quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Hitler Parade: os ícones do Nazi Rock


Saruman metaleiro
coisa do mal...


Mortais autores nossos de cada dia,


Foi manchete:

"Claudia Leitte compara críticas sobre Rock in Rio a atitude nazista."
fonte: musica.terra.com.br


Acompanhemos o raciocínio lógico-silogístico:


Todo rock é coisa do demo.
Adolph Hitler é o diabo.

logo

Todo rock é coisa do Hitler chifrudo. 


Daí a expressão "Rock Hitler!", 
não "Heil, Hitler" como muitos pensam até hoje.



Não tem pra ninguém, nem pra Slash, nem pra Joey Perry, 
Saruman com sua Les Paul é melhor do que Hitler.


Aproveitando o clima recente de rebeldia que tomou conta do Autores S/A, do fato de o último post da Ivanúcia ser o 666 do blog,  da caótica realidade de termos José Sarney como imortal da academia (às vezes lembro disso e dói) e da Claudia Leitte ter ficado axé da vida com os roqueiros do 3° Reich, nada melhor que extravasar rancores e visões irracionais com o clássico dos clássicos do melhor Rock Nazista: 


No 7° lugar do nosso "Hit 'ler' Parade"
                                                                 
Iron Maiden 

  

Segundo o portal Terra, num post publicado no blog da cantora Claudia baiana [sic] ela própria faz uma comparação entre as teorias da superioridade genética que vigoravam na Alemanha nazista e as críticas dos roqueiros brasileiros sem partido político.   


Diz a Leitte, de São Gonçalo:

"Ok. Não gostar de Axé é normal! Anormal é achar-se superior porque conhece John Coltrane ou porque adora o Metallica. Procurem no Google sobre a história de um ariano que se achava superior aos judeus". 

nota do posteiro ignorante: 


Mas por que John Coltrane? 
O que Coltrane tem a ver com tudo isso?
Ele esteve no Rock in Rio?




Vá pro...








6° lugar:


Megadeth 






Não há dúvidas de que há fãs de rock que radicalizam, mas a analogia usada pela cantora gonçalense não cola - numa linguagem bem descolada - coisa de quem fala pelos cotovelos.  Se concordarmos com a comparação claudiana, estaremos nos opondo a todo o sistema de avaliação educacional, todo critério de valores, o que acabou indo de um extremo a outro após a institucionalização do 'politicamente correto'. Não podemos dizer: fulano é melhor do que beltrano, pois isto será uma atitude nazista.  


Claro, tudo depende de como e por que se diz. Imaginemos se não existe um estudante melhor do que outro, então por que ainda aplicam provas escolares, para provar o quê? Por que existem entrevistas de emprego, para saber o quê, senão se um candidato é melhor do que outro para as pretensões do contratante. O mesmo se dá quando comparamos um músico a outro, guitarristas, cantores, etc. Por mais que seja duro ouvir, existem cantoras melhores que outras, existem as que cantam divinamente, com voz e "feeling" privilegiados, outras que são menores, ruins, e até medíocres. 

Especificamente, quanto ao Rock In Rio, a questão é muito simples, o que Claudia Leitte acharia de ter bandas de Rock tocando num festival chamado Axé "in qualquer lugar"? Será que os fãs desse gênero respeitariam as bandas com guitarras possantes e super bem tocadas? Será que não seria inadequado? Esses casos de inadequação são responsabilidade de organizadores sem nenhum bom senso, regidos que são pelas leis do mercado; estas sim NAZISTAS.  
         


Vá se F...!   





Hitler Tutti-Frutti




5a posição do nosso "Hit Parade ler"  




O mais puro e ariano Nazi Rock nacional


(ADVERTÊNCIA: não vaiem leitores, não estamos no Rock in Rio)







4° lugar:


ROGER "Pink" WATERS







3a posição do nosso Kama Sutra ariano:


My Chemical Romance  




Hitler Emo
...cionante







E fechando nosso muro de vez com o  2° lugar:




Segunda  vez 




Roger Nazi Waters









Agora, os vencedores do nosso festival "Digo o que me vem na telha, e f... se for estúpido" são esses caras negros sensacionais do Living Colour, Hitler que me perdoe,  que põem qualquer (%#$%) no chinelo. Nada genético, por favor... 


Então fiquem com a maravilhosa Cult of Personality, 


e vão todos pro @%#@¨&%¨&&*




1° lugar:




LIVING COLOUR!






Até quinta, se eu quiser!






Camillo Landoni


XXXIX

A Prova dos Seis Temas

Olá, poetas e leitores!

Estamos no ar com mais um super post-poético do III Concurso de Poesia Autores S/A!

Haja vista a série de comentários desrespeitosos registrados no último post, pedimos, antes de mais nada, que os poemas dos participantes sejam respeitados e, em caso de críticas, que sejam dirigidas de modo construtivo e decoroso. Quem estiver interessado, solicite participar do grupo do III Concurso de Poesia Autores S/A! Está demais!

Bem, dos 80 poetas classificados na semana passada, 03 deles, infelizmente, desistiram de prosseguir no certame, por motivos pessoais. Damos adeus, então, aos poetas Paulo Rodrigues Souza do Nascimento, 22 aos, Acaraú - Ceará (Godofredo Nascimento – “Nossos anzóis não servem para pescar no mar”, ficou em 64º); João Elias Antunes de Oliveira, 49 anos, Taguatinga – DF (E. Antunes – “O Homem por dentro”, ficou em 23º) e Jackson Ramos Xavier, 37 anos, Salvador – Bahia (Maxell Rocha – “solipso”, ficou em 65º).

Restam 77 poetas na disputa. Veja, abaixo, como o nosso mapa do Brasil ficou ilustrado em suas respectivas representações:



 Além dos residentes do território brasileiro, temos ainda 01 participante do Japão, 01 de Portugal, 01 de Angola, 01 do Canadá, 01 da Itália e 01 da Espanha.

Para a próxima etapa, serão classificados apenas 32 poetas. Sem qualquer chance de alteração neste número, nem para mais, nem para menos. O resultado dos 32 classificados será divulgado nesta quinta-feira, dia 02 de outubro. Também, no mesmo post, será revelada a identidade dos jurados da etapa. Na terceira etapa, entraremos na FASE DE GRUPOS. Os 32 poetas classificados serão divididos em 8 grupos de 4. O sorteio dos grupos será gravado e transmitido em vídeo no blog Autores S/A, a fim de que nenhum rastro de desconfiança habite o coração dos nossos poetas (nossa, foi poético isso, não?). A classificação final nesta etapa será muitíssimo importante, pois além de definir os 08 cabeças-de-chave (os 08 primeiros colocados), ela servirá como critério de desempate para a fase de grupos. Portanto, fiquem ligados nesta etapa! A ordem da classificação respeitada será do 1º colocado até o 32º colocado. Na quinta-feira, a fase de grupos será explicada detalhadamente. Agora, que tal ler poesia, hein?


