segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O homem que queria ser outro - Parte 2 - O amor

Olá amigos!

Eis a segunda parte da história "O homem que queria ser outro". Uma história densa, repleta de situações que podem ser consideradas cotidianas nas nossas vidas. Basta termos um olhar mais atento, e isso se comprova. Para aqueles que estão entrando agora, e lendo esta postagem, sugiro que vá até a postagem de segunda-feira passada, pois lá se inicia a história, esta é a segunda parte. Pois bem, antes de mais nada, quero me desculpar pela falsa promessa! (rs). Tinha dito que finalizaria a história na próxima segunda, ou seja, hoje. Mas não foi possível. As palavras ganharam mais vida do que imaginei. Os personagens, na verdade, praticamente "me pediram" pra sobreviverem a mais uma semana, rs. (Podem me xingar nos comentários, se quiserem, rs) Mas creio que vocês, leitores, não irão se arrepender, pelo menos espero. Não farei outra promessa, mas tudo indica que semana que vem, a história chega ao seu fim. Outra coisa: Nomeei a parte 2 como "O amor". Fiz o mesmo com a parte 1, subtitulada "A amizade". Enfim... Isso é tudo. Boa leitura a todos!


Convulsão. Perda da consciência. Esses são os dois principais sintomas de um homem com epilepsia. Mas o homem de olhar epilético tem convulsões em seu espírito. Ele revira a noite inteira na cama, sua, bate com a cabeça contra a parede, morde o travesseiro. Ele reflete toda a sua perda de ciência através do espelho dos olhos. Já não sabe mais quem é, quem foi. Ou se já foi. Ou se ainda será.

O mal do espírito aflige tudo que vem pela frente. Corpo, mente, e os que estão a redor. Ninguém é poupado. A busca da consciência perdida, do regozijo espiritual e do próprio corpo são, é a busca mais agonizante que existe para o homem. Ele não busca a sua felicidade, mas sim, a felicidade do outro. Dentro de sua crise de identidade, ele precisa roubá-la, sugá-la, extraí-la como um sedento escava um oásis no deserto. Ele precisa disso porque já não sabe a origem do ser que lhe foi esvaído. Está em desespero, apesar da aparência tranqüila, do sorriso sadio. Está desesperado! Pobre homem, seu olhar diz tudo. Seu olhar epilético.

Naquela noite, Ariano, deitado em sua cama, molhou o travesseiro com seu rio de lágrimas. Mas de onde viera aquele pranto? Logo de Ariano, que sempre transparecia ser uma pessoa tão firme, resoluta... Ora, mas todos sentem a necessidade de chorar. Até mesmo o mais severo dos generais. As pessoas choram por ódio ou amor. Existem uma série de outros sentimentos, mas todos – eu disse todos – são advindos do amor ou do ódio. Amor e ódio... O maior antagonismo da vida. E se choramos por amor e ódio, Ariano chorava por amor. Ele não era de sentir ódio.

Suas investidas amorosas sempre foram um fracasso. E nunca encontrava explicação para isso. A dúvida punha em xeque sua própria identidade. Já não sabia se era feio ou bonito, se era arrogante ou tímido, se era intolerante ou calmo em demasia. Às vezes achava que o erro estava nos olhos que o declinavam sem piedade. Mas logo em seguida preferia reconhecer que o erro estava em sua pessoa, pois o contrário o tornava pretensioso demais. Sua humildade não permitia exceder o limite dos sentimentos mais soberbos. No entanto, todo homem, por mais perfeito que seja, sofre com suas imperfeições, suas dúvidas ocultas. Sofre por amor.
Mas daquela vez, estava insistindo além do habitual com a mesma mulher. Geralmente deixava logo de lado, sem muita esperança. Mas aquela mulher... Aquela lhe despertou um sol antes apagado em seu peito. Um sol que, na verdade, jamais havia sido acendido. Necessitava apenas uma faísca. O amor é uma faísca.

Esperava o fim do mundo – o seu mundo interior - com o apagar lento das chamas do sol; mas sabia que isso estava bem distante de acontecer. Ariano era capaz de qualquer loucura por aquela mulher. Chegou a prometer a si mesmo, em pensamento, que se não a conquistasse, preferia abandonar todas as outras coisas. Trabalho, estudo, e quiçá, a própria vida. De que adianta ser o melhor aluno da classe, o empregado mais empenhado e talentoso, o “menino de ouro”, o jovem de caráter inigualável e... Não ser amado por quem ele ama.

Aquele sofrimento invisível maltratava ainda mais Ariano naqueles últimos dias. Estavam ele, Euclides e Ana Lucia, uma colega de classe, a realizar um trabalho em equipe, na Universidade.
-Que carinha é essa, Ariano? Te conheço pouco, mas está visível a sua tristeza. – Disse Ana Lucia, com seu olhar de águia que muito já voou e capturou soluções para os problemas da vida.
-Não é nada, Ana Lucia. É que ando meio cansado ultimamente.
-Tire folga do trabalho, rapaz. Dê um tempo, pare de escrever um pouco. Não acha que é muito novo pra se estressar dessa maneira? – Aconselhou Euclides.
-Não é o trabalho! – Alterou-se - Será que vocês podiam me dar licença, eu vou ao banheiro.

Ariano se levantou da carteira, inquieto. Pediu licença ao professor que ministrava aquela aula e saiu da sala, muito estranho.
-Por que esse menino ta assim, Euclides?
-Mal de amor. Como pode, não é, Ana... O amor, um sentimento tão puro como dizem, ser a razão da decadência espiritual de um menino como o Ariano.
-Ele é muito novo ainda. Vai aprender a lidar com o amor com o decorrer do tempo. Mas... Enquanto esse tempo não chega, que tal uma cervejinha hoje, depois da aula?
-To dentro.
-Vou chamar ele. Pra distrair a cabeça, nada melhor do que uma mesa nos fundos de um barzinho, uma música “lounge” ambiente, e uma cerveja de gelar a alma! – Sorriu Ana, com seus dentes amarelados pelos venenos do cigarro.

Um pouco desanimado, Ariano aceitou o convite. No bar, os três discutiam sobre vários assuntos. Ana Lucia era uma mulher de espírito jovial. Os quarenta anos que o tempo lhe atribuía, os dois filhos e o marido mal-humorado não a fazia, nem de longe, uma mulher amarga. Era perseverante com seus objetivos.
-Ai meninos... Que bom ter me aproximado de vocês. Eu sempre notei em vocês duas almas incríveis, sabem?
Ela dá uma golada na cerveja e acende um cigarro.
-Digo o mesmo de você, Ana. – Compartilhou Euclides.
-Eu leio vocês direto no jornal, é o máximo! Você entrou há duas semanas, não foi, Euclides?
-É, to lá na luta, com meus textos esportivos. Fui aprovado de cara, graças a Deus e... Ao Ariano. Se não fosse por esse irmão, eu não estaria agora em meu primeiro emprego.
-Primeiro emprego?
-É, por que o espanto?
-Por nada... E você, Ari? Tão novinho, já tão responsável. Ser maduro tão cedo nos torna velhos bocós. – Ana soltou uma gargalhada sonora, já sob o efeito do álcool.
Ariano, que mal pronunciava uma palavra, soltou um risinho sem graça.
-Você manda muito bem, Ariano...
Ana Lucia, após dizer essas palavras, parou, em transe, com o cigarro empinado numa das mãos, a observar aquele jovem atormentado pelo amor que não desgarrava do seu peito. Euclides a olhou com estranheza. De súbito, ela voltou a si.
-Ai, garotos! Tenho uma coisa pra mostrar aos dois.
Ela pegou sua carteira na bolsa a tiracolo e dela, retirou uma foto 3x4 de uma linda criança sorrindo. Ana debruçou seu corpo sobre a mesa, levando a foto à vista de ambos rapazes.
-Estão vendo esse menino? É meu filho mais novo. Cinco aninhos. Se chama Pietro.
-É uma graça. A sua cara. – Disse Ariano.
-Parabéns, Ana. Seu filho é lindo.
-Vocês querem ouvir uma coisa agora?
Euclides e Ariano entreolharam-se, encabulados.
-Eu quero que quando ele cresça, seja igual a vocês.
Euclides abaixou a cabeça, lisonjeado, não contendo um largo sorriso. Ariano não teve a expressão transfigurada pela consideração da mulher, dizendo:
-Não diga isso.
-Por que não? – Espantada.
-Ninguém é igual a ninguém. As coisas não funcionam dessa maneira. Não faça dele uma cópia de quem ele não é.

Já em casa, antes de ir se deitar, Ana Lucia acendeu a luz do quarto do seu pequeno Pietro. Ele já havia adormecido, como um anjo. O edredom azul que o cobria estava despencando da cama. Ela foi até ele, e com uma expressão materna de orgulho, ajeitou o edredom sobre o corpo daquele que um dia se tornaria um homem de verdade. Ela refletiu, naquele momento, as palavras diretas de Ariano. Acarinhou os cabelos negros do garoto e disse, baixinho:
-Te amo.
E saiu do quarto.

Dois dias depois, na redação do jornal, Euclides conversava animadamente com os demais colegas do departamento esportivo enquanto Ariano pesquisava, ao computador, sobre o novo assunto que ia tratar em sua próxima crônica. Então ele percebe uma presença ao seu lado. Era Julia Medeiros, a redatora-chefe do jornal.
-Venha até minha sala, preciso falar com você, mocinho.
Em sua sala, Julia acomodou o jovem escritor e sentou-se por detrás de sua mesa.
-Não precisa ficar com essa carinha de assustado, Ariano Bezerra. – Disse ela, sorrindo da expressão apreensiva dele.
-O que está havendo?
-Venho notado que, nas duas últimas semanas, você imprimiu bastante sentimentalismo às suas crônicas. Não que não tenha gostado, longe disso. Você é brilhante, o melhor cronista que tenho aqui, e que muitos outros jornais cobiçam... Mas... Me desculpe me intrometer na sua vida pessoal, mas como gosto muito de você e sei que, apesar de sua tamanha genialidade, aí dentro bate um coração adolescente, repleto de dúvidas e angústias, estou aqui disposta a te ajudar com essa sua aflição tão transparente.
-Eu me sinto bem, dona Julia.
Julia o olhou com ternura. Ariano acabou cedendo...
-Ta, pode falar que já sabe.
-Claro que sei. Ela me contou.
-Que droga, por que ela fez isso? – Irritou-se.
-Ora, Ariano! Isso mostra que ela se importa com suas investidas, com seus sentimentos. E pelo o que me pareceu, você tem grandes chances.
-Está falando sério? – Disse, a um repentino entusiasmo.
-E por que não estaria?
-Pra não ver seu melhor cronista triste pelos cantos.
-O rendimento no seu trabalho não foi alterado, rapaz. Me preocupo com você, de fato. Olha... Vou te ajudar. Ela recusa sair com você, ou namorar você porque perdeu o pai, há dois meses, e no mesmo período, terminou um namoro de três anos e meio. Isso ela não te disse, disse?
-Não...
-Pois então. Ela é bem tímida. Não gosta de se abrir com ninguém. Só que eu dei mais abertura, sou mulher experiente, sei dar conselhos. Ela é menina ainda, está muito confusa com tudo isso, é somente dois anos mais velha que você. Portanto, saiba lidar com ela. Olha, chame-a para sair nesta sexta-feira. Eu fui com ela a um restaurante japonês aqui perto que ela adorou. E sexta é aniversario dela. Mas ela não quer que ninguém saiba... Nem quer comemorar. Chame-a para sair, finja que não sabe de nada. Fale que é pra distrair, que não vai tentar nada. Seja amigo dela. Se importe mais com ela. Não vá com tanta sede ao pote. Ela vai cair na sua, tenho certeza, meu geniozinho.

