
motivos para uma alegria absurda
construída de quase nada
fechava
os olhos e abria -se a viagem
para
todas as direções
passavam
serras
rios
florestas
cidades
tudo
cabia na bagagem
as
vozes distantes
o
vulto apagado do pai na mesa de jantar
com
o velho hábito da farinha engrossando o feijão
a
laranja com casca cortada em gomos.
a
santa acendia - se imóvel
fervia
a noite apertada
o
sofá transformado em cama
a
sala em quarto
a
felicidade não tinha vergonha do pouco espaço.
da
casa.
nota:
o poema pode ser lido verso a verso na ordem invertida, a critério do leitor.
De João Pessoa, PB:
Justine Montecchio
Título: Palavra de
Pandora
Aqui,
nessa casa de lobotomias,
há
um olho que anda
Pernas
de anjos terríveis, uma mulher vestida
com
o sol de Dalí
Boneca
suspensa numa caixa de mescalina
Soluçante,
aranhiça
tecendo
casulo, cataclismo de seda,
azul
Palavra,
avança
Sutil
floco, embora foice
Pandora
parindo
Beleza,
horror.
De Salvador, BA:
Augusto da Maia
Título: Em casa
cada
dia se dizia menos
o
silêncio foi comendo toda palavra
até
que não sobrou mais nada
mesa
vazia, afeto desfeito
sem
tato, sob o mesmo teto
alegria
desbotando no porta retratos
estante
escorada na parede
tv
dizendo o que ninguém mais escutava
aquela
ferida aberta no meio da casa
como
um buraco negro
uma
vala q aberta no meio da sala
cabia
qualquer palavra
-
boa noite pai.
não havia mais nada
De Pavia, Itália:
Longobardo
Título: A casa no oásis
Há
um oásis no grande deserto
que
abriga desde mil anos
quem
se rebelou
por
que não queria patrão.
No
oásis, um grande jardim
com
tâmaras, laranjas, romãs.
Perfume
de jasmim
e
sepulcros milenários.
Túmulos
todos iguais
sem
marcas a distinguir,
apenas
um pedaço de barro
sem
nome, para lembrança.
A
água jorrando da rocha,
gelada
no brilho ofuscante,
entre
touceiras de capim,
molhando
uma mangueira.
Lá
vamos voltar um dia,
encontraremos
velhos amigos,
chegando
para um compromisso
esperado,
há muito tempo.
Será
como voltar para a casa
na
sombra do pátio mourisco,
entre
o aroma de coentro
e
de chá de hortelã.
A
noite no terraço
na
fresca vaga do ar,
entre
gritos de ratinhos
e
gatos caçando sombras.
Lá
irá cobrir-nos a asa
do
enorme mocho
deslizando
pra buscar presas
no
luar macio.
De Varre-Sai, RJ:
Marcopolo
Título: Manual de
pátina e liquens perolados
I
Árvore,
ninho, gruta, oca, palafita, pau-a-pique,
barco,
plataforma, calçada, chão. Mar, dos absolutos que navegam. E mergulham.
Caçadores de ostras. Escamosos.
Intestinos:
ágora dos vermes.
Cova,
a derradeira inescapável: ponto, sem interrogações. Por quê? Por quê? Não
haverá respostas, desista, é drama básico, não banalize a tragédia com
perguntas vãs.
Conheci
um que morava num buraco de barranco, escavado a mão, unhas sujas. Manias de
lanternas, de acumular entulhos e livros. Biblioteca, habitação de delírios.
Alvenaria,
condomínio, prédio, estâncias mais felizes, onde vendamos os olhos, que se foda
o externo. Casas de preconceitos: me defendo e nego.
Casulo,
dos que se transformam em avatares. Barriga das fêmeas, a força da esperança. O
futuro: ovo.
II
Peito:
aconchego
(nas
noites de chuva, datilografia das gotas no telhado. Aurora, onde mora o sol,
lençóis, lençóis onde me espalho, cobertores, seus cabelos).
Meu
olho, onde você mora. Memória! Memória!