A PROVA DOS SEIS

A todos os classificados, foi proposto que escolhessem um tema, de um leque de seis opções, e desenvolvessem um poema. A seguir, todos os 76 poemas enviados, divididos pelos temas. Boa leitura a todos!


TEMA:
O
QUE
É
O
OUTRO?




De Trofa, Portugal: Benjamin Sano
Título: Um Outro

Pelo tanto do que sei
E que aprendi…
Amar não é fácil.
Logo a princípio,
Porque precisa de dois
Para que aconteça…
Mais além, porque visa
A conjunção, conjugação
E outras derivações
Nominais de verbos coligativos…
Mesmo no caso narcísico
Do eu me amo…
A fórmula dá-se em duplo,
Quando torno-me duplo
De mim mesmo para assim
Poder amar-me em amor especular.
O outro necessita ser
Um reflexo mínimo
Do um amado.
Precisa encontrar um pouco
De si mesmo na resposta
Ao amor doado.
Doação nunca isenta de interesses…
Ao dá-lo, peço ou exijo
Uma devolução paritária de amor.
Te amo porque me amas…
Amor é caso de boa leitura.
De saber ler o que está
Escrito numa página branca.
Ler nas entrelinhas
Onde nem sequer linhas há…
Te amo porque me amas porque te amo
Jogo de cristais deformados
Numa casa de riso
De um circo decadente…
O amor é tanto mais puro
Quanto mais lapidado.
É preciso um diamante
Para cortar o outro…
É preciso um amante
Para amar um outro.
Esforço individual de manutenção
Como se cada um fosse o pulmão
De aço do seu duplo.
Cada um quer, mas não pode
Sobreviver sem o duplo.
Estrada para lugar nenhum,
Com destino certo.

De Três Lagoas, MS: D. Fernandes
Título: Frenesi do chão

Divisava o teto, aquele homem
amarelo e acabrunhado 

Sentia o áspero dos sapatos
Os potes caindo frios
A umedecer-me o corpo
Eu vi! Vi Maria correndo
Com vasilhas de água nas mãos
Vi Carlinhos brincando de
carrinho na área do fundo
Também tinha Guadalupe
(a empregada bilíngue,
que aprendera português
por imposição da vida)
Os cachorros entravam
Cheios de terra e misturas fétidas
em suas patas
Os gatos sempre a mijar
por todos os meus limites
E o sol lá fora invadindo
todo lugar sem pedir permissão

Porém meus olhos perplexos viam
Uma cena que há tempos nem figurava
O bebê mole e inundado de esplendor
Tamanho o sol que o envolvia
Levantou-se,
andou com alguns passinhos trêmulos
e caiu sorrindo...
Sua existência era a minha.

De Curitiba, PR: Chatecutle
Título: Carta do senhor Hyde ao Dr. Jekyll  
                                                      
                                                                                             
caro Dr. Jekyll
estou atordoado
rolam pedras e imagens
em vertigens
avançam                     retrocedem
avançam                     retrocedem
são sempre as mesmas danças
da cabeça e do ventre
é o compasso da música binária
:
esquerda – direita
esquerda –  direita
um –  dois
dois –  um
um       –  dois
dois –  um


você é a chama do templo
e eu sou a água e também sou o vento
você é o vale do silêncio
e eu sou a voz do deserto
você é bom demais
e fala palavras angelicais
eu sou um marujo do imprevisível
e sou também um rato dos cais

isto é um duelo e eu vencerei
serei senhor do mundo
pois eu sou poderoso e taciturno

Dr. Jekyll
por que você quer ser uma unidade?
depois que me engendrou não é mais possível
desfazer-se de mim
sou impulso sombrio e estou livre
entenda Dr. Jekyll
eu sou seu outro eu escondido
acaçapado nas sombras
eu sou sombra da sombra
a dualidade
um rosto invisível no espelho
eu sou o rosto da maldade

mas cada  homem é dois – essa é a verdade
gigante anão
escura luz da alma
grito silencioso
chama ardente e gelada
outono e primavera
noite e alvorada

silêncio e  ruído isso é homem
pessoa e personagem
na imensidão da vida
(dói a verdade)
a mente tem duas margens

eu sou seu lado oposto
se você não me tivesse enterrado no poço
dos objetos indesejados
se não me tivesse encurralado
se tivesse me escutado alguma vez
eu não estaria reclamando
e você não precisaria libertar-me

caro Dr. Jekyll você me ignorou
jogou-me em um poço
e eu lutei
tornei-me poderoso
eu sou o rei
eu sou você em algum lugar da subjetividade
eu sou o reverso da amizade
eu sou o rosto ainda não revelado
talvez você me reconheça
pois eu estive presente no barco do futuro
(na fita de Moebius)
também estive presente no passado de algum sonho ainda não sonhado

De Campina Grande, PB: Josué do Carmo
Título: Réplica – a voz do espelho

Buscando resposta pro que já foi dito,
reviro-me, em chamas, n'uma cova de brasa.
Será que tu sentes, relendo o escrito,
minh'alma pulsando, ali, tatuada?

Meu sangue hoje escorre na folha de ofício
borrando os teus versos expostos na praça.
Espirra nos olhos que assistem, do início,
a minha novela, por ti, revelada?

Não sei se estou só, ou se existem outros casos
No fim, toda história é um pouco de assalto
Contudo, nem sempre, à mãos tão armadas

Mas vou reagir, apesar dos disparos
Por mais que rendido, na cara, vos falo:
- roubaste uma boca com tuas palavras.

De Santos, SP: Granville
Título: Uma raça em extinção

O homem evoluiu dos símios.
Mas está perdido.

Alguns parecem nem ter evoluído.

Rio poluído,
Político bandido,
Sistema corrompido,

E tantos outros motivos:

O desrespeito,
A falta de jeito,
O preconceito

Atitudes comuns
Da imbecilidade
De alguns.

Quanta contradição!

Não evoluímos?
Pois então!

Homo sapiens
Parecem mesmo
Estar em extinção.

Tristes focos.

Inventam binóculos
E com insistência
Colocam-nos rótulos.

Gordo, careca,
Preto, puta,
Filhos da puta,
Alemão, polaco,
Veado, macaco,
Playboy, doutor,
Carola, pastor,
Mina, mano...
Não fica de fora
Nenhum ser humano.

Esse que pensa
Que tem raça boa
E raça ruim

É o fim!

Chinfrim!

Só fala ladainha.