Ariano abriu um sorriso radiante, o mais iluminado das ultimas três semanas.
-Agradeço sua atenção comigo. Olha, obrigado mesmo, de verdade.
Desajeitado, ergueu-se da cadeira, apertando a mão de Julia. Saiu da sala aos tropeços. Não contendo sua euforia gritante, chamou por Euclides.
-O que ta acontecendo, amigo? Que sorriso é esse? – Indagou Euclides, suspeitoso.
-Você nem vai imaginar...
-Já sei, envolve a Lia.
-Certo! Vou te contar tudo, meu amigo, tudo!

Extasiado, ele e Euclides se sentaram e ficaram conversando, ali, durante meia hora.

Então, eis que aparece Lia Neide, a mulher. Ela entra na sala aonde Ariano trabalha. Toda ela, cada partícula do seu ser, encantava a Ariano. Seu andar ímpar, repleto de charme; sua graciosidade expressa a cada balanço do corpo, seus cabelos castanhos escorridos, seu olhar pequeno e dócil, seus lábios finos e bem delineados, clamando por um ósculo fervoroso que a fizesse esquecer da própria existência. Seu perfume logo invade todo o recinto, atiçando as narinas de Ariano, fazendo logo com que ele vire seu pescoço em direção a entrada da sala.
-Lia...

Ela só entrou para apanhar uma papelada sobre a mesa. Deu um sorriso e um aceno para os rapazes que ali estavam. Em seguida, se retirou.
-Essa aí que é a gloriosa Lia Neide... – Murmurou Euclides, apoiando o queixo em sua mão direita, com os olhos fitos na jovem que deixava a sala.
-Ela mesma, Euclides. Escreva o que vou dizer: depois de amanhã ela vai aceitar sair comigo e tudo irá fluir como eu sempre sonhei. Eu vou conquistar essa menina, ou não me chamo Ariano Bezerra!
Euclides fitou Ariano e disse:
-Torço por você, amigo. Você merece que todos os seus desejos se realizem.
-Ela já não é mais um desejo. É um sonho constante, uma tristeza presente, uma alegria ardente. Ela é... Eu já nem sei mais como defini-la. – Sorriu, em devaneio.

Apenas um olhar epilético de um homem pode derrubar outro homem. E foi assim que aconteceu, no dia seguinte. Estavam saindo da sala de aula, Euclides e Ariano. Ariano parecia agitado com a aproximação do novo dia. Não conseguia esconder a ansiedade. Mal prestou atenção na aula.
-Acho melhor conter essa ansiedade, irmão. Vai que ela se recuse a sair. Já pensou a fossa que vai ser?
-Eu sou uma pessoa otimista. Não acredito em livros de auto-ajuda, mas uma coisa é certa: pensar positivo é meio caminho andado.
-Pensamento positivo é o alicerce do homem frustrado. Falo por mim. Quantas vezes fiquei assim em véspera de encontros ou jogos. É melhor não pensar em nada. Seja como for, pense assim.
-Você quer manobrar meus pensamentos, Euclides? To até te estranhando, amigo. – Disse Ariano, a um sorriso confuso.
Pararam a beira de uma escadaria. Euclides fixou um olhar compadecido em Ariano.
-Eu não disse por mal, está bem? – Disse Euclides, demonstrando ressentimento.
-Claro que não. Amigos só desejam o bem dos amigos, não é assim que funciona?
-Está insinuando o que, Ariano?
-Nada, ora! – Disse, abrindo os braços a um riso – Por que sempre acha que estou insinuando algo a seu respeito?
-Não sei...
-Quem não deve, não teme, amigo. Agora vamos descendo que esse diálogo já está me enjoando.

Ariano pôs-se a descer a escada. Euclides ficou imóvel, olhando-o partir. Aquele olhar poderoso denunciava um pensamento mórbido. O dono daquele olhar desejou, com todas as suas forças negativas, que Ariano tropeçasse e caísse da escada. Pensar positivo era arma dos derrotadas... E quanto o pensamento negativo? Sim, esses pensamentos que adentram a mente de um homem aparentemente comum, inofensivo. Mas que ganham vida; braços, pernas, olhos. Mãos que derrubam, pernas que servem de obstáculo de tropeço, olhos que contemplam a derrocada do alvo.

Ariano parou na metade da escadaria e volveu-se para trás.
-Não vai mais descer, Euclides?
Euclides desperta do transe, e diz:
-Não, pode ir. Eu... Eu preciso averiguar uma situação, na secretaria. Já ia me esquecendo. Adeus, irmão.

E saiu, sem mais explicações. Ariano ficou ali parado por um instante, sem compreender aquela atitude súbita do amigo. Ele não era uma pessoa esquecida. “Decerto que ficou chateado comigo por algum motivo...”, pensou. E deu o próximo passo.

No dia seguinte, já à noite, Euclides recebeu uma mensagem pelo celular. Ele estava ao lado de Ana Lucia, num dos corredores da Universidade. Ao ler a mensagem, fez um semblante de preocupação.
-O que houve, Euclides?
-O Ariano... Ele acaba de me enviar uma mensagem... Ele caiu da escada, foi internado, e agora passa bem. Ele pede para eu pegar sua prova, e no final, diz em que hospital está...
-Nossa! Como assim, caiu da escada?
-Caiu, tropeçou, ficou zonzo e desequilibrou-se, não sei. Mas ele diz que agora passa bem, isso que importa.
-Não vai telefonar pra ele, Euclides?
-Não, prefiro falar com ele pessoalmente. Amanhã eu vou visitá-lo.
-Estranho... É, ainda bem que hoje só teremos entrega de provas. Coitado... Logo o Ari...

Na sala de aula, o professor chama pelo primeiro nome da pauta:
-Ariano Bezerra.

Euclides se levanta de sua carteira e vai apanhar a prova do amigo, justificando sua ausência. O professor aceita, e lhe entrega a prova, dizendo:
-É uma pena. Quero muito conversar com esse menino, ele me surpreendeu. Euclides sorri, meio sem graça, e olha para a nota. Fica espantado, com os olhos vidrados na prova.
-Ai, Euclides, to nervosa... Acho que tomei bomba nessa prova. E o Ari, foi bem, aposto. Quanto ele tirou? – Perguntou Ana.

Euclides divagou por um instante.
-Como?...
-Quanto ele tirou?
-Ele... Ele tirou dez. Aqui diz que a redação dele ficou... Esplêndida.
-Nossa, que bom! O Ari é um gênio mesmo. Deixa eu ver a prova dele.
-Pra que você quer ver?
-Ué – Sorriu, sem entender – Preciso xerocar uma prova dessas!
-Não sem a permissão dele. Desculpa, mas não posso fazer isso sem falar com ele antes.
-Ele não vai se importar, Euclides.
-Eu o conheço, vai sim. Ele é todo metódico.
-Não é o que parece...
-Eu o conheço melhor que você.

Ana Lucia estranhou o comportamento de Euclides. Ele estava esquisito, parecia sentir uma raiva que não cabia em seu peito.
-Ana Lucia! – Chamou o professor.

Ana Lucia apanhou sua prova.
-Droga... Tirei seis e meio.

Minutos depois, o nome de Euclides é chamado. Ele se levanta a um rompante da cadeira.
-Tome sua prova, rapaz. Bela prova. – Elogiou o professor.

Euclides confere diretamente sua nota.
-Nove e meio? Mas professor... Bela prova e nove e meio?
O professor, que atentava para as provas sobre a mesa, ergue seu olhar até o semblante atônito de Euclides.
-Sim, Euclides. Nove e meio. Quer contestar algo? Nem leu a prova ainda.
-Não é justo me tirar meio ponto.
-Eu não tirei meio ponto de você, rapaz. Eu apenas não lhe dei dez. Em nenhum momento eu lhe dei dez para ter tirado meio ponto seu.
-Mas, mas... O senhor mesmo disse que minha prova está... Perfeita.
-Eu não disse isso. Aliás, pegue a prova do seu colega, o Ariano. Ali sim você verá uma prova perfeita. Ele mereceu a nota dez que recebeu.

A turma inteira estava paralisada diante daquela discussão entre Euclides e o professor. Ninguém podia acreditar como um aluno discutia por meio ponto quando este havia tirado nove e meio! A maioria havia tirado uma nota inferior a sete.

Euclides retornou para sua cadeira, desolado. Inconformado. Enraivecido. Ana Lucia o olhou, e preferiu ficar calada. Ele estava vermelho. O sangue fervilhava em suas faces. Seus neurônios digladiavam entre si. Nem conseguia pensar em nada. Naquela noite, Euclides comparou sua prova com a de Ariano em todos os aspectos. Analisou cada detalhe, cada vírgula. Reconheceu que Ariano foi brilhante na escrita, sem ter cometido um mínimo erro gramatical qualquer. Expressou claramente sua idéia, argumentando-a com afinco e com um embasamento incrível.
-Ele citou teorias de Freud, Hegel, e até Aristóteles em sua redação... Meu Deus, como eu não pude ter pensado nisso... – Sibilou Euclides, enquanto lia pela vigésima segunda vez a prova de Ariano, deitado de bruços em sua cama.

Ao dizer isso, lembrou-se de Ariano, vividamente, lhe dizendo: “Tem pessoas que podem mais que as outras...”.

Euclides passou aquela noite insone. Recusou-se a ligar para Ariano. Na manhã de sexta, Euclides foi visitar Ariano no hospital. Ariano tinha a expressão mortificada, mais pela tristeza do que por qualquer outro fator. Tinha também uma mancha roxa na testa.
-Meu irmão, como tudo isso foi acontecer, tão de repente? – Indignou-se Euclides, rente à cama hospitalar onde estava Ariano.
-Não sei... Como você disse, foi mesmo de repente. Foi ontem, enquanto descia a escada, na universidade, não se lembra? Você se despediu, estranhamente, e fiquei sozinho.
-Estranhamente?
-Se você estivesse do meu lado, talvez pudesse me estender a mão, tentava me segurar.
-Com certeza! Mas eu não estava! Como ia prever uma fatalidade dessas?
-Eu perdi o equilíbrio, não sei... Senti como se um vento muito forte me empurrasse escada abaixo, mas lógico, foi coisa da minha cabeça. Deu nisso: um tornozelo torcido, uma testa inchada, e uma noite tão ansiada, no ralo. É inacreditável que isso esteja acontecendo comigo. Justo hoje, justo hoje!
-Acalme-se! Não adianta ficar reclamando, agora você precisa repousar, cuidar da sua saúde. Em dois dias, ou até mesmo amanhã, já terá tido alta.
-Azar... Deus não existe. – Disse, com lágrimas nos olhos.
-Eu também acho. Andei lendo algumas obras de Nietzsche ultimamente, e não é que seus argumentos ateístas são bem pertinentes? – Reforçou.
-Ou então ele não existe para certas pessoas. Por que, Euclides? Por que Deus não existe para mim quando mais necessito?
-Não sei... Vai ver não é pra ser. Vai ver não há ser superior. Vai ver o mal seja superior, e aí?
-O mal superior... Segundo a Bíblia, o mal foi expulso do Reino dos Céus pois enfrentou a Deus. Quando se enfrenta alguém, é porque temos consciência de que podemos vencer esse alguém? Não acha?
-Ele está vencendo, Ariano. Ele está vencendo. – Disse, em tom sinistro.

