Encontrou-o ali mesmo, ao levantar a porta. Primeiro o susto, depois voltou cauteloso, o tamanho realmente intimidava, tentou acorda-lo, mas a voz era tremula e fraca, tentou adotar um tom mais ríspido ao toca-lo de sua porta mas não percebeu nenhuma reação.
Entrou por alguns instantes e voltou com uma vassoura, cutucou-o com a ponta do cabo, primeiro timidamente, depois sacudindo-o com violência, a vassoura pronta para servir-se de arma a qualquer instante. Diante de sua impaciência, finalmente ergueu a cabeça devagar, mas logo tornou a deita-la. Continuou a cutuca-lo incansavelmente até que a cabeça virou-se. O rosto feroz que imaginara, não passava de um par de olhos velhos e pedintes... talvez a carne do dia anterior ou apenas um pouco mais de repouso, a expressão denunciava o corpo já sem força, que mal acordava já tendo de mover-se.
O silencio momentâneo o encoraja a aconchegar-se novamente ao piso , mas logo é outra vez cutucado, com mais energia, enxotando-o em definitivo.
Ignorando a urgência, em sua lentidão de velhice nova, começa a se levantar aos poucos. Ainda lança um ultimo olhar, pedinte de qualquer coisa, apanha o cobertor rasgado, a garrafa vazia e parte em silencio, à procura de mais sossego.
Ele observa-o da porta até que desapareça, olha para os lados, percebe a vassoura nas mãos e poe-se a varrer a calçada, resmunga impropérios, comenta o ocorrido com algum amigo invisível e prossegue seu dia normal.
Entrou por alguns instantes e voltou com uma vassoura, cutucou-o com a ponta do cabo, primeiro timidamente, depois sacudindo-o com violência, a vassoura pronta para servir-se de arma a qualquer instante. Diante de sua impaciência, finalmente ergueu a cabeça devagar, mas logo tornou a deita-la. Continuou a cutuca-lo incansavelmente até que a cabeça virou-se. O rosto feroz que imaginara, não passava de um par de olhos velhos e pedintes... talvez a carne do dia anterior ou apenas um pouco mais de repouso, a expressão denunciava o corpo já sem força, que mal acordava já tendo de mover-se.
O silencio momentâneo o encoraja a aconchegar-se novamente ao piso , mas logo é outra vez cutucado, com mais energia, enxotando-o em definitivo.
Ignorando a urgência, em sua lentidão de velhice nova, começa a se levantar aos poucos. Ainda lança um ultimo olhar, pedinte de qualquer coisa, apanha o cobertor rasgado, a garrafa vazia e parte em silencio, à procura de mais sossego.
Ele observa-o da porta até que desapareça, olha para os lados, percebe a vassoura nas mãos e poe-se a varrer a calçada, resmunga impropérios, comenta o ocorrido com algum amigo invisível e prossegue seu dia normal.
3 comentários:
Muito bom!
Lembrou-me do conto "Uma vela para Dario", no qual o ser humano, tal qual vc abordou em seu contexto, é desprezado. Até a metade do texto pensei que fosse um cachorro...Mas infelizemente é a realidade... O material tomou conta do nosso ser.
Parabéns Mauri!
Mauri, você já leu "Vida e época de Michael K.", de J.M. Coetzee?
Seu texto me trouxe à mente o personagem central desta história, onde o ser humano reduzido a uma caricatura de animal percorre uma vida trilhada por descriminação, humilhações, injustiça, dor, pobreza.
E nós, privilegiados burgueses, nos utilizamos de uma retórica politizada, filosófica, histórica, etc, para no final, utilizarmos a vassoura para enxotar o "cão". Maravilhoso seu texto.
Gosto da realidade tratada assim!
Faz com que pensemos no quão inertes nos tornamos, diante do sofrimento do outro.
Postar um comentário