Difícil é crer
Que esse ser
É da mesma raça que a minha.


De São Paulo, SP: Mainá
Título: Limiar

Salva-me de mim,
abismo constante,
o outro.

Abismo onde tudo tomba
e submerge em volteios concêntricos:
angústia, alegria, decepção, paixão, ansiedade ...

Lanço-me, sofregamente, às pontes:
janelas, sorrisos, falares,
o que se supõe amor,
páginas em branco, olhares,
abraços, mensagens.

O outro
é margem, limiar, costa.
Sem o outro
transbordo-me em mim.

Sem o outro,
atônito,                                                                                                      
sou: Minotauro e Teseu e labirinto.



Tema:

Falta de Educação






De Saitama, Japão: John Keating
Título: INDIGNAÇÃO

Na faixa, a reivindicação:
POR MELHOR EDUCAÇÃO!

Mas, finda a manifestação,
faixas e frases no chão,
pisadas pela multidão,
sem que haja a preocupação
de jogá-las num lixão.

Enquanto o cidadão,
varrendo na contramão
de uma falsa revolução,
recolhe as sobras da ilusão.


De São Paulo, SP: Ovideo
Título: lâmina

engulo desaforos
como engolem
espadas
boca traqueia
esôfago cuidado
suprimo ânsia
e vômito
até que sinto
a lâmina
bater no estômago
jamais digiro
cuspo e firo
o outro
de fora a fora
hoje amanhã
sempiternamente
engulo desaforos
como engolem
espadas:
temporariamente.

De Santo André, SP: A. Carmo
Título: Poema do qual envergonharia-me se sobrevivesse a esta civilização

Na escrita reside o crime.

Todos que escrevem ou
de qualquer forma tratam
com livros as experiências
                    - Criminosos!

Poesia como alta traição
         Moral & Religiosa.

Salvo textos doutrinários -
                        A Tradição
                                   da Traição
                                               dos Sentidos.

O Estado da normalidade
é o de Sítio. A Bondade
mora no coração da Besta -
            Sua paixão pela Cicuta
            Seus dentes de Amianto
            Sua sombra Angelical
            Suas longas fitas do Amor

A felicidade é uma bala residente no coração Humano.

A paixão pelas praias & horizontes desertos, outro crime.

A vida comunitária
cordial, pálida & organizada;
Iluminação das massas,
                                   pois
                                   A pele nega o sol
                                   A pele nega a chuva
                                   A pele nega outra pele
            Convidando a todos para uma Orgia desinfectada do Tesão.

Unicamente aí reside a pura iluminação das massas
     & todas as grandes revoluções que aconteceram:
                                   Maternidade brutalizada;
                                   negros sob brancas sombras;
                                   trabalhadores n'uma circular exploração;
                                               sexualidade devidamente etiquetada
                                               com sua devoção patológica a Natureza Morta -
                                                                                                                      Onde o ônus
                                                                                                                      jamais
                                                                                                                                 sucumbirá
                                                                                                                                      ao ânus.
Eis que apresento

O Bom Senso
os Bons Modos &
os Bons Costumes:
Sacra trindade -
única libertação, o caminho
a singrar, crença no destino

- ou instinto de espera.



TEMA:

A MULHER EM TODOS OS ASPECTOS E REPRESENTAÇÕES




De Jundiaí, SP: Teixeira Neto
Título: A mulher deitada rasga-me a vista

A mulher deitada rasga-me a vista
Ela ferida, deitada, despida
Apunhala-me a vista

Um tigre com livro, saliva
Com unhas, arisca:
A mulher deitada rasga-me as vísceras

A mulher deitada: alvíssaras
Da manhã que tarda

A mulher leoparda
Hoje madrugada
Alvorecerá
Nas noites ríspidas

A mulher maculada,
Mulher de ainda
Tem os olhos para onde
Não podemos alcançar a vista

Tem os olhos para as ondas
Trazidas pelos ventos

Dos planetas e suas ilhas

A mulher deitada traz em si
A mãe a irmã a filha
Traz em si o aqui e o além
Da matéria cursiva

A mulher deitada é dura e fria
Porque talhada em pedra rara
Com que se faz a pulsante vida

A mulher deitada é nada
Ferina e finita

Do Rio de Janeiro, RJ: Flora
Título: Confissão

Hoje pensei
Paradoxo é seu amor Flora
Ama e odeia
com a mesma intensidade
e sobre seu destino
o tudo e o nada resplandecem

Num dia fera tranquila
no outro água que arde
Em dias pares calma aparente
em  dias ímpares  faminta luz

Seu eu interno
é paciência e turbilhão
festa sem embriaguez
velório sem solidão
É corpo que grita
entregue ao silêncio

Seu eu externo
denuncia a tristeza
do olhar iluminado
pelo brilho fosco
da contemplação

Entretanto Flora
na origem
ou no espaço final
seu mundo sonhado
é arte vomitando no vazio


De São Paulo, SP: Bianca Velázquez
Título: Imper(atriz) 


Navalha nos olhos,
desejos na pele

(marcam a passagem das horas)

Sozinha no quarto 
molha os lábios, ajeita os cabelos

Termina o cigarro
 outro gole de úmidos venenos


Cuidado! Ardilosa

Ainda vai te roubar um beijo
em praça pública, becos 
em plena luz do dia
ou madrugada adentro

Desatino
― ainda vai te roubar um beijo

Línguas hão de celebrar
em brindes molhados
dança lasciva, suor  e deleite

Cuidado!
(Navalha nos olhos)                                                                                                                                                
                                                                                                                                                  
Corte pungente

Ainda vai te roubar um beijo, a pele,
o juízo, o desejo, os sentidos
(em golpes precisos)

Rendição a meio-fio
― sanha
Grita, morde, geme, arranha
(Atos precisamente impensados)

Olha! Respira! Observa!

É sempre assim: arranca o nada
poupa o sangue
e vai colecionando ilícitos vazios

Criminosa fria e calculista

De você roubará um beijo
― e três gozos
aprisionados entre pernas,
paredes, calçadas

Profanadora de corpos e anseios
em praça pública, becos                                                                                                                                                                                                                                                        
Em plena luz do dia                                                                                                                                                   
ou madrugada adentro                                                                                                                                              

Rouba um beijo,                                                                                                                                                        
a alma, o gozo,                                                                                                                                                          
o sossego

Após o êxtase
súdito em desespero
(desalento)

Ela limpa o que escorre da boca
molha os lábios, ajeita os cabelos
levanta
e sai
 ...