Ariano sentiu um leve tremor arrepiar-lhe o corpo inteiro. Como se o mesmo “vento” que o derrubara da escada, agora estivesse de passagem ali, penetrando em sua alma. Percebeu que Euclides havia reforçado o sentido da não existência de Deus... "Geralmente as pessoas recriminam a blasfêmia das outras", pensou. Tentou se livrar daqueles pensamentos que o aturdiam, puxando um novo assunto:
-Hoje de manhã acordei inspirado pela minha melancolia profunda e... Digitei isso aqui.

Ariano apanhou um laptop sobre a mesa ao lado de sua cama, sentou-se na cama e o apoiou sobre suas pernas. Abriu o aparelho e acessou o documento onde havia salvo o que digitou.
-Veja...

Euclides aproximou-se de Ariano, virou o laptop para si e iniciou a leitura.
-“Donde”? Uma poesia de amor, meu irmão? – Riu, desconcertado.
- e entregou a Euclides. Ao bater os olhos no escrito, o homem sorriu, desconcertado, como se nunca tivesse lido nada parecido.
-Uma poesia... “Donde”? Não sabia que escrevia poesia também.
-Sim. Poesia de amor... Lixo. Fiz pensando na Lia. Ela curte poesias do tipo, mas... Eu tenho vergonha.
-Vergonha do que? Do seu talento? Cara, você pode utilizar o seu talento para conquistar a mulher que ama!
-Não com essa poesia ridícula. Vou deletá-la. Tenho outras em arquivo, melhores que esta, que falam do mesmo assunto: amor, amor, e amor.
-Não, espere... Antes, queria te pedir pra enviá-la pro meu e-mail.
-Pro seu e-mail? Por que está me pedindo isso agora, Euclides?
-Ora! Você sabe que sou seu fã número um. Sabe que adoro ler o que escreve. Gostaria de imprimi-la lá no trabalho, e guardá-la comigo, como recordação. Já que irá apagá-la mesmo... Claro, se você não se importa.
-Não, na verdade eu não me importaria, mas... Ah, está bem, eu envio. – Resolveu, sem mais delongas.
-Obrigado.
Euclides rachou um leve riso e despediu-se.
Naquela tarde de sexta-feira, Euclides foi até a sala de Lia Neide.
-Posso entrar?
Ela, surpresa:
-Claro, pode. Você é aquele novo do esporte?
-Ah, sim, sou eu mesmo. – Respondeu, a um riso apagado.
Lia ergueu-se de seu assento, abandonando a digitação.
-Em que posso te ajudar?
-Nada, eu... É que eu escrevi uma poesia, sabe, e me deu uma imensa vontade de mostrá-la a alguém. Como só vi marmanjos nas salas ao lado, lembrei de você, aqui, e... Lógico, mulheres absorvem melhor a magia de uma poesia. Inda mais você, uma mulher aparentemente tão delicada.
-Obrigada. Sou delicada, mas não sou fresca, sim?
Os dois riram.
- Uma poesia? Então você gosta de escrever poesias?
-Sim, gosto. E quanto a você?
-Escrever... Não é o meu forte. Mas eu amo ler poesias, sobretudo as de Vinicius de Moraes, bem românticas.
-Que legal... Você se chama Lia, não é?
-Isso. E você, Euclides dos Santos.
-Nossa, pra saber meu nome inteiro, é sinal que lê minhas crônicas esportivas!
-Não, na verdade, eu só li um texto seu. Eu sou mais voltada à literatura, sabe? Não que seu texto seja ruim, longe disso. Mas é questão de preferência.
-Então eu imagino que prefira os textos do Ariano Bezerra.
-Ah, com certeza. O Ariano é fantástico.
Euclides congelou todos os seus gestos possíveis. Seu olhar perdeu-se nos próprios cílios.
-Desculpe, não quis te magoar... – Disse, ao notar o estado de abatimento do rapaz – Aliás, o Ariano está hospitalizado, voce soube?
-Soube. Mas ele passa bem.
-Ah, me perdoe de novo... Você veio me mostrar uma poesia, e eu já ia puxando outro assunto!
-A poesia... Tome.

Euclides entrega a folha de papel impressa nas mãos suaves de Lia Neide. -“Donde”... Fala de amor? -É, bem ao seu estilo.
-Nossa...

Lia Neide sentou-se e iniciou a leitura. Cautelosa, a cada palavra, ela exprimia um riso e outro. O mover singelo de suas pálpebras, o olhar percorrendo a folha, a respiração ofegante... Tudo isso encantava a Euclides, que se vangloriava por uma obra que não era de sua autoria.
Ao término da leitura, ela abriu um largo sorriso, e apertou a folha contra o peito.
-Linda. Perfeita.
-Obrigado.
-Está apaixonado?
-Apaixonado...? – Riu-se – Que nada, é preciso estar?
-Bem, geralmente sim.
-Pode ficar pra você. Essa poesia. Ela é toda sua.
-Minha?
-É um presente. Não aceito recusa, ouviu? Afinal, esse é o nosso primeiro contato, e nada melhor do que eu poder presenteá-la com algo do seu agrado.
-Essa sua faceta é encantadora. Devia abandonar o mundo do esporte e mergulhar na poesia. Aí sim, seria sua leitora assídua.
-Poxa, fico até avexado com esses elogios todos...
Lia Neide se levantou, caminhou até Euclides e beijou-lhe a face.
-Obrigada pelo presente. Ele veio na hora certa.
-De nada... A propósito... Hoje eu não terei faculdade, então, estava pensando em jantar num restaurante japonês aqui perto. Eu adoro comida japonesa. Você conhece?
-O restaurante? Claro que conheço! Eu o adoro. – Disse ela, a um riso surpreso.
-Pois então. Está a fim de me acompanhar? Olha, eu pago! – Sorriu, erguendo o braço.
-Ai... – Lia mordisca os lábios, pensativa – Infelizmente não vai dar. Eu tenho um compromisso.
Neste momento, a redatora Julia se aproxima da porta da sala de Lia, e interrompe os passos ao notar que ela e Euclides conversavam ali. A porta estava aberta, e a conversa podia ser ouvida.
-Compromisso? – Indaga Euclides, cerrando a sobrancelha.
-É, eu combinei com a Julia de irmos visitar o Ariano mais tarde. Como eu disse há pouco, ele caiu da escada, e foi hospitalizado. Ele é meu amigo, entende.
Euclides engoliu a seco.
-Entendo, claro que entendo.
-Você também é amigo dele. Vejo vocês quase sempre juntos.
-Somos amigos. Hoje eu fui visitá-lo.
-Me desculpa, Euclides...
Julia entra na sala.
-Desculpe interrompê-los. Lia, preciso falar com você um instante. Como vai, Euclides? – Saudou, em tom irônico.
-Bem, e a senhora?
-Igualmente bem. Lia, venha até a minha sala, por favor. Preciso te passar uma papelada. Com licença.
Julia se retira. Lia guarda a poesia em sua gaveta.
-Não quer ir com a gente hoje?
-Não sei... Qualquer coisa eu te ligo. Ah, me esqueci, não tenho seu telefone.
-Não seja por isso. Vamos trocar.
E assim fizeram.
-Até mais. E mais uma vez, obrigada pela poesia.
Os dois saem da sala. Lia fecha a porta.
-Por nada. Fica pra próxima então o nosso programa?
-Com certeza.

Lá se foi Lia Neide. Euclides sentiu uma raiva incomum brotar do seu peito. Não. Não era incomum, era apenas uma raiva maior. O ódio. Tudo era Ariano, Ariano era tudo. Ele fechou a mão esquerda, fincando suas unhas na palma da mesma. Apertou com tanta força que arrancou sangue da própria mão. Ao notar o ferimento, foi até o banheiro masculino lavá-la. Lá, abriu a torneira e a colocou sob a água corrente. Enquanto isso se olhou no espelho a sua frente. Lá estava ele, no espelho. Mas... Seria mesmo ele?

O homem, ao tentar ser outro, é ele mesmo, sem saber. Sim, aquele era ele. E como em todas as vezes que se defrontava com sua própria imagem, sentia uma náusea inexplicável, uma vontade de arranhar o rosto, perfurar seus olhos com as mesmas unhas que cortaram sua mão. Queria ter as faces de Ariano, os olhos de Ariano. Aqueles olhinhos brilhavam tanto! Mas não adiantaria... O brilho dos olhos não pertence aos olhos. Ele é apenas refletido pelo olhar. O brilho vem de dentro. Vem da essência. É reflexo de um espelho ocular. E esse brilho era o que Euclides almejava. O brilho de Ariano.

CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...

domingo, 30 de agosto de 2009

Expediente noturno


Mais uma noite fria. Apesar da baixa temperatura, permaneço parada numa esquina. Aguardo pelo próximo freguês. Muitos passam por mim e nem me notam, não lhes interessa me notar, não hoje. Trabalho de dia também, mas a noite torna minha profissão mais estimulante, excitante.

Minha profissão é antiga, somos muitas nesse ramo e estamos nisso desde que o mundo é mundo. Algumas, como eu, preferem a noite, as esquinas e becos, um clima mais soturno. Mas tem aquelas que preferem misturar-se entre as pessoas ‘normais’, por lugares mais tranqüilos e amenos. Uma coisa é certa, é um trabalho árduo e cansativo. Dia após dia a demanda só aumenta.

Já há algum tempo venho fitando os olhos em um jovem rapaz que todos os dias, no mesmo horário pára próximo a mim e fica conversando com um amigo durante alguns minutos. Todos os dias, mesma rotina. Os dois caminham juntos, conversam por quinze, vinte minutos, depois um deles parte e o outro permanece só, aguardando a chegada de um ônibus.

O rapaz que permanecia só, não reparava na minha presença. Olhava através de mim e nada enxergava a não ser um poste como qualquer outro. Mas o outro, aquele que todos os dias partia primeiro, aquele me encarava nos olhos. Certa vez, estando sozinho, ele se aproximou de mim e disse saber o que eu fazia. Perguntou quanto eu cobrava por algumas horas de diversão. Na verdade ele queria pagar para eu brincar com o amigo dele, garantiu que não queria me tocar, apenas assistir. Respondi que só faço o meu trabalho, não brinco com as pessoas. E que esse tipo de brincadeira costuma custar bastante caro, ele não estaria disposto a pagar. Ele afirmou que não importava o valor, pagaria a quantia que fosse necessária. Finalizei o diálogo dizendo que procurasse outra forma de se divertir.

Nos dias que se seguiram percebi que aquele jovem que aguardava o ônibus permanecia sozinho. O amigo com quem eu havia dialogado não mais o acompanhava. Aquele jovem solitário tinha algo que me encantava, não conseguia desgrudar os olhos dele desde a primeira vez que o vi. Ele parecia estar triste, cabisbaixo e eu senti um enorme desejo de abraçá-lo, mas não podia fazer isso. Minha pele descoberta e fria não traria acalento para sua alma necessitada de calor.