Aqui,
residem todos os nomes, cheiros, sabores, tatos, suas pernas, o arrepio, sim,
aquela luz azulada dos vitrais, seu corpo nu sob as canções que vinham de um
bar ao lado, quando enlouqueci.
A
ferida, que você cuidou, seus dedos com mertiolate. Agradeço.
Tédio,
que não insisto em residir. Ah as estrelas, clichês, mas não parecem
fogueirinhas? Um tempo me aqueceram, quando não tive dinheiro para o aluguel,
me expulsaram.
A
minha preferida: Betelgeuse. Foi a que realmente fez a diferença.
Morei
(de forma transversa) nos rastros de um ódio, da vingança, que nunca cumpri,
raiva, desprezo, tantos lares de tijolos expostos (o verniz fendido),
insustentáveis, suspensos. Dor.
Ar.
Nuvens. Liberdade. Voando sobre telhados, sobre a cidade. Fiz viagens. Dias e
dias. A Terra. A Via Láctea. Laniakea. O Cosmo. Todos, absolutamente todos, que
me acolhem. E ajuntam, e colam, e me confortam.
A
casa é algo que se apruma, se eleva e se suspende.
Corpo:
o lar em que habito.
De Riachão do Jacuípe,
BA: Vaqueiro das Nuvens
Título: A casa que
habito
Habito
uma casa que não conheço
E
que me abriga sem saber
Perdido
atravesso a ermo
Os
amplos mares do ser
Sendo
navegante
Inquilino
deste mar vagante
Aplaco
a sede dos dias
Num
labirinto de espelhos
Semeio dos
meus artelhos
A
seca fome das feras
Habito
uma casa que não conheço
E
que por força do hábito me abriga
De Caxias, MA: Carvalho
Jr.
Título: Abrigos
lá
onde desdormem as borboletas hematófagas,
no
buraco da fechadura dum castelo de marimbondos,
no
sétimo sonho do menino sonâmbulo,
nos
zigue-zagues das sombras das asas das libélulas,
na
chúvida versilínea polissemia das nuvens,
na
luz de lamparina dos lábios do relâmpago,
nos
becos dos bicos de cores da boca do arco-íris,
nos
cúrvidos assobios dos ventos,
no
rastro do rabo de uma estrela cadente,
no
piercing da orelha do livro em construção,
na
oca do olho do coração do homem,
na
casca do ovo e do coco dum santo do pau oco,
nos
cândidos caminhos do umbigo da lua,
nas
saliências das pernas de meu amor...
em
todos esses lugares eu moro, desmoro,
corro,
namoro, choro, morro e desmorono...
minha
casa é uma louca varrida de bagunça
que
vive em eterna mudança...
como
não uso mais pedra que não seja poética,
estou
dividindo apartamento com um joão-de-barro.
Do Rio de Janeiro, RJ:
Taurus
Título: A velha casa
Repousa
a velha casa abandonada
Sob
a brisa e seu tímido lamento.
Ali,
a vida e a morte, de mãos dadas
Vagueiam,
com seu passo solene e lento.
Dormindo
quieta sob o sol de outono
Em
meio a musgo e desmaiadas flores
A
casa, no seu derradeiro sono,
Sonha
um passado de alegria e dores.
Deixem
a velha casa!... É assim
Que
as ilusões devem chegar ao fim:
Embaladas
na lembrança e seus traços.
Não
a sepultem como a um triste morto!
Seja
o tempo, inexorável e absorto,
O
algoz final, em seus morosos passos.
De Crato, CE: André Anlub
Título: Casa
"O
importante não é a casa onde moramos.
Mas
onde, em nós, a casa mora."
-
Mia Couto
Às
vezes constroem-se imponentes casas de madeira,
Às
vezes impotentes castelos de areia.
Falando
em outras épocas:
Não
houve regras nem mesmices,
Nem
de outros, quaisquer palpites,
Nunca
deixei; (fui menino traquinas).
Até
hoje em dia quando me apontam o dedo,
Aponto
um lápis.
Na
puerícia fui um príncipe - fui plebeu,
Fui
o princípio das brincadeiras – fui o fim, pois também fui o rei.