Navalha nos olhos,
desejos na pele

Inquieta, planeja mais um crime

Crime perfeito


De Santo André, SP: Nin
Título: Sujeita

os poetinhas, horrorosos, que me perdoem,
mas beleza é fundamental.

ela é fundamental porque se origina
do meu seio de Mulher
− e de tantas, de tantas −
ela escorre
dos meus lábios ar
dos meus lábios palavra
dos meus lábios sangue.

escarro tua ideia de beleza
: porque a Mulher que somos
é a beleza inteira

não é objeto dos olhos
nem dos verbos
nem dos versos.
não é ingrediente de receita
nunca vai ser alva, nunca vai ser pura
nem argila, nem costela tua

não Nos meça
não Nos impeça

nossos úteros milenares choram a tua crueldade
NADA nos "é preciso"
porque nossa beleza não
não é necessária
: ela é essencial
porque vem da nossa essência

somos nós que perfumamos as flores
com nossos próprios hálitos
e pesamos toneladas
e temos rugas do tamanho de trincheiras
curvas e abismos inimagináveis
nas quais fazemos guerras o tempo todo
(é a origem também desse teu umbigo de ego)

não temos a cores das tuas aquarelas
nem a forma das tuas mãos calosas
nem as poses do teu imaginário vulgar nunca realizado
: tua ideia não nos molda
não nos submete.

somos sujeito da poesia
somos a poesia toda
, encarnada,
autoras das nossas linhas traçadas
trançadas transadas
bocas e pernas abertas
com serpentes orbihabitando nossos ventres lunares
temos a fome de leões famintos
a febre da língua dos dragões
e aguçados todos os outros sentidos
olhos morcegosos no noturno dos lençóis.


De Dois Córregos, SP: Ed Lamas
Título: Um Portinari
  
A mulher chorando

ainda não chegou às lágrimas

mas o tom azul lembra o mar

(seu vestido repete a nuança do limo)

até onde alcançam as ondas da amargura


As mãos comprimem o rosto

forçando o sal líquido

que jamais escorrerá


Olhos cerrados para prantear

o quanto for possível nas tintas pouco vivas

como devem ser

as cores do sofrimento



Dedos entrelaçados

nos maltratados cabelos

são a dor que se esforça

(observe a luz nula dos traços)


E não é difícil perceber

como esse quadro insiste em desvendar

a essência do universo feminino

ao concentrar todas as mulheres numa só

aprisionada em seu choro para sempre


De Belo Horizonte, MG: Godoy 
Título: qual?

qual entre tantas mulheres em mim
sobreviverá a esse tempo de angústia?

qual entre tantas saberá o dia certo de dizer sim
e deixará as portas abertas?

qual mulher buscará o prazer
e sentirá o gosto da vida pulsando nas veias quase frias?

qual vai se entregar inteira, olhar a noite com olhos bêbados
e não temer a manhã?

qual mulher em mim não terá medo da morte
e saberá que morre todos os dias?

qual vai jogar flores ao mar
e sonhar com a deusa perdida das águas?

só uma saberá a resposta
mas ela já se foi nas palavras, no tempo
no espelho quebrado sem conserto


De Luanda, Angola: Quimbungo
Título: Procuro-te

Mulher Procuro-te
nós murmúrios dos rios
Nas densas matas cobertas de silêncios enganosos
Nas sandálias do tempo

E mesmo assim mulher ainda procuro-te
No cantar do vento
Na liberdade das asas  das aves
E na infância dos dias

E mesmo assim mulher ainda procuro-te
No orgasmo dos sorrisos
No ventre da fúria do mar
E no funeral da alegria
Que sustenta a idosa tristeza

Procuro-te
Na melodia de um batuque qualquer
Mesmo da aqueles que tenham  ritmos de febre
no alpendre dos campos santos
Vejo o teu silêncio
 a cantar nos meu ouvidos
 e mesmo assim mulher ainda procuro-te

Procuro-te
No jardim fértil das lágrimas
No mito da felicidade
Na evaporação do rio
No cacarejar das madrugadas
Das noites envernizadas

E mesmo assim ainda mulher eu
Procuro-te


De Osasco, SP: Luiza Caetano
Título: musa ausente

em que noite repousa teu coração adormecido,
             teu coração intocado?
teus olhos de vidro intacto
   e teus lábios silenciosos?

quantas estrelas, no entanto
      se acenderam em tua alma...

tu, mulher absurda
foste luz e escuridão
e te debruçaste em mim
          como uma meia-lua perigosa

e caiu tua chuva melancólica
confundindo a rota das nau



De Belo Horizonte, MG: Zack Magiezi
Título: primaveras que andam

toda mulher é flor
*
e alguém vai dizer
sim, elas são um poço de fragilidade
*
não
definitivamente não
toda flor é feita para resistir
e resistem
ao frio que distancia
à tempestade que golpeia
ao calor que castiga

*
toda flor é uma selvagem
alma exposta em beleza
delicadeza indomada
perfumando o mundo.
*
toda mulher é flor.


Do Rio de Janeiro, RJ: Babi Victer
Título: Muliere

Donas da casa
E de sua independência
Encaram as adversidades
Sem perder sua habitual inocência

Distante de rótulos
De séculos anteriores
De degrau em degrau
Chegaram ao planalto central

Puras e fortes,
Corajosas e sensíveis
Dizem que é sorte.
Sorte ou não, as fazem incríveis.

Uns chamam de feminismo, outros de imposição
Mas, na verdade mesmo
É essa sua sina:
Ser o destaque no meio da multidão


Do Rio de Janeiro, RJ: C. Vasconcellos
Título: Corpo em liquidação

A voz da viela no cós dela era só sexo.
Grave era o tom,
entoando palavras sem nexo
na barriga da rua.
Dinheiro era tudo que ela queria
pra ficar nua, colada ao Amarelinho.
“Umazinha” e resolvia
por hora a pança vazia.
A cabeça cheia de cola
enrolava sugestões de vadia, em torvelinho:
“meu corpo por um sanduíche, ta a fim?”
Vixe! Eu vi destrambelhada esta cena,
a coitada da pequena querendo fazer
do seu corpo moeda de troca,
os olhares masculinos obliquamente
desvelando prazer na carne da guria.
Soca, meu Deus! soca fundo e ardente esta miséria
das meninas de rua tentando faturar a féria,
pra se safar de mais um dia.



Do Rio de Janeiro, RJ: HG
Título: fêmea

a mulher que habita em mim
é perigosa
feito uma aranha
quando se trata de amor
ela morde
pica
arranha
e não manda recado

a mulher que habita em mim
tem fogo nas entranhas
e se entrega
e se esfrega
com uma coragem tamanha
que não se encontra
nas prateleiras de nenhum supermercado

a mulher que habita em mim
é puta
é gruta
prestes a desabar
é fruta
que não é qualquer um
que pode chupar

a mulher que habita em mim
é leviana
mente com sinceridade
na rua
no palco
na cama
por orgulho
interesse
ou piedade

a mulher que habita em mim
é refém de todas suas vontades
ela não tem idade
não tem pudor
não tem sexo
não tem rosto
é uma baleia
é uma sereia
é lua cheia
no mês de agosto.