Esta noite o rapaz havia notado minha presença, pela primeira vez. Ele me olhou profundamente e me cumprimentou com um sonoro “boa noite!”. Enquanto passava por mim, pude ver bem de perto aqueles belos olhos verdes. Aquele olhar me arrebatava. Senti que estava chegando o momento de enfim, ficarmos mais próximos. Mas eu não tinha a certeza de nada, apenas sentia uma intuição. É sempre assim, fico aguardando até que meus serviços sejam solicitados.

Faltavam alguns minutos para a meia noite, quando o amigo dele se aproximou. Passou por mim com um olhar cheio de ódio e foi direto onde o rapaz estava, como sempre, parado aguardando o ônibus. Conversaram por cerca de dez minutos, e após três disparos, o rapaz caiu no chão, enquanto o assassino fugia.

Olhei para o rapaz ensangüentado e me abaixei, abraçando-o com carinho. Beijei seus lábios, agora tão gelados quantos os meus. Toquei sua pele fria e disse:

-Não tenha medo.
-Você vai me salvar?- perguntou o rapaz, empalidecendo.
-Infelizmente não há mais nada a fazer. Eu vim conduzi-lo nesta passagem.
-Você é a...
-Sim, eu sou a morte.

O rapaz não mais resistiu e dormiu o sono eterno. Fechei delicadamente suas pálpebras e coloquei de volta sua cabeça na calçada fria. Precisava continuar meu trabalho, alguém decidiu brincar de esconde-esconde comigo e eu bem que avisei que brincadeiras custam caro.

sábado, 29 de agosto de 2009

A Falta Tua


Na silenciosa e escura noite, aqui estou
Nessa tentativa desvairada de me encontrar
E te encontrar...
Mas posso constatar que em mim, não mais estais.
Cansei-me de procurar me
Já que só encontro- me contigo.
Quem sou então?

Não sei quem sou.
Desde sua ida, minha vida foi partida,
Pois só existo com você aqui, pertinho de mim
Longe de mim então,
Encontro-me num beco sem saída,

Pois nada mais entendiante há, do que a vida,

Após tua partida, tornando minha vida vazia.
E não há mais motivos para viver aqui
Sem inebriar-me na fantasia que é você
Em minha desconsertante jornada.
Desconsertada com a falta tua,
Ponho-me a achar saídas para encontrar-te

E nesse desejo é que me encontro...

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sugestão para o fim de semana:Fahrenheit 451


Hoje venho trazer uma sugestão de um filme muito interessante que assisti e fiz um trabalho na faculdade, chama-se Fahrenheit 451 de François Truffaut, trata-se de uma adaptação da obra de Ray Bradbury que escreve sobre um país onde era proibido ler, fazendo uma crítica a televisão e ao modelo totalitário que ele via se instalar em sua sociedade. O interessante é que o filme foi lançado em 1966 e se olharmos com atenção parece que estamos falando de hoje em dia.


O filme se passa num possível futuro e conta a história do bombeiro Gui Montag, um funcionário exemplar do governo que tem como ofício ao invés de apagar incêndios, queimar livros, reprimir qualquer tipo de leitura numa sociedade que proíbe qualquer tipo de disseminação de conhecimento. Nesta sociedade imaginada,porém provável devido à direção alienada que grande parte da população vem trilhando, as pessoas vivem num mundo “ideal”, onde ,sem nenhum tipo de questionamento vivem a vida de forma totalmente alienada,como uma grande boiada sendo tocada pelo peão Estado.Em cada casa há uma enorme televisão na parede(parecem até as nossas de plasma de hoje) que dita o modelo de comportamento que as pessoas devem ter,do modo de se vestirem até ao que pensar para não terem pensamentos “proibidos” que vão se opor ao modelo totalitário imposto pelo governo.A vida das pessoas gira em torno de tal aparelho,neste mundo,as pessoas podem interagir com a TV que usa uma linguagem fácil ,dispensando o exercício do pensamento,além disso,são viciados em pílulas que se encarregam de manter a ordem e a aparente tranqüilidade.

Em um dia aparentemente normal, o bombeiro Montag se encontra no trem com uma jovem professora chamada Clarisse que o faz pensar em sua vida, em seu trabalho e no porquê de tudo aquilo, no porque de tantas proibições, após essa conversa, Montag começa a ver o mundo em que vive por outra perspectiva, passa a esconder os livros que teria de queimar e ao ler tais livros, começa a ter mais consciência do que vinha fazendo em seu trabalho e se volta contra este modelo de sociedade ao qual vem participando e acaba se excluindo da cidade, indo viver junto às pessoas que memorizam as obras para que elas nunca se percam.

O filme se destaca por mostrar a realidade da sociedade de consumo e da indústria do entretenimento, mostra a verdadeira intenção da televisão que nos traz programas vazios como o “BBB” e outros programas similares que não trazem nenhum incentivo ao pensar, ao invés disso, se observarmos bem, podemos identificar à intenção de nos tirar a possibilidade do questionamento e da liberdade de expressão.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A volta.


Insípidas avenidas que me conduzem a lugar qualquer algum. Vejo pastos amarelados com gado magro e muitas cercas me separam do riacho que segue seu curso sem muita velocidade. Mais adiante borracheiros e um ferro velho. Parece que todos eles adoram fincar-se à beira da estrada. Talvez queiram parecer menos tristes, pretos, enferrujados e solitários. Talvez queiram se unir para nutrir o mosquito que ganha asas e espalha desolação nos dias quentes de verão.

Talvez....sem que por isso sejam maus ou tenham segundas intenções.

Se bem que não me interessam. Não tenho carro. Saio pelas rodovias de bicicleta e a sensação de realidade é bem maior e bem melhor do que o poder segundos per capita, que me inspiram os automóveis. Faro de reflexão de pauta, intuição da notícia que possa estar no ar, sem distrações que não sejam o bafo de ar quente que oscila em temperatura, à medida em que pedalo e tensiono os músculos das pernas.

Apenas os postes permanecem iguais: sempre apagados. Chega o momento em que eles somem do meu ângulo visual e deleito-me com a descida cheia de curvas e fotografias digitais: instantes em que o vento ameniza o calor do esforço da subida anterior e que torna o meu veículo em potente nave espacial, onde não preciso mais mover os pés e deixo os braços abertos como o king of the world!

Equilíbrio de pássaro que plaina suas asas abertas sem parar de voar. A paisagem modifica-se a cada segundo. As árvores se misturam num delirante cortinado verde em tons degradée. Fecho os olhos e me imagino pousando em cimas das folhas em galhos altos, como nuvens que abrigam anjos sonolentos que buscam um travesseiro para se entreter e dormir....

A estrada agora é cheia de altos e baixos, declives e atalhos. A maioria destes obstáculos no percurso, me causam simpatia; sugerem a possibilidade de se finalizar em aconchego, o desafio ultrapassado em quilômetros mal sabidos e não contados.

As avenidas, no entanto, continuam insípidas e me fazem lembrar de um compromisso social que nem sei se quero cumprir: o ter que retornar.

Meu espírito não se deixa abater por isso . Vivo o meu real sem ilusões sobre a troca de personagem; a vida é feita de sonhos e de imagens nítidas onde se encontram os postes e os borracheiros de plantão. Por isso, vislumbrar a ribanceira distante me causa a náusea do barro de onde viemos e que um dia, com a minha presença, servirá de adubo para o capim que matará a fome do mesmo gado magro que pasta.

Assim me desloco e me viro do avesso: sou o que quero em cada divagação fugaz em cima do meu transporte binário.

O real é o que crio - o que me rodeia quando não fonte de inspiração, são figurantes sem voz ativa ou causadores de uma morte prematura.

Voo enquanto pedalo e posso ver ao longe os três porquinhos, e zombo dos motoristas que se julgam invencíveis - asquerosos insetos, que podem até voar, mas não podem atingir as mesmas distâncias que eu, com a minha nave movida a pedais.

Se aproxima o instante da volta. Sinto-o não como a obrigação que me cabe, mas sob a forma de cansaço que que me retorce os músculos. Não posso combater por mais tempo o esforço demasiado a que submeti minhas pernas. Superei meus limites até o possível variável. Agora tenho que voltar, descansar e aquecer. Preciso cuidar com carinho, do que me move: a mecânica do corpo e o combustível maleável da alma, pois no fundo, sei que ainda falta muito para morrer.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Rugas que expressam


E o espelho refletiu os detalhes que a maquiagem disfarçou.
Era o dermatologista empunhando um espelho como uma arma carregada, aumentando 500 vezes o tamanho dos poros, das sombrancelhas por fazer e das rugas. Rugas?!
Sim, ao redor dos olhos, na testa, e onde antes era uma covinha ao sorrir, naquele espelho parecia uma cova a se abrir...

Parece que foi ontem, quando a possibilidade de vir a usar um cosmético rejuvenecedor era ainda distante. Enfim chegou a hora do que está por dentro se mostrar aqui fora.
As marcas que trazemos em nosso corpo, refletem aquelas trazemos na alma.
Aquela rugas ao redor dos olhos, nasceram das risadas bem dadas, daquelas tardes na praia com as amigas, das noites de festa onde as gargalhadas ecoam até o dia seguinte e aquele sorriso gelado, petrificado, forçado, que as vezes a vida nos força a dar.
Aquele vinco na testa, foi a doença do seu pai, foi a faculdade mal escolhida, foi o medo de não conseguir.
As bolsas na pálpebra foi a sua avó indo embora, foi uma foto antiga, foram as saudades, uma carta da sua tia, e até algumas alegrias, q as vezes nos fazem chorar.
A nossa vida está impregnada em nós, pois somos feitos das experiencias que tivemos, das escolhas que fazemos e das que escolhemos não fazer.
Eu sou os livros que eu li, os filmes que eu vi, as cartas que não mandei.
Eu sou os tombos de bicicleta, uma apendicite e muitas enxaquecas.
Sou feita de risos e arranhões, rugas, tatuagem e decisões.
Cada marca é uma recordação, e todas as linhas se ligam e me compõe, pois só envelhece quem vive.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O homem que queria ser outro - Parte 1 - A amizade


Olá amigos!

Perdoem pelo atraso na postagem de hoje. Espero poder recompensá-los com este texto que vem mexendo muito comigo conforme eu o redijo. Um texto para ser lido e refletido a cada palavra, a cada diálogo. É só uma dica do autor! rs
Devido à extensão da estória, resolvi dividí-la em duas partes. Hoje vocês lerão a primeira parte do conto: "O homem que queria ser outro". Só para dar uma prévia do que será lido a seguir, deixo aqui uma frase a qual resume bem o assunto que resolvi tratar. É uma frase de Zuenir Ventura, grande jornalista e escritor brasileiro. Diz assim: "Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é querer que o outro não tenha."
Na semana que vem, darei continuidade ao mesmo texto, finalizando-o. Felicidades a todos e tenham uma boa leitura! (Lohan L. Pignone)


O homem é um bicho de uma cabeça com mais de sete mil cabeças dentro da única cabeça. O homem pode ser qualquer homem, a hora que bem entender. O homem, em certo ponto, chega a ser ele próprio, sem saber.