Por
essa razão ou outra, talvez,
Não
existe agora, nesse tempo,
De
um insatisfeito, nem um ínfimo resquício.
Vivia
o hospício bem-vindo de um artista,
Vivia
o “agora” sem a vil bola fora,
Que
condiz com qualquer aprendiz.
Na
parede da minha casa,
Descascada,
carcomida,
Em
linhas frenéticas de giz,
Comecei
os primários esboços:
Linhas
traçadas nas paredes
Do
sóbrio Pollock de um metro e trinta.
O
piso era velho, de taco,
E
no meu quarto o desenho de um tabuleiro de xadrez.
Em
frente à casa uma mangueira,
E
uma mangueira para regar e tomar meu banho.
Um
balanço sobre a roseira e os belos girassóis de Van Gogh...
Mas
isso só em sonho.
Fui
feliz naquela casa e nas outras que surgiram,
Pus
meu toque ao adornar, pus a música e trouxe amigos.
Deixei
o pássaro cantar, o verde crescer e o cachorro latir,
Deixei
o chinelo sujo de barro na porta
E
guardei a lembrança da minha mãe sorrindo.
13 comentários:
Tá parecendo Copa do Mundo...rsrs :P
Palavra Grávida, João Gilda, Anne e Maria Lis, pertencem ao mundo paralelo nesta edição. Já identifico meu estilo preferido e tais personalidades poéticas. São de primeira grandeza para meu gosto. Todos estão de parabéns!
Lucy Couto, muito obrigada!
Maria Lis
Bom dia, pessoal! UAU... Nem sei o que escrever rs! *****Lindos trabalhos. Lucy, agradeço muito o carinho.
João Gilda
Lucy,
Muito obrigada por suas palavras e considerações! Ganhei o dia!!!
Gde Abraço
Anne Sexton
Nossa, vamos lá. Trigal com corvos (Campo de Trigo com corvos) é para mim a obra mais fantástica de Van Gogh. Me deixa em transe desde criança. João Gilda, sem palavras. Que vontade de arrancar dos versos tua personagem e salvá-la. O quão longe vc foi, meu camarada. Nota 10.
Ah Jesus Poeta, agradeço as palavras do fundo do coração. Trigal com corvos é realmente uma obra dentro de muitas, muitas. Cada vez a olho de um jeito e descubro novos corvos.
João Gilda
Saudações poéticas
Tudo aqui faz sentido. Encontro de águas antigas e novas.
Gostei bastante de: Poesia em movimento sem teto, Palafitas,À francesa, Corte, É terna, As intermitências da morte, Dois coelhos e Em casa.
Gostei de Alguns poemas "poesia em movimento sem teto", "suicídio", "confissão". Mas o poema "EM CASA" para mim é mais bem acabado, consciente. É um poema mais pronto. Gostei muito. Muitos estão de parabéns!
obs: espero que nenhum desses poemas que percebi fora do tema que se propuseram, não sejam classificados!
Parabéns a organização, acho que teremos uma safra considerável de bons poemas, uma antologia talvez fosse mais justo que um só prêmio. Mas afinal, isso não importa muito.
Boa tarde,
Fico contente em saber de mais um empreendimento poético neste sítio.
Percebe-se bastante qualidade na leva. Quiçá seja este o certame mais evoluído e concorrido. Não pude ler tudo (ainda), mas do que li, posso destacar 'Aos dezoito' (que, não fosse o "y" excessivo e desnecessário no desfecho seria um poema excelente), 'Simbiose', 'A quatro mãos', e 'Ladainha da falência' (este foi um deleite).
Perdi meu tempo precioso em 'Procuro-te', 'primaveras que andam', 'Muliere', 'Anatomia' (este parecia um tratado sobre o Aurélio), 'casarão', 'Palavras cruzadas' e 'Indignação' (este um acinte à leva).
Aguardo as próximas levas.
Cordialmente,
F.N.V
Bom finzinho de tarde, trupe poética. Reta final para o resultado! Boa sorte para todos, sintam-se abraçados.
Bem vindo FNV,o mito.
FNV, a Lenda! Sem seus comentários esse concurso fica incompleto!
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