segunda-feira, 25 de março de 2013

Um palco para o crepúsculo

 
Finalmente o crepúsculo. Esta hora de sombras indecisas que se despedem da luz. Eu me pergunto para que tantas manhãs de claridade se é para o ocaso que sempre nos arrastam as tardes.

Já não escuto o pássaro que canta na janela do meu quarto. Ele se cala com medo de tanta noite. Tudo o que me resta é o presente, esta hora acinzentada. E eu não gosto do cinza. Nem do presente, esse gatuno oportunista, desconcertante. Que deixa intactos os cristais, a prataria, os quadros, o piano de cauda. E carrega os sentidos. E as pessoas. Quer-nos a todos mortos.

Mas por que estou aqui falando de mim? Como se fosse minha vontade colher dó e lágrimas. Não! Chega de piedade fabricada à esmola! É inútil. Além do mais, não há por que prantear o meu outono se a mim sempre agradaram as folhas amarelas e o vento cometido em rajadas de posse. Agradam-me as rugas do meu rosto que se esvai em anos. Eu as meço apenas em lembranças. Há esplendor plantado nestes sulcos, nestas linhas irregulares.

O que não há é tempo para os detalhes. Vocês aí, nesse teatro semiescuro, mal se concentrando em esperar a minha ida. Querendo a urgência do defunto vivo. Abutres! Criaturas arrogantes que se acreditam diferentes de mim! Pois vou lhes contar um segredo: quando chegar a sua hora, farão exatamente como eu. O mesmo apego ao passado, as mesmas lembranças. O mesmo corpo ainda sentindo desejo. A mesma espera por uma cama quente, por um arrepio, por um sexo que alivie qualquer dor.  Vocês farão exatamente como eu! Vão se agarrar a esse olhar para dentro, para trás, de forma a não verem no relógio do tempo que não há mais tempo.

O que vocês não sabem é como fazer. Ainda. Mas eu posso lhes mostrar como não se entristecer quando a plateia se esvazia. E tentarei fazer das suas almas, como fiz com a minha, um lugar de coxias e cortinas. E lhes direi que o passado é a única certeza que nos deve mover. Porque nele não há mais a ansiedade da mudança. E lhes direi que fujam do presente. Porque a realidade é equívoco.

Enfim, quando os panos de boca subirem pela última vez, eu lhes direi que não se inquietem com o silêncio dos aplausos que se foram. É hora de colher algazarra na memória. É hora de solidão. Nosso melhor papel.