E assim era a rotina de um homem chamado Euclides dos Santos. Na tentativa de ser outro, ele fundamentava sua própria identidade. Mas ele não percebia esse fato. Ele se olhava no espelho e não conseguia se enxergar. Ou não queria...

O homem a que me refiro cursa Jornalismo, na Puc, Rio de Janeiro. Boa pinta, jeito de galã hollywoodiano dos anos cinqüenta. Olhar marcante e intimidador. Olhar de um ser epilético, não obstante a vigorosa saúde, física e mental, de quem viveu somente vinte e cinco anos incompletos.

Já havia cursado Letras, e feito tudo quanto é curso profissionalizante. Mas ainda sim, vorazmente, Euclides instava em enveredar-se em novas aventuras. Identificava-se muito com o Juca Kfouri, e não a toa tinha em mente ser jornalista esportivo. E assim ele ia sendo, tentando ser alguém que julgasse superior a ele. Ou por admiração, ou pelo simples prazer do desafio em superar aquele que alçara patamares mais elevados que o seu.
E foi lá mesmo, na universidade, que conheceu seu “próximo eu”. Chamava-se Ariano Bezerra, um jovem intelectual seis anos mais novo que Euclides.

Um garoto, por assim dizer, de óculos fincado no centro do nariz, cabelos pretos bem penteados, barba por fazer, físico desleixado. Tinha a coluna ligeiramente inclinada para frente e um andar bastante singular, como quem pensa tanto em cada passo a ser dado que acaba tornando uma atitude natural, que é caminhar, uma dança sem ritmo, desarmônica, repleta de tropeços e pisões no pé. No próprio pé.

Mas, ao contrário do que supostamente estão pensando, Ariano não pode ser encaixado no hall dos estereótipos nerds totalmente “es”: esquisitos, estranhos, especiais.

O moço tinha lá sua simpatia, que por sinal, contagiava um bom contingente de pessoas. Não era “o sério”. Somente ria nas horas certas. Inspirava-se sempre em Victor Hugo, que já dizia: “o riso habitual é insosso e o riso constante é insano”. E o que é certo Ariano entende melhor do que ninguém. Era raro encontrar falhas em seu caráter ou educação. Chegava a soar hipócrita às vezes; como pode existir um ser assim na face Terra?

Talvez certos homens pensem assim, pois não conseguem, por mais que tentem, lutem, ser um ser de alma divinal. Pois a poeira da falsidade e da inveja encobre suas vistas, tal como a intensa poluição escurece o céu de muitas cidades dantes iluminadas e purificadas pela força da Natureza.

Euclides e Ariano cursavam juntos o Jornalismo. Ingressaram juntos, e logo no primeiro dia, trocaram olhares de quem ainda, uma hora, irão se falar. E não foi diferente. No fim do segundo dia de aula, se cumprimentaram. Euclides queria elogiar Ariano por um comentário inteligente que fizera, na primeira aula. “Como não pude pensar nisso, cara...”, disse Euclides a Ariano. “Tem pessoas que podem mais que as outras...”, salientou Ariano, irônico ou não.

No fim da primeira semana já sentavam perto um do outro. Na segunda já trocavam cadernos, e informações. Deu-se por encerrado o primeiro mês, e lá estavam eles, estudando juntos na biblioteca, conforme haviam marcado. Ariano comentou com Euclides sobre seu emprego. Redigia em um jornal de renome estadual, todas as terças-feiras. Euclides custou se livrar da pasmaceira que o acometera. Não podia acreditar naquela informação, a principio. Só acreditou quando, na manhã seguinte, que coincidia ser terça, mal acordou e foi direto à banca de jornal mais próxima de sua casa. Folheou as páginas do jornal, afoito, em busca da coluna do garoto prodígio. Quando seus olhos epiléticos se depararam com tal coluna, em destaque na página seis do jornal, sentiu uma pontada de alguma coisa no peito. Mas não sabia decifrar que mal súbito era aquele. Fechou o jornal no mesmo instante, e o enfiou debaixo do braço direito, voltando para casa, aéreo.

Naquela noite, já na universidade, Euclides elogiou o talento daquele que já chamava de amigo.

Amigo... Um mês é suficiente para se firmar uma relação que possamos denominar amizade? Talvez sim. Por que não? Mas, um outro vem me dizer aqui que não, isso é impossível. Nos dias de hoje, não se pode se precipitar com mais nada, sobretudo confundir afinidade com amizade. Mas... Espere, para se criar um vínculo que por ventura venha se chamar amizade, é preciso se manter conhecendo um ao outro, identificar as afinidades, os comportamentos. Então isso ainda não seria uma amizade. Vamos chamá-la de pré-amizade. Neste caso, a pré-amizade não existiu.

Amigos, Ariano e Euclides começaram a trocar informações mais confidenciais um com o outro. Euclides convidou Ariano para ir a sua casa jantar, qualquer dia desses, disse ele. E num dia desses, Ariano foi. Euclides habitava em um apartamento de luxo com os pais e a avó, já bem macróbia. Fazia Ariano sentir-se bem à vontade, o tempo todo. Até a posição das almofadas em que Ariano se recostava no sofá da sala era motivo para atenção. Comiam, todos à mesa. Durante a conversa, a Dona Hilda, avó de Euclides, soltou um comentário que causou lisonja em Ariano:
-Você conversa muito bem, rapazinho. Está no curso certo. Serás um jornalista e tanto.
-Obrigado, senhora.
-Vó, ele já trabalha em uma redação jornalística. Por isso é safo desse jeito... – Disse Euclides, vermelho que nem tomate.

Euclides levou Ariano para conhecer seu quarto. Era imenso, repleto de móveis de madeira de primeira qualidade. Havia uma estante lotada de livros, dos mais variados tipos.
-Já li quase todos, disse Euclides, apontando para a estante.
-Que legal... Já leu até Paulo Coelho? – Indagou Ariano, aproximando-se da estante com curiosidade, o olhar atento nos títulos.
-Não, esses aí estão para enfeite. Não prestam. Paulo Coelho não é literatura.
-Como pode relegar um autor a um simples posto de enfeite em sua estante? Se nunca o leu, jamais pode dizer uma coisa dessas. Precisa lê-lo para ter base em seus argumentos.
-Nem precisa, meu melhor professor de Literatura já dizia, “Paulo Coelho não é literatura”. Você acha que eu devia ou devo discordar de um homem com a titulação que tinha o meu professor de Literatura?
-Você precisa começar a criar suas próprias opiniões. É o que acho. Afinal, está estudando para ser Jornalista. E não “Maria vai com as outras”.
-Admiro você, um cara tão inteligente, gostar desse autor.
-Eu que o admiro. Uma pessoa também tão inteligente e não ser capaz de produzir opinião própria.
-Ah, vamos esquecer isso, não acha? Olha o pôster que tenho aqui, na porta do meu guarda-roupa.

Euclides abriu uma das portas do seu magnífico guarda-roupa.
-Minha mãe me recrimina por ter um pôster desses no guarda-roupa. Olha que gostosa, cara!

Era um pôster da Juliana Paes só de calcinha e sutiã.
-É, ela é bem linda mesmo...
-Ariano, você já teve namorada?
-Não, nunca tive. Por que essa pergunta agora?
-Você podia ter mentido, cara. – Disse, com ar de sorriso – Eu teria vergonha de dizer isso, quando tinha sua idade.
-Pra que mentir sobre isso? Só tenho dezenove anos. Existe alguma cláusula na lei que rege a sociedade que devemos namorar antes dos vinte?
-Não, amigo, olha, desculpe se te aborreci com isso. É que na sua idade, eu e meus amigos gozávamos muito um com a cara do outro, com essas bobagens de mulher. Mas me conta, o coração não ta batendo mais forte ultimamente não?
-Só se for de stress, devido o tempo corrido... – Esquivou-se.

Euclides sorriu.

-Vamos, deixe de tolice. Me conta. Afinal, somos ou não amigos? Aquela vez te contei daquela menina da faculdade!
-Ta... Eu to apaixonado por uma colega de trabalho. Ela começou a trabalhar num departamento ao lado do meu, há dois meses. Ela é... Excepcional.
-Excepcional em que sentido? Escultural, de caráter, inteligência, o que?
-Em todos os sentidos.
-Ah, claro. Quando se está apaixonado, se ama até os defeitos da pessoa. Me esqueci desse detalhe...
-Mas não é efeito da paixão. Ela é assim mesmo.
-Mas e ai? Não vai se declarar pra ela?
-Já fiz isso... Ela fez jogo duro. Você me acha feio, Euclides?
-Cara, eu não sou de achar homem bonito... Mas você não é feio.
-Você não disse que sou bonito.
-Eu disse que não sou de achar homem bonito, se esqueceu?
-Ah, esquece...
-Mas ela não devia olhar apenas sua beleza física. Onde fica você, sua integridade?
-As mulheres só observam isso quando estão apaixonadas. Mas pra se apaixonarem, observam primeiro a beleza externa.
-Você não merece ser rejeitado por mulher nenhuma. Sou seu fã, e você sabe disso.
-Obrigado... Mas e quanto a você?
-Eu me separei, recentemente. Namorei por quatro anos.
-O que aconteceu?
-Sei lá, coisas da cabeça dela. Ela é tão louca que, no dia em que terminamos, ela teve a coragem de me dizer, na minha cara, que não me conhece.
-E alguém conhece alguém?
-Como?
-Nunca parou para pensar nisso? As pessoas dizem o tempo todo que conhecem as outras. Mas não estaríamos todos enganados?
-Cara, namoramos por quatro anos! Eu sabia tudo sobre ela, e vice-versa. Ela tinha é outro, não duvido nada. Inventou esse pretexto. Mas não ligo. Eu sou mais eu.

Ariano olhou para Euclides com estranheza. Naquele momento, teve vontade de dizer que não o conhecia. Já sabia que não o conhecia, mas nunca tinha sentido vontade de falar isso com ele. Repensou os critérios da amizade. “Se não o conheço, como posso creditá-lo como sendo meu amigo? Mas... Se ninguém conhece ninguém, então, dessa forma, ninguém seria amigo de ninguém. Isto é, o melhor a fazer é esquecer isso”.

E continuaram sendo amigos. Uma semana depois, no intervalo de uma das aulas, Euclides disse a Ariano:
-Não imagina o quanto sonho em escrever crônicas esportivas para um jornal que nem o que você trabalha.
-Desde quando sonha com esse sonho? – Disse Ariano, sempre com seu jeitão filosófico de ser.
-Sei lá, cara... A gente sonha um sonho novo todo dia.
-Quando estiver escrevendo suas crônicas esportivas, vai sonhar em ser galã da novela das oito? – Gracejou.

Euclides quase o engoliu com seu olhar de epilético.
-O que está insinuando?
-Nada, ora. Só to reforçando o que você disse. Cada dia sonhamos com um sonho...

Euclides sorriu, pacífico. Mas no fundo sabia da capciosidade de Ariano. Só que naquele momento, não podia alongar aquela discussão enfadonha...

Dois dias depois, Ariano noticiou a Euclides que ele estava contratado pelo jornal.
-Você só pode estar brincando, Ariano!
-Eu intercedi por você. Sei que é capaz, tem cacife pra exercer um ótimo trabalho. Vão apostar em você, Euclides. Não os decepcione.
-Cara... Você é mais que um amigo. É um irmão.

E se abraçaram.

Em casa, no silêncio da noite, Ariano refletiu sobre aquele dizer emocionado de Euclides. “Você é mais que um amigo”. Agora a amizade já se estendia para o campo da fraternidade. O imediatismo com que as coisas iam se sucedendo assustava um pouco a Ariano. Mas, dentro da ingenuidade que ainda cabia em meio a tanta astúcia naquela mente jovial, Ariano optava por esquecer essas “cismas”. Passava a ver Euclides como um irmão, de fato. O irmão que não tinha...


(CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...)








domingo, 23 de agosto de 2009

O sol de um novo dia




"Por que esperar se podemos começar tudo de novo agora mesmo?
A humanidade é desumana, mas ainda temos chance.
O sol nasce pra todos, só não sabe quem não quer.
Quando o sol bater na janela do seu quarto,
lembra e vê que o caminho é um só."
(Legião Urbana)



O Blog Autores S/A está passando por modificações. Por este motivo viemos esclarecer algumas mudanças que ocorreram nos últimos dias. Alguns participantes deixaram o blog por livre e espontânea vontade e, segundo eles mesmos, por razões ideológicas. Deste modo o blog se renova, ao permitir que pessoas interessadas no desenvolvimento do projeto venham somar esforços conosco.

Os participantes que demonstraram interesse em deixar o blog, já retiraram seus perfis e alguns textos. Já que se trata de incompatibilidade ideológica, retiramos todos os textos destes autores, para que não se sintam constrangidos em continuar atrelados ao blog.

Consideramos o blog como uma equipe e, uma equipe deve estar preparada para as críticas, o trabalho em grupo e os desafios, tanto quanto para os elogios. Nenhum membro do blog se considera perfeito, ninguém é. O mais importante é saber conviver em equipe com maturidade e assim, aprender a cada dia.

A prioridade deste blog desde a criação foi reunir pessoas interessadas em escrever e dispostas a proporcionar a todos uma leitura agradável. Não iremos nos desvirtuar deste propósito, portanto, não vamos fazer deste espaço um local para troca de ofensas. Lembremos que somos pessoas civilizadas e que possíveis diferenças não interessam aos leitores e visitantes que sempre nos prestigiaram.

Desejamos apenas que todos os participantes até então envolvidos sejam plenamente felizes em suas escolhas e que não se perca, na trajetória, a serenidade e o respeito mútuo que foi a razão da parceria de outrora.

Autores S/A

sábado, 22 de agosto de 2009

Na Tua Presença


Quero abandonar-me em ti,
Pois quão grande é a minha alegria,
Porque me conheces e sabes bem de todas

As minhas misérias e arranca-as de mim.



Mesmo em minha totalidade
Diante de Ti, não sou eu,
Perto de Vós, sou como uma ovelha perdida

Porque tira-me da fossa e conduz- me a plenitude.

Irradio-me porque existes,
Somente Tu como Tu,
Forte e poderoso.
Só contigo capacito-me e direciono-me
Porque somente em tua presença

Faço com que as tempestades do meu mundo
Tornem-se dias ensolarados
Com raios de luz, vida e esperança.


Torno colorido os dias dos que estão ao meu redor,

Com suas palavras, que saem de mim,
Na presença de Tua luz, faço luz também.
Pois a única certeza de minha vida é que
Somente Contigo eu tudo posso, meu Senhor!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Inesquecível experiência na Praça XV

Tinha apenas dezesseis anos e estava muito feliz com aquele seu primeiro trabalho, há tempos que vinha procurando uma ocupação que lhe rendesse um dinheirinho. Morava com a avó e com os tios e se sentia como um peso naquela casa. Vez ou outra escutava que dava muita despesa e que tinha logo de arrumar um emprego e dessa vez, graças a Deus, havia conseguido.

Iria ganhar a princípio um salário mínimo, sem carteira assinada. Seu trabalho era de mensageiro, estava achando ótimo, já fazia planos de em pouco tempo comprar um chevetinho velho para sair por aí, além disso, agora teria dinheiro para ir para praça do bairro onde morava no baixada fluminense gastar uns trocados no trailer que era o “point” da sua turma. Ia no ônibus com aqueles pensamentos na cabeça, era ainda bem cedo e a avenida Brasil estava bem engarrafada, aquele transito “anda e para”, que deixa qualquer um bem enjoado. Com ele não era diferente, tinha saído tão rápido de casa que não deu tempo nem de tomar café. Só no ponto do ônibus que ao sentir fome, lembrou que tinha de comer. Olhou ao redor e só viu um ambulante vendendo salgados com uma aparência não muito boa, em um isopor bem encardido, mas, como não tinha opção , resolveu encarar. Comeu uma coxinha daquelas bem gordurosas e pra melhorar a situação, ainda colocou aquela maionese amarelada em cima. Imagina só que “delícia”. Marcelo se arrependia amargamente de ter comido aquilo, sentia naquele sacolejo todo aquela coxinha se revirar em seu estômago. Estava com muita vergonha de ter que vomitar no ônibus cheio de trabalhadores e resolveu se segurar. Suava frio e contava os segundos para o ônibus chegar ao seu destino, a praça XV.

Finalmente, chegando ao bonito edifício de frente para a baía de Guanabara, já faltavam cinco minutos para o horário em que tinha de pegar no serviço. Suas mãos estavam geladas e sua barriga se remexia como nunca. Sentia vontade de ir ao banheiro, mas não tinha tempo e aquela vontade de vomitar reprimida agora se transformara em uma cólica intestinal insuportável. O pior é que ele tinha de fazer “cara da paisagem”, não podia demonstrar em seu primeiro dia de trabalho que não estava bem. Ao entrar na sala do seu chefe, o contador da empresa, foi recebendo as orientações bem quietinho, não questionava nada, só sentia um fio de suor escorrer pelas suas têmporas, fazia um trabalho de concentração que fazia inveja a monge tibetano. Neste momento, o contador lembra que tinha de levar um importante documento a um cliente em Niterói. Seria este o primeiro serviço de Marcelo, teria de correr, pois já estava atrasado e o melhor a fazer, por já estarem localizados na praça quinze, seria ele ir de barca. E assim o fez, Marcelo pegou sua pasta com os documentos e seguiu rumo à estação das barcas. Só pensava em chegar lá e descobrir onde era o banheiro. Por sorte era perto e logo que comprou seu bilhete viu que tinha dez minutos antes da embarcação sair. Pensou consigo que dez minutos são mais do que suficientes e entrou no banheiro, lembrando sempre de tomar as devidas precauções, pois em banheiro público não se pode encostar e naquele , que era bem apertadinho, ele teve que fazer uma ginástica.

Ficou abaixado, meio que de cócoras, se apoiando com as pernas levemente dobradas e com as mãos apoiadas nas paredes. Mas não foi muito tempo, logo que se posicionou, apontou seu canhão carregadíssimo para o vaso e disparou de uma só vez. Foi uma espécie de peido materializado, aquele negócio saiu que fez até barulho, o pior é que a pressão foi tanta que quando bateu na água, a água bateu na bunda, uma experiência inesquecível e muito desagradável. Mas sentia-se muito melhor, leve, tranqüilo para continuar sua jornada. Mas as coisas sempre podem piorar, quando olhou para o recipiente onde fica o papel higiênico (só olhou depois mesmo), só viu o rolinho de papelão vazio, sem sinal de papel, nem sequer um pedacinho pra contar a história. A situação tava crítica, precisava se limpar e embarcar para Niterói, pois o tempo tava passando. Naquele momento, com as calças arriadas na altura da canela e já ouvindo pessoas querendo utilizar o banheiro, Marcelo se desesperou, pois por recomendação médica devido ao um problema nos testículos não usava cuecas, se sentiu preso, numa situação completamente inusitada e difícil. Mas não adiantava ficar reclamando, precisava de uma solução. Resolveu pegar o rolinho de papelão vazio, pegou, rasgou em pedaço e experimentou... Foi horrível, só serviu para espalhar mais o que já estava sujo. Suas pernas doíam, ele começou a ficar claustrofóbico naquele banheiro pequeno e agora também, graças a ele, muito fedorento. Teve uma idéia, resolveu tirar a carteira e ver se tinha algum papel sem utilidade, que seria super útil naquele momento. Além do pouco dinheiro que tinha, só tinha cartão de telefone, identidade e um requerimento que tinha recebido via fax. Desdobrou aquele papel e pensou: É tu mesmo! E passou lá. Só que o papel era muito fino e não conseguia limpar direito. Ele passou e sentiu que ainda estava sujo, melado, mas teve ainda de dobrar e passar do outro lado. Sentiu que resolvera uns sessenta por cento da situação. Se arrependia muito de não usar cuecas, dava tudo para ter suas cuecas ali e nesse pensamento, lembrou das meias. Bem lembrado! Tirou o sapato novo e com rapidez tirou as meias. Enfim conseguiu terminar o serviço. Sua camisa estava molhada de suor. Com muita vergonha e após se recompor um pouco, abriu o banheiro e saiu cabisbaixo, com seu sapato machucando o calcanhar, com certeza faria uma bolha daquelas, mas, melhor que andar fedendo por aí.

No trajeto rumo a Niterói, as contrações voltaram. Marcelo ficou aterrorizado, relembrando os momentos de agonia no banheirinho da estação. Mas foi só um susto, logo que desembarcou em Niterói, correu a uma farmácia e comprou um rolinho de papel, amassou bem e guardou em sua pasta, resolveu que por aquela situação não passaria nunca mais.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Toda calúnia sobre a origem da minha prosperidade está amarrada, em nome do Senhor Jesus!


Toda e qualquer semelhança com fatos reais é mera armadilha dos inimigos e da coincidência. ( A autora profana e descrente).


"Se a palavra de Deus é tão poderosa;
se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não vemos hoje
nenhum fruto da palavra de Deus? " (Padre Antonio Vieira - no Sermão da Sexagésima, (1655)..

"Jesus Cristo é o Senhor, é o caminho, a verdade e a vida."

Toda manhã inicio o meu dia com a mesma rotina. Acordo ao som da Sinfonia Nº 5 em Dó Menor, do genial e incompreendido compositor e maestro, Ludwig van Beethoven. Esta sonata consegue estabelecer em meu espírito o mesmo movimento de "uníssono fortíssimo", que é toda a sua base, de forma a me "orquestrar" para mais um dia de intenso trabalho espiritual que tenho que exercer, enquanto pilar máximo de uma estrutura eclesiástica que eu mesmo criei.

Eu sou o Senhor, Messias e Representante da palavra de Deus diante dos meus discípulos; minha orquestra particular e universal, que se expande entre territórios jamais navegados, como um rebanho de ovelhas d'antes mal direcionadas que seguem hoje os meus comandos, com a certeza de que o seu destino está irremediavelmente atrelado a mim, enquanto conselheiro espiritual exclusivo e porta voz de Jesus Cristo; para que um dia, além do seu passaporte garantido para os portais do paraíso, tenham aqui nesta passagem terrena, a prosperidade que Deus almeja para cada um e todos os seus filhos; para todos aqueles que exercem sua Fé inabalável nas escrituras, com uma conduta reta diante das tentações impostas pelo inimigo e ciente de seu dever dizimista, que torna possível a nossa missão de espalhar a unção do Espírito Santo, na vida de todas as pessoas que sofrem no mundo pelo pecado cometido por Adão e Eva nesta Terra.

Hoje eu tenho uma missão muito especial. Já pedi ajoelhado aos pés da minha cama que o Espírito Santo me inspire a fazer a escolha certa, diante de tantas opções que estarão a minha frente. Vou fazer uma compra exclusiva. Mas não é uma compra comum, nem tampouco embasada em vaidade pessoal. Tenho que me explicar, porque o inimigo tenta de todas as formas lançar a sua maldição em minha vida. O potestado não admite derrotas. E a maior derrota do mal, é saber que um escolhido de Deus, esteja conseguindo espalhar as sementes do bem, nos corações humanos; saber que Jesus Cristo é o centro de toda a Fé, e saber que desde o que passamos a denominar de Mundo Contemporâneo, nenhuma igreja tenha se espalhado de maneira tão grandiosa e expansiva, quanto a minha, a Igreja Universal do Reino do Dízimo.

Mas isto se deve única e exclusivamente a um fato: eu sou um ungido do Senhor. Vocês sabem, Deus não escolhe os capacitados, ele capacita os escolhidos. E eu, sou um deles. Isto é incontestável. Na história bíblica, podemos citar vários dos homens escolhidos por Deus, como seus represententes na Terra: Noé, Abraão, Moisés, Davi e Salomão, são alguns exemplos, dos que foram capacitados pelo Senhor, por serem escolhidos. Eu sou um deles, porque eu não sou comum. Deus me capacitou para a vitória financeira e material e para desalojar todo e qualquer encosto da miséria, que reine na vida de um irmão! A maior alegria de Deus é saber que os seus escolhidos, descendentes do rei Davi, assim como até mesmo o próprio Senhor Jesus Cristo, serão escolhidos e chamados para o perdão divino, no dia do Juízo Final, e que são prósperos enquanto aqui estiverem vivendo.

E eu tenho por obrigação, dar o meu testemunho. Um dia, sonhei com a visita do Espiríto Santo, e nele, Deus me instruía a pregar em seu nome, e afirmava que grande seria o império construído por mim, através da divulgação da Teologia da Prosperidade. E que grande também, seria o desafio de conter a fúria de Satanás, incorporado por caluniadores, que iriam tentar provar através de difamações infundadas e supostos fiéis insatisfeitos, que os templos erguidos por mim, em vários países, seriam fruto do uso indevido dos recursos adquiridos pelas ofertas abençoadas dos irmãos, como uma forma de lavagem de dinheiro que na verdade , seria investido em contas minhas em paraísos fiscais. .

Minha visita ao Antiquário será às dez horas. Enquanto ouço a Sonata ao Luar, a minha favorita com seu suave acompanhamento de arpejos, folheio o catálogo das peças raras que estão disponíveis para o leilão ou transação particularíssima pelo seu alto valor no câmbio negro das artes, e já sei exatamente o que quero: um trono a altura de um humilde pastor a serviço de Deus, que hoje pode usufruir do suor de seu trabalho, comprando uma peça histórica que só vem a acrescentar as bençãos que foram preparadas para mim, homem de Fé inabalável. O Espírito de Deus estará comigo nesta compra, pois é de sua vontade que o Templo que estou para inaugurar em Dubái, esteja a altura das riquezas daquele país. Janelas e vitrais de cristal confeccionados em Veneza, mosaicos no piso de mármore belga, pilastras de mármore da Noruega, além de carpetes aveludados e vermelhos vindos da Turquia , a mais esplendorosa cúpula geodésica representando o dia do juízo final, encomendada ao pintor italiano Benedeto Eco e o púlpito de Maracatiara, madeira nobre do Pará (para ninguém dizer, que não valorizamos o que temos no nosso país). Todos os estofados dos assentos encomendados são de couro, pois assim o fiel saberá onde está sendo empregada a sua oferta, ou seja, no seu conforto, para que ele possa glorificar o nome do Pai enquanto ouve seu pastor pregar as escrituras e ensiná-lo a desenvolver o sacrifício da doação pelo desapego material.

Os nossos templos não são templos de ostentação. Não adoramos ídolos de gesso, não cultivamos hierarquias elitistas. Todos são iguais diante de Deus, e se não são abençoados como gostariam, é por que não estão empregando a Fé do mesmo jeito que nós, cordeiros de Deus que sabemos nos utilizar desta Fé, para obter prosperidade em nossas vidas.

O trono que me aguarda no Antiquário, representa o trono onde estarei sentado no dia do retorno do Santíssimo. Tenho certeza que o meu lugar está garantido ao seu lado. Se algum pecado tenho, é de ter provado por A mais B, que sem fé, o homem é como um barco sem leme, perdido no meio de um oceano de atribulações, e a verdade incomoda os falsos Messias, que não suportam o crescimento da legião dos que têm a certeza de sua salvação em Cristo.

Tenho certeza que o meu depoimento, que ainda hoje, será uma entrevista aos meios televisivos, servirá de esclarecimento e alicerce principalmente para os justos, que até choram, diante das injustiças que estou sofrendo. Mas assim, tal como Beethoven, que era ridicularizado em seu meio, pela surdez, e hoje é reconhecido como o maior mestre na música erudita, tenho certeza que um dia estará provada a minha inocência e calada será a boca de todos os profanos que zombaram da minha sinceridade. Por isso, olho nos olhos dos meus inimigos; porque sou puro nas minhas intenções e raro, como todo escolhido é raro na sua função. Assim como Beethoven foi único em sua arte. Espero que gostem do trono que servirá de exemplo da glória de Deus e no qual eu sentarei, enquanto não chega o dia de seu retorno.

Agora que já ensaiei bastante o meu discurso, posso sair tranquilo. Amém.


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Conto de fatos


Tininha era sonhadora. Adorava ler e acreditava em príncipe encantado. Não só acreditava, como defendia ferrenhamente suas ideias a respeito. Achava que um grande amor não vinha de maneira natural, tinha de haver algo mágico envolvido, como num conto de fadas.

Um dia bolou um plano, segundo ela infalível, para encontrar seu príncipe. Contou seu plano às amigas. “Louca!” Disse uma delas. “Você vai morrer, sua maluca!” Disse outra. “Eu acho romântico.” Disse a terceira. A quarta só balançou a cabeça, em sinal de reprovação.

Tininha não tinha queda por sangue, hospital, nada disso. Mal podia suportar uma injeção. Mas ela acreditava que se atravessasse uma rua sem olhar para os lados, poderia ser atingida por um veículo e que o motorista pararia para lhe prestar socorro, ganhando assim, ares de príncipe encantado.

Tininha não era suicida, então escolheu uma rua pouco movimentada. Queria estar na rua certa, na hora certa, para que o carro certo lhe atropelasse e dele descesse, como que de um cavalo branco, o homem que a resgataria.

Sua imaginação era fértil, e ela ia além nos detalhes do plano. Imaginava que o homem seria médico e lhe prestaria ali mesmo os primeiros socorros. Caso não fosse, deveria tomá-la nos braços até o carro, preocupadíssimo com sua integridade física. “E se isso não acontecesse? Se ele largasse você ali, estirada no chão?” Perguntou uma amiga mais sã. “Então, se não há um príncipe para mim, de que vale continuar a viver?” Rebateu Tininha.

No dia seguinte, seguiu até a rua escolhida e colocou sua ideia em ação. Carros buzinaram, desviaram, xingaram Tininha e nada além disso aconteceu. E assim foi por mais alguns dias.

Do lado oposto da rua, todos os dias um rapaz assistia assustado às investidas de Tininha contra os carros. Não entendia porque aquela moça atravessava a rua direto, num só embalo, sem olhar para os lados. Por que uma moça tão bela seria suicida? E por que escolheu aquela maneira de morrer? Isso o deixava profundamente intrigado.

Um dia, sem que Tininha sequer suspeitasse da sua existência, o rapaz decidiu chegar mais cedo àquele cruzamento. Quando ela aproximou-se da rua, o rapaz imediatamente entrou na frente dos carros, fazendo malabarismos bisonhos. Tininha, como sempre, atravessou direto, sem olhar para os carros. Depois que ela alcançou a outra calçada, o rapaz saiu da frente dos carros, que já buzinavam , por pressa ou numa forma de crítica à sua má atuação como malabarista.

Em uma dessas vezes, o barulho das buzinas chamou a atenção de Tininha, que após concluir sua investida, resolveu olhar para trás e viu que o rapaz olhava em sua direção, enquanto fazia malabares. Tininha era pirada, mas não era sonsa. Percebeu imediatamente o que aquele rapaz estava fazendo. Ficou indignada. “Quem esse sujeitinho pensa que é, para interferir no meu destino?” Perguntava a si mesma. Decidiu que no dia seguinte daria o troco. Não daria chance dele se meter no seu plano.

Assim o fez. Caminhou devagar pela calçada, bem lentamente. Avistou o rapaz na calçada oposta. Estava parado, esperando por ela. Um pouco antes do fim da calçada, apertou consideravelmente o passo, para que o rapaz não tivesse tempo de chegar ao centro da rua. O rapaz, que tinha uma visão mais ampla do ponto onde estava, viu um carro se aproximando em alta velocidade, jogou no chão os pinos de malabares e correu para o meio da rua. Tininha ouviu a freada e chegou a tempo de ver o carro acertar em cheio o rapaz e lança-lo para o alto.

Sentiu tudo. Compaixão, raiva, medo, culpa, arrependimento, amor. Se aproximou mais do rapaz e viu as escoriações nos braços e joelhos. Um dos punhos estava visivelmente deslocado e o rapaz, inconsciente. Ela se imaginou no lugar dele, estatelada no asfalto quente, sangrando por vários pontos do corpo.

Ajoelhada ao lado do rapaz, ouviu o motorista do carro dizer: “Não sei o que aconteceu, o cara é louco, entrou na frente do meu carro. Eu não pude frear a tempo.” Tininha ficou aborrecida por terem chamado o rapaz de louco. “Ele é seu amigo?” Perguntou o motorista. “Sim, é meu amigo.” Respondeu Tininha.

Os três entraram no carro. Tininha deitou a cabeça do rapaz no seu colo e viu que de sua nuca escorria sangue. Afagou-lhe os cabelos, rezando para que ficasse bem. Uma lágrima rolou dos olhos dela e caiu sobre os lábios do rapaz que acordou lentamente. Ainda com a cabeça apoiada nos braços dela e com dificuldade, o rapaz perguntou: “Eu morri e estou no céu? Você é um anjo?” Tininha abriu um enorme sorriso e respondeu: “Não sou anjo, não. Me chamo Ana Cristina, mas pode me chamar de Tininha.”

O rapaz estava feliz por ter conseguido chamar a atenção de Tininha. Ela, estava feliz por ter encontrado seu príncipe encantado, que de quebra era um super-herói.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Menu da Alma


Senti algo a me revirar por dentro: era minha alma com fome.

Fome de caixas a serem abertas,
de pernas entrelaçadas sob as cobertas,
de palavras ditas nas horas certas.

Fome de borboletas voando pela minha barriga,
fome de briga,
noite mal dormida,
mordida...

fome de alguém que me desarme,
de alguém que me repare,
de alguém que nunca se cale.

Fome de febre que queime,
cheiro que fique,
toque que marque.

Fome de ciúmes,
de abismos,
de emoções...
Pois o que agora apetece minha alma são as explosões.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Andréa

Meia noite do dia dezessete de Agosto. Andréa agora se tornara uma flor de Lótus no centro de sua sala de estar. Bem posicionada, ela praticava yoga, sibilando seu mantra. Estava só, a meia luz. Havia alcançado uma meta – uma das que escrevera em uma lista, aos dezessete anos. Uma página arrancada do diário, que se tornou muito mais importante que o próprio diário.

Esta era sua meta número cinco: Viver cinqüenta anos. E, toda vez que conquistava um desses objetivos listados, adentrava em seu mundo mais particular, mais etéreo. Para agradecer, talvez. Ou regozijar-se em seu mais profundo silêncio. Seria uma forma de egoísmo? Não, decerto ela comemoraria depois, com os amigos e familiares. Antes, teria que ser dela para ela.
O choro do filho a sobressaltou. Aquele som característico viajou milhares de quilômetros invisíveis dentro de sua mente e sua alma, contornado-a, e repousando, por fim, em seus tímpanos. A primeira coisa que pensou antes de se desfazer da posição para se levantar foi: Não é possível esse menino chorar justo agora! Todavia, ao chegar no quarto, debruçar-se no berço daquela linda criança, Andréa culpou a si mesma pelo pensamento anterior. Precisava amamentar o pequenino, e, ao consumir este ato, viu que aquela foi a melhor meditação que podia existir.

O dia seguinte foi marcado pelo corre-corre dos empregados de sua casa. Ela, logicamente, não dedicaria aquele dia ao trabalho ou a qualquer exercício que a fizesse transpirar toda sua energia recarregada e seus odores adquiridos especialmente para o início da noite. Deixou-o nas mãos das pessoas que confiava. Arrumação, refeição, bebidas... Se dependesse de seus serviçais, a casa estaria tinindo para mais uma comemoração festiva. Andréa, como era de se esperar, estava deitada em uma confortabilíssima maca, em um spa, com uma rodela de pepino em cada olho. Cinquentinha, algumas ruguinhas já começavam a “bater ponto’’ em suas feições avermelhadas e rechonchudas. Nada que um bom tratamento de pele resolvesse.

Merecia aquele momento “relax”. Ultimamente vinha sendo muito requisitada pela editora a qual prestava serviço. Era uma escritora de destaque, seus livros, cujo universo feminino era a temática mais decorrente, tinha uma ótima vendagem. Ademais, escrevia para um jornal renomado, todas as segundas-feiras. Tinha sua vida profissional realizada. Mas... Pessoalmente, não se sentia realizada com a função que exercia. Não por completo. Desejava algo mais de sua capacidade criativa. Algo que ainda não conseguira. Talvez pelo tempo corrido das coisas. Talvez pela pressão que a editora exercia sobre si. Às vezes pensava em ocultar-se, no escuro do seu quarto, na penumbra de um lampião aceso. Ali, encolhida no canto da cama, com um caderno e caneta nas mãos, escrever o que bem entendesse, e nunca mais divulgasse nada, nada. Mais um egoísmo de Andréa? Não! Antes de ser para o mundo, ela precisava ser para ela.

Andréa idealizou uma festa discreta, com apenas cinqüenta convidados, fazendo uma analogia a sua idade. Além do mais, tinha poucos amigos. No entanto, os melhores que podia ter. Os amigos do seu ex-marido não lhe perturbariam desta vez. Homens inconvenientes, beberrões. Lá, antigamente, as festas eram regadas à carne mal passada e cerveja. Duas coisas que odiava. Seu marido a fazia de empregada. Queria mostrar aos amigos que sua mulher era sua subordinada. Mas Andréa se cansou desse posto. Hoje ela programa sua festa, ela convida seus amigos, ela tem à disposição as pessoas certas para ajudá-la com os preparativos.

A noite chegou. Andréa vestiu-se com janota. Um vestido preto, que lhe caia muito bem. Recepcionava seus convidados com muito bom humor, marca característica de sua personalidade. Sentia-se feliz por tê-los presentes, vê-los espalhados, cada um em um canto da casa, conversando, tomando seus drinks, curtindo a música lounge que mantinha a serenidade do ambiente. A maioria de suas amigas cercavam o berço de Davi, seu filho.

-Vejam, como ele está lindo!
-Fruto de um milagre. Este menino é uma dádiva dos céus, Andréa!

Andréa reconhecia. Foi, de fato, um milagre. Quarenta e nove anos, e uma vida é gerada de seu ventre. As amigas mais próximas sabiam do quanto aquela mulher lutou para conquistar aquele objetivo: gerar um filho. Esta era sua meta número quatro. Ela precisava alcançá-la, a qualquer custo. Uma mulher que não é agraciada pela maternidade é uma mulher, apenas. Mãe é um outro ser. Divinal, que contribui com a perpetuação da humanidade. Mãe é um outro sexo. É um ser santo.

Andréa tentou, dos trinta aos quarenta e nove anos, se tornar santa. Sofria de um problema grave que atingia seu útero. Para não perdê-lo, realizou todos os tipos de tratamento possíveis. Os dispêndios foram inevitáveis. O marido reclamava, como quem já dissesse: Vamos esquecer esta idéia, estamos felizes assim. Ora! Mas ela havia escrito aquela meta na lista! E além do mais, ele seria pai e ser pai... Ser pai não é ser mãe. Seria uma outra forma de egoísmo? Não, não... Não existe comparação neste caso.

Persistiram, e já nos últimos minutos, marcaram o gol. Foi uma gravidez de tremendo risco. Mas dela nasceu Davi, um anagrama perfeito.
Ele chegou. Carlos, seu ex-marido. Ela o convidou por conveniência e a consideração de vinte anos de casamento que ainda restava.

-Seja bem-vindo, Carlos. Fique a vontade. A casa... É sua.
-Isso eu já sei, Andréa.

Carlos era professor. Boa pinta, Andréa sempre sofreu por ciúmes por ele. Na escola onde trabalhava, “chovia” garotas assanhadas em sua horta. Garota... Coisa que Andréa já não era mais. Por vezes, achava que ele a traía. Mas, logo em seguida, descartava essa idéia da cabeça. Olhava-se no espelho, e recuperava sua segurança. Era mais ela. Seria egoísmo? Egocentrismo? Não. Seria ela, apenas.

A crise aumentou na gravidez. Ele não a apoiava como devia. Não ansiava pela paternidade. Chegou a dizer que estavam gerando uma prisão. Andréa não suportou tudo isso. E, no ápice de sua sensibilidade de gestante – na flor da pele – ela decidiu por aquele que mais amava. Carlos a acusou de egoísmo. Que se sentia usado por ela. Mas não... Andréa sabia dividir.

Assim que Davi nasceu, Carlos se sentiu tocado. Mas já era tarde demais. Andréa não costumava voltar atrás com suas decisões.

-O Davi está lindo. Nosso filho. – Disse ele, enquanto admirava a criança.
-Sim... Nosso filho.


Andréa percebeu em Carlos um tom de cinismo. “Ele disse isso propositalmente”... “Nosso filho... Ele faz questão de enfatizar isso. Pensa que me aflige com isso”.

-Filho que você abandonou antes mesmo de ser gerado.
-Você me fez abandoná-lo. Você vive só para si. Com licença, vou beber alguma coisa. Tem cerveja?


Andréa o olhou com esgar. “Eu vivo só para mim??”, pensou. “Ele sempre almejou a liberdade acima de tudo! Ele sim vive só para ele”.

Preferiu manter-se calada. Não queria, de maneira alguma, estragar aquela noite.

Chegada a hora tradicional de cantar o parabéns. Cinqüenta velinhas acesas, fincadas em um magnífico bolo de nozes. Emocionada, Andréa assoprou uma, duas, três vezes, até apagarem todas. Fechou os olhos e pensou em um pedido. Apesar de estarem cerrados, se via as lágrimas romperem aquela barreira e escorrerem pelo seu rosto. Era uma mulher emocionalmente sensível, não obstante sua rigidez e sua força aparente. Era forte no tom de voz, na expressão, o olhar, o discurso. Era forte em todos os sentidos. Só não gostava de ser considerada forte fisicamente. Obviamente, interpretava como sendo um eufemismo.

Fim da festa. Hora de se recolher. Vestiu todas as roupas que ganhara. Apreciou rapidamente os livros e os cds que também lhe presentearam. As flores que Carlos havia lhe trazido. Um romantismo que chegava a ser burlesco... Acarinhou seu amado filho durante um tempo, e o amamentou, dizendo:

-Eu sei dividir... Eu sei dividir...

Apanhou na gaveta de sua escrivaninha uma folha de papel já meio amarelada. Sua lista de metas. Eram seis. Odiava números ímpares. Aos quinze, teve sua menarca. Tardia, o que a levou a avaliar o problema que lhe tiraria muitas noites de sono. Detestou aquilo, foi uma péssima experiência. Não queria virar mocinha. Sonhava em ser a esposa do Peter Pan. Coisas de menina. E o número quinze nunca lhe reservara boas lembranças. Daí em diante, foi como uma maldição. Os números ímpares sempre guardaram más surpresas para Andréa; momentos que não valeriam a pena discorrer neste texto.

Já havia plantado oito árvores ao redor de sua casa. Já tinha ido ao show da Madonna. Já tinha tido um filho, e alcançado os cinqüenta anos. Agora restavam duas metas. Pensou em concretizá-las com uma “cajadada só”. Imaginou que uma não poderia ser incongruente a outra.

Apanhou uma pílula cor de abóbora no fundo falso de sua gaveta. Um copo d’água. Sentou-se na cama, com a lista de metas em sua outra mão. Ingeriu a pílula. Pronto. Quem lhe vendeu afirmou que causava uma morte suave, sem sofrimento algum. Mas havia sofrimento, era inevitável. Os pensamentos. Estes turbilhavam em sua cabeça. Sofreu um ataque cardíaco. Caiu deitada na cama. A lista, segura na mão.

No dia seguinte, ao encontrá-la morta, uma de suas empregadas ligou rapidamente para a emergência. Depois, muito consternada, apanhou a lista da mão de Andréa. Sua meta número um: publicar uma autobiografia de Andréa de Souza. Meta número seis: Morrer na mais perfeita paz.

Ambas as metas foram alcançadas. Com sua morte, uma homenagem póstuma aconteceu. Uma amiga, também escritora, escreveu um livro sobre a vida de Andréa de Souza. Livro este que teve mais vendagem do que todos os que Andréa já tinha vendido em toda sua vida.

Egoísmo de Andréa deixar este mundo por conta própria, sem mais nada para oferecê-lo? Deixar o filho por causa de uma meta banal idealizada por uma menina de dezessete anos? Não. Ela tinha o direito de morrer para ela.
No entanto, um pedido, um último pedido, não fora atendido. Este não constava na lista. O pedido de aniversário. Naquele momento, Andréa pediu a Deus que a perdoasse. Perdoasse pelo ato que ia praticar em breve. Mas não há um Deus sequer que perdoe o suicídio de Andréa de Souza, aquela mulher forte. Já era esperado... O pedido número sete. Números ímpares não lhe traziam sorte.

(Hoje é aniversário da nossa querida amiga Andréa Amaral! Uma das autoras deste blog. Andréa, o seu dia me inspirou para este texto. Obrigado. E feliz aniversário!)