De Franca, SP: Peramorim
Título: Garras Vermelhas

A mulher que passa
Enfeita-se de filhos
No pescoço, nos braços
Na barra da saia
Ancas largas
Seios fartos
Garras Vermelhas!

(Alimenta-os de esperança profetizada)

A mulher que passa
Tece de boca em boca
O grito que silencia
Violência
Abandono
Covardia
Vermelho Batom!

(Esconde sua decência com uma túnica desbotada)

A mulher que passa
Manteiga no pão que amassa
Serve a mesa,
Serve na cama
Provém sustento
Unguento
Cura ferida
Vermelho sangrar!

(Dorme em travesseiros de espinhos)

A mulher que passa
Abre  caminhos
Ganha causas perdidas
Vence,
Cria,
Procria,
Recolhe o entardecer
Vermelho porvir!

(Carrega no ventre o verbo amar)
A mulher que passa
Dispensa dissabores
Quando  está Cinderela
Faz  de conta que é donzela
Forte,
Frágil,
Acende labaredas em alto mar.
Vermelho coração!


De Curitiba, PR: Eterna Estrangeira
Título: Fábula III, ou “as formas da coragem”.

       Para Joyce, Hettie e Diane

Era apenas uma menina
e o mundo, um lugar lotado
de criaturas com sonhos baratos.
Pegava todos os dias, de manhã
o bonde que descia a ladeira,
seu coração dando saltos no ponto
onde a curva sugeria uma fuga
onde a mão do condutor podia
vacilar por um instante e perder
o rumo.

Noitezinha, na hora da sopa
a mãe chamava
para ela colocar na mesa
os pratos azuis, os guardanapos de pano
amarelados, as grandes colheres,
e ela obedecia,
mansinha, as unhas de esmalte
de uma semana
guardando seu segredo escarlate.

Quando lá fora chovia, como de
costume, gotas misturando-se com
poeira e através da janela suja 
todas as formas
alongavam-se, encurtavam-se,
ela via figuras
dançando na água ou nas chamas
da noite e sabia que
em algum lugar  o caminho bifurcava
e seria só o rumo que ela conseguisse
vislumbrar quando todo mundo parasse
de lhe falar, de lhe indicar com
as mãos ou apontar com os dedos
o enferrujado dever, ou quando ela
não mais escutasse.

Os meninos pulavam
os vagões do trem ou as
ondas mais altas, e o tempo todo ela
sabia que isso não era para ela
porque não era longe o suficiente
ou  talvez porque ser
apenas uma triste
fêmea da espécie
não lhe permitisse um lugar
entre os que desafiavam
os mares, a Bruxa de Novembro
ou o Chinook.  Enquanto isso
os garotos saiam e voltavam à casa.
Ela ouvia suas histórias e percebia
como esticavam suas meias-verdades
sobre a bruma, as baleias, os
adversários com suas espadas,
ou as armas comuns do bandido
da esquina.
Dançava sozinha frente ao espelho,
diante dos escuros olhos ciganos,
examinando a curva dos seus braços,
o quadril que se alargava,  os
pequenos seios que endureciam sob
um fino tecido, as pernas que embora
curtas pudessem carregá-la muitas milhas.
Sentia então um estranho tipo
de medo-coragem
que lhe dizia coisas inteligíveis:
que  poderia dormir ao relento,
construir um provisório
abrigo, aprender as línguas de
humanos e tigres, ser nômade
como qualquer uma
ou como nenhum outro.

And then she went...

De São Pedro da Aldeia, RJ: Flora M.
Título: A dor do parto

- É uma menina! E parece com a mãe!
- Tão linda, essa sim vai dar trabalho quando crescer.
- Toma esta boneca, bebê.
- Escolhi o vestido rosa, que é cor de menina.
- Quando você sentar, cruze as pernas.
- Já está tão grande... e os namoradinhos?
- Fecha as pernas! Que esses não são modos de mulher.
- Vista este soutien, que seus peitos já estão a aparecer.
- Primeiro são caroços de maçã, depois pequenos pêssegos e depois velhos como o meu, que ninguém quer.
- Não deixe colocarem a boca neles. Ouviu? Você me ouviu?
- Todos os meses as mulheres sangram, querida. Não chore, isso é normal.  
- Que horas você volta? Te dou até a meia noite. E você vai com quem? 
- Mulher tem que se dar ao respeito!
-Mulher que se dá ao respeito não se veste assim.
-Vadia!
- Andando sozinha até essa hora, tá querendo o quê?
-  Ô lá em casa, gossssssstosa!
- Não responda, é pior se você responder.
- Olha, você tem que entender que todo homem é igual. Nenhum presta, case-se com este que não é tão ruim assim.
- Mas você trabalha demais! Não dá atenção ao marido, deve ser por isso.
- Você está gorda, deve ser por isso.
- Você deveria reclamar menos, deve ser por isso.
- Puta, você é uma puta! Igualzinha a sua mãe. Cala a boca e não me enche o saco.
- Você precisa entender que ele trabalha demais, deve ser por isso.
- Cuide mais da sua casa, do seu corpo, você vai ver como isso muda.
- E que tal um filho? Pela sua idade, já está na hora de ter um filho, você não acha?
- Uma mulher só se completa quando é mãe.
- Você engravidou porque quis! A culpa é sua!
- Andam dizendo que ela engravidou para segurar o marido. Coitada, filho não segura homem nenhum!
- Calma, querida, dói assim mesmo. Respira fundo, dói assim mesmo.
- Força, minha filha, força!
- Está vindo a próxima contração!
- Na hora de abrir as pernas você não chorou assim.
- Vamos, força! Que já está quase (...)
- É uma menina! E parece com a mãe!


De Valencia, Espanha: Carita Burana
Título: Descartáveis

Criaturas selvagens domesticadas
fiéis ovelhas
das interpretações equivocadas
condenadas
pelas mãos que as abençoam
silenciadas
no sermão eterno contra o mito

aberração
na própria vontade

sentenças
no próprio sacrifício

epitáfios em vão
para manter o equilíbrio

armistícios em rosários
batalhas com final conhecido
mais vale sepultar ovários
que rabiscar o que está entendido.


De Pelotas, RS: Barcellos
Título: Essas mulheres

                                                 …Limpando da toalha sol e doce de goiaba,
                                                     minha avó recolhia, nas mãos, migalhas de domingo
(Ana Mariano)                                                                             

Nem sempre foi assim
mas o tempo
– sempre o tempo –
veio trazendo em si
as marcas todas
de uma (nem sempre surda)
rebelião...

nem sempre foi assim
mas a luta
– sempre a luta –
impregnou de flores
antigas estradas
onde se acumulavam (nem sempre
apenas) pedras...

nem sempre foi assim
mas hoje – bendito fruto 
da ação do tempo e do frescor
gestado no ventre da luta –
já há outro paladar
que se percebe (talvez nem sempre)
nas migalhas de domingo.  


De Capivari, SP: Aeon
Título: Anatomia

disseco
o intrauterino organismo
da indevassável tríplice-dual
amalgamada
no constante fluxo sanguíneo

contemplativo
feito o oráculo
dimanado de Delfos
velejo pelas concepções
saudadas em dilúvios
no líquen
dos totens siderais

esmero
os domínios
amanhados
na Kundalini celeste
e recolho em conchas
as derivações plasmadas

- Egunitá
unta o espírito
com a incandescente
nobreza primaveril
da inocência -

grelo harmonizado
sob o cultivo do amanhecer
não corrompido
pelas domesticações
do patriarcado
íntegra ardência
incubada no pudor
por ser a Filha
da imprescindível
assolação

- Oxum encanta
coma vazão
do tântrico-dorso
desabrochado no desfrute-

aurilavrada Donzela
esculpida nos minérios
do sexo cachoado

fertiliza o auspício
na íngreme doçura
que lhe foge
das tímidas coxas empedradas

floreio em brandura
no leitoso lírio
das lascivas tentações

- Iemanjá
germina as estrelas
prateadas
nos tormentos lacrimejados
por todas as condolências-

a Mãe protetora
irradia o cântico
acolhedor
aos desafortunados
que não se acham
nos fragmentos do zelo

o sustento
de sua regência
refugia
até mesmo a quizília
que propicia
o desencarne

- Iansã
matura o estio
na aguerrida devoção
sob a argúcia
de tigresa-

generosa Esposa
desprendida
dos ditames encarceradores
que frisam
moralizar a nudez

feminilidade centelhada
no sóbrio juízo
dos úteros libertos

fiada
no tear
dos direitos igualitários
obedece somente
aos movimentos
do cósmico aprumo

- das íntimas hibernações
a benevolente Anciã
esparrama sobre as índoles
a gnose dos ancestrais -

Nanã
carrega na cognição
o mormaço necessário
para irisar
a incrédula vigília

centraliza
no acúmulo
das premonições
a luzente pacificidade

decanta no colo
a egóica aspereza
das feridas em pus

- Obá
assombra-se
no leito do silogismo
floreando o pavão -

Viúva
das vãs batalhas
travadas contra o estouro
fenece
em cada intuito
incinerando as ilusões

incumbida
pela incensurável expansão
dos aconchegos
estraçalha o fanatismo
com a silente rigidez

das raízes que extirpa
desencarde as auroras
pútridas pelo medo

- a chave
para o incógnito
conjura-se no cerne -

domiciliam-se
as feições
do sagrado feminino
na cristalina simbiose

a espiral
temporalizada por Oyá
redemoinha apoteoses
entronando as efígies.




De Recife, PE: Lúcio Beringer
Título: A pitonisa do bueiro cósmico
...
Quando queria predizer o futuro entrava em furor, falava
com voz baixa e mal articulada, passava a ter horríveis
agitações e evocava, quando lhe aprazia, as almas dos mortos.

Novo Dicionário da Fábula,
Ed. 1945, Porto, Portugal

Subimos, pois, e vislumbramos, no mais profundo do fosso,
gente metida em cloaca tamanha
que do mundo parecia a única latrina.

Inferno – Canto XVIII - Dante

1:  revelação
Tiro o véu
aspiro a sarjeta mais imunda
–  a humanidade fede

2:  invocação das musas prostituídas

Oh venham as nove urdidoras de ilusões
as nove cafetinas
as nove não-sei-o-quê
Numa nuvem fétida
surge o fantasma de Catulo:
diz, pitonisa,
por que em vez de libertar-me
a Poesia me escraviza?
Rasgo a túnica, cuspo o chão:
verdades por fora
verdades por dentro

3:  no furacão da polis

Estou cega
entre carros que buzinam
Metrôs correm
tropeço em meios-fios preciosos
cravejados pela urina
de pequenos ladrões
e assassinos
Abençoada sou
pois um dia
serei estrume de rosa

4:  transfiguração no elevador espelhado.

Putinhas de Zeus
ajudai-me, elevai-me
Agora cortarei bifes
e espalharei batatas-palha na mesa do jantar
O pai dos meus filhos
fingirá ser homem
e eu fingirei ser sua
Já fui vestal e colombina
–  oh Balmain, oh Dior
perdoai este avental azul
marcado pelo sêmen
dos entregadores
de água mineral

5:  mesa solene

Baco:
o vinho rosé
também o bebe Pomba-Gira
Quero uma próxima sarjeta
Estou já a cair
úmida, vaselinada de etiqueta social
Profetizo aos convidados:
comei, bebei, acreditai
(eu também já fui crédula)
O aspartame adoçará vossas vidas
e a flatulência vos acompanhará na alcova

6:  de pernas abertas para Morfeu

Quantas luas
desabrocha o útero de uma mulher?
A janela enquadra a minguante
escuto marés dentro de mim
Vou cair!
Agarro-me na cama box ortopédica
como se ela uma nau fosse
E há que não ser?
–  leva-me em sonhos para a Morte
Rompem descargas
nestes vinte andares profanos
Cada um é um templo a ruir
escoando, afundando
em coliformes, em medo
Num imenso esgoto
(ratazanas)
adormeço



Tema:
Simbiose




De Curitiba, PR: Nina Cello
Título: Entranhas

Com roupa de vir ao mundo
no exílio do quarto 
com auxílio do afeto
descansam os teus dias sobre o meu peito 
Dorme, amor...
Tivesse a idade de uma criança sem pecado 
Dorme, amor...
O teu corpo por mim zelado 
E deixa-me, assim, a tua alma´lerta entrever:
Coração, pulso inconsciente do meu corpo 
Sono, pulso inconsciente do teu ser.


De São Gonçalo do Piauí, PI: Robert Leza
Título: A quatro mãos

Quando Borges
enunciou os problemas
para Don Isidro Parodi,
recorreu a Bioy Casares
numa conta de seis.

Balanço maior teria Cervantes,
caso resolvesse condenar
Sancho a calcular os
desatinos de Quixote.

Portanto,
não vem da matemática
este desejo de te demarcar
feito beijo.

Vem do aceno
que a boca desconhece.


De Bauru, SP: P. Celan
Título: Simbiose
                                   
Eu gostava de cantar à beira do rio
que era pro rio carregar parte de mim com ele.
O leito do rio era como a face gravável
de uma fita cassete deslizando no gravador,
onde eu imprimia minha voz pequena
que era escoada pelo semblante turvo das águas.
Gota após gota.
Peixe após peixe.
Verso após verso.
Hoje,
quando choro,
verto peixes pelos olhos.
Quando paro pra ouvir o mar,
escuto o meu canto
que o rio levou.


De Riachão do Jacuípe, BA: Tom Ruiz
Título: Confissão

Em mim, reside Outro que é abismo:
Ser faminto de eras abissais.

Inquilino inadimplente de mim mesmo,
Abasteço-me de mitos ancestrais.

E despedaço-me em mil absurdos:
Alimento de segredos marginais.


Do Rio de Janeiro, RJ: Vô Cosmos
Título: Segredo

O simples complexo saber:
Olhar para si sendo o outro,
Viver o outro e ser mais si.
Priscas ancestralidades pesam
Acenando da roda de Sansara.
O mundo dói, rói, ama,
acaba, cura, sara.
Não para.
O maracá das divinas vibrações
Gira constelações na surpresa da vida.
- Tudo vibra, tudo vibra, tudo vibra...
Tudo víbora curando e mordendo
Sempre com a força do mesmo veneno!
Tudo junto, eu esmo, eu mesmo,
Na ética pura da hermética Lei.
Dizer sim nos tempos do não
E aceitar a firmeza amorosa
Que apazigua o coração,
Num coletivo sistólico-diastólico
Em doação e recepção
Estando um,
Crendo num,
Sendo om –
O som do sim da sina.
Simbiose, metamorfose, mitose,
Multiplicação da sagrada disciplina:
Olhar pro outro sendo outro,
Realizando um fantástico degredo!
Olhar pra si sendo si,
Sem abismo, sem medo... sempre cedo –
Um torto caminho de eras
Contido num simples segredo.


Do Rio de Janeiro, RJ: Passos
Título: Mudez (ou música)

Fecunda o Espaço no integral contorno
Que se dilui para no próprio atê-la,
Qual lactescência entre pulsão e retorno,
Às extensões da primitiva estrela;

Conjuga traços por sutil conforto
E, projetando, de Satie à maneira,
Toda envoltura desmanchada em aborto,
Cada lampejo rompe em grãos de poeira.

Quando espiral em convulsão ou dança,
Ou se vestígio sem vestígio for,
Ou mesmo após, já dissoluta e mansa,

Teço da Abóbada os ausentes fios,
Do estéril Tempo reinauguro a cor
E à Transparência mesclo olhares pios.



De Belém, PA: Benny F.
Título: Palavras Cruzadas


{O imaginário poético
é uma fonte caudalosa de metáforas
onde reina a perfeita simbiose
da sombra com a palavra.}


"O poeta existe
para impedir que as pessoas
parem de sonhar".
Roberto Piva



I

( A sombra )

Toda sombra chega num pulo
e se atrela à perpetuidade da palavra
vampirescamente alimentada
com a carne inacabável
da frágil insubstância
da inspiração
para descobrir de súbito exigente
que metamorfosear não é ruminar
os âmagos imaginativos
dos olhares escravizados.

Toda sombra ressurge do cosmo
dolente
nu e
esvoaçante
para amamãezar
as máquinas de cópulas
do sexo tímido
que goza até à inconsciência.

Toda sombra emana da ruptura
dos ângulos alucinados e letais
para às vezes se soltar a soluços
e incendiar o coração do destino
como as placentas
das hóstias
pegando fogo.

Toda sombra deriva dos estômagos abissais
e do retropensamento quimérico da foice
para cultivar a revolta
dos remorsos platônicos
e eliminar as mesmices
dos urros trôpegos indômitos.

II

( A palavra )

Toda palavra é uma sombra verborrágica
Vestida de lingerie metafísica
que numa só bárbara sequência
explosiva e
carnívora,
apaixonou-se pelo carrasco
que caleidoscopicamente
a espanca.

Toda palavra é uma vulva cerebral
erigida sob o labor da fragmentação da partida
feita de lágrima preferida
para confundir a golfada do tempo de agora
e alojar na perenidade das coisas
a elementar aragem
do meu silêncio.

Toda palavra é uma gralha aprisionada
encharcada de agouro dormido
que proporciona a todos os impulsos
sedentos de lógica
o jejum do tufão
de todos
os medos.

Toda palavra é uma prenhez mental
superlotada de expiação e loucura
que transporta-me nas deságuas
da metamorfose do vazio
até à inconstância
do condomínio
de rimas
que não me dá tempo
nem para estancar
o líquido caminho da aurora
que escorre
entre os dedos.


De Carapicuíba, SP: L. M. Branucci
Título: Espaços do banho, natureza do corpo

Fechar os olhos
imaginar o que se tem
se faz nas partículas
– há uma falta apesar do mundo
estar contido todo nesse fluxo de água
unido
um mar que se abraçou
engoliu com sua ressaca coletiva
o corpo
já tão em desfoque desde as fotos esverdeadas
fazendo adeuses com as mãos
(desfez-se)
A água persiste em ser bem palpável
entra o Ó 2 contido nela –
Nos limites entre peles e derivados
a vontade é de seguir, abraçar um jornal ou uma vagina
um copo d’água com a mão esticada
o coletivo com a boca penetrando dias
desde a meninice rolando por aí à toa –

O fogo estala
com simples gesto de dedos
a água realmente imprevisível
o sopro presente
dando vida aos cigarros
o sopro entra
e sai uma canção
derrubando as cercas cutâneas, o espaço-entre
ouve-se a canção de longe anunciando
o almoço da tia nena, saiu sopro e foi parar
nos campos derrubando as cercas do futebol
os meninos correm
Um chuveiro e o mundo no espaço
unido nos orifícios da cabeça: o sangue estremece
pela potência da água que atravessa a frase
ressuscita e borra no papel

Um dia tão leve
cada sopro mergulha dentro das vozes: bebo hoje a alimentação simples.
Garfo e faca para abrir o coração
da fruta na mesa: minha pedra com os lados frios
ou fósforo enxofre pólvora
a lâmina de ouro da criança
sou amarela, terra andando entre cores –
Sopro
Natureza da fruta uma coluna d’água (ou centro do planeta)
roçando deus
O nome dela não é chama água
madeira profunda orvalho nem diamante
o que não é dito –
a demora dos nomes uma colher a transbordar o mel da memória
O fruto leva ainda tendões
pulmões músculos ar
entre
a pedra de ouro no mais compacto nó
da claridade
da carne
            círculos do silêncio adentro
                                                           O corpo no ressuscita-se.




De Rio Grande, RS: Miguel A. Rodriguez
Título: Meta(-)Poética
                     

                                   (disparei o cronômetro)

este poema iniciou há vinte minutos
porque precisei
antes de escrevê-lo
fazer alguns cálculos
                                   (sou péssimo para contas de cabeça)

calculei todos os gastos para que tu
estejas diante desse poema

                                   (até agora já se passaram três minutos
                                   desde o disparo)

para estar sentado em meu colchão
usando meu notebook

                                   itens que não considero mais para a contabilidade
                                   já se incorporaram a mim

meu corpo levou trinta e três anos
três meses
catorze dias e dezoito horas
                                   (dezenove ao fim do poema)
para estar em condições de estar aqui

                                   (uma pausa)

estar aqui e agora escrevendo um poema custa-me

                                   (aluguel
                                   condomínio
                                   energia elétrica
                                   internet
                                   livros de poesia e
                                   litros de álcool)

quase dois centavos por minuto

                                   (nova pausa
                                  
                                   ela fala que vai a porto alegre
                                   para um congresso
                                   ficará lá quatro dias
                                  
                                   retomo o cronômetro)
                                  
há pouco tempo eu recebia um salário do comércio
recebo agora uma bolsa de estudos
dum órgão de apoio a pesquisadores
vinculado ao governo federal

ganho três centavos e meio por minuto para estudar poesia
dinheiro                      (prefiro acreditar)
bem investido
dos impostos do contribuinte
goste ele ou não de poesia

                                   (abre parênteses

                                   eu conto todos os minutos do dia
                                   porque ganho inclusive para sonhar
                                   que estou escrevendo artigos científicos
                                   sobre poesia

                                   eu deveria
                                   nesse momento meu dever seria        escrever
                                   um artigo científico sobre                  um poema
                                   pra um seminário ou congresso ou simpósio 
                                                                                              sobre poesia

                                   mas parei para                                    escrever
                                                                                              um poema
                                                                                              sobre poesia

                                   fecha parênteses)


fazendo as contas
este poema levou
para ser escrito
revisado                      (reescrito em boa parte)
cerca de duas horas


                                   (ela chama minha atenção para qual seria a possível
                                   e ingrata profissão de william shakespeare
                                   no século vinte e um
                                   diz que ele tem cara de trabalhador do comércio
                                   ou de prestador de serviços

                                   eu digo que estou escrevendo um poema

                                   ela pede desculpas)

a mim
depois de duas horas
custou dois reais e trinta e dois centavos

aos cofres públicos
abastecidos pelos impostos
                                    (os teus impostos
                                   caro contribuinte
                                   pelo que sou muito grato)
esse mesmo tempo custou
quatro reais e dez centavos

fiquei com um real e setenta e oito centavos de troco

esse  um real e setenta e oito centavos
                                   (ganhos desonestamente com poesia
                                   em vez de artigos científicos)
correspondem aos cinco doze avos que eu mesmo pago
em impostos

resultado

nem eu
nem tu
                                   (nem ela
                                   que adormeceu me esperando para dormir)

                                   (nem meu vizinho
                                   que tosse para mostrar que está acordado
                                   por causa do ruído intermitente do teclado
                                   que escapa dia e noite do meu apartamento)

ganhamos nada
já está incalculável
o prejuízo de nossa convivência




De Belo Horizonte, MG: Renard Diniz
Título: Partilhar de poros

Pelos jardins de colorido outubro,
por entre flores, apanhando amoras,
tingindo lábios com seu sumo rubro,
degustam dúlcido sabor das horas.

No inabalável partilhar dos poros,
ordenam, deuses, que o prazer encubra
os gritos surdos e seus vãos sonoros
do mundo e após, que a mansidão descubra.

Na simbiose que a paixão proclama,
harmonizado na irmanada essência,
o par prossegue, a alimentar de si.

Mas que implacável, esse tempo-chama!
Ah, sobre as cinzas do jardim vivência,
o par secou, findou, morreu de si.


De Uberlândia, MG: Buriti
Título: Bicho Leitor

“o bicho alfabeto
            tem vinte e três patas
               ou quase

               por onde ele passa
            nascem palavras
               e frases

               com frases
            se fazem asas
               palavras
            o vento leve

               o bicho alfabeto
            passa
                 fica o que não se escreve”                  
(Paulo Leminski)

o bicho leitor
            (predador natural do
                   bicho alfabeto)
              vive faminto
            de palavras
               e frases

               com os mil olhos
            da gula
               traça
            tudo que é letra

               palavras e frases
            o bicho leitor
           devora

                  mas lá estão
        todas elas
           no ventre do bicho alfabeto 



Tema:
Suicídio




De Florianópolis, SC: Morena do Espelho
Título: o voo

é com fórceps
que nasço o sol
de todo dia

sobre as costas
a abóboda do mundo
os pés sangrando
...
trafego com as mãos
e os joelhos esfolados
tantos foram
os tombos que levei
(alguns por descuido
outros por maldade)
...
dentro do oco da balança
tento equilibrar a existência
:
ser pesa mais do que não ser

busco conforto
na tela da memória
confronto fronts

travo batalhas inimagináveis
entre o que fui e o que sou
:
o viço e a nulidade
...
meus olhos apáticos
pousam no balanço
que vovô instalou
na goiabeira
sim... o balanço...

nele a criança que fui
sonhava que podia voar
...
o balanço
:
resquício da infância

ao lado dele amarro a corda
:
o corpo ficará pendurado
e eu
– finalmente –
virarei passarinho


 De Aracaju, SE: Kay
Título: Último voo

Quando eu pousar nesta flor
E nela encontrar pétalas murchas,
Vou cortar as minhas asas

Quando eu neste galho pousar
E nele encontrar apenas folhas secas
Vou cortar as minhas asas

Quando eu pousar em mim
E não encontrar as minhas asas...

É por que já não pude voar,

Mas esqueci de me avisar que acabei.


De Santos, SP: Natasha F.
Título: Dois coelhos

a poesia, por um fio,
desequilibra e cai
no riso do fim.

poeta, não chores
o estar ainda é manco
o amor se despe(de) do branco
o passar caminha manso

poeta, não chores
tua pena, a mão não cobre
teu clamar, a água não engole
tua vida: a vida não morre.

poeta, não chores
qual gato de apartamento,
fugitivo querente de liberdade,
a poesia – esguia, mia
já sabes: salta em tom de “aguarde”

poeta, não
- tropeça a mão na gravata, soluça o nó na garganta.
basta vento, corte ou sorte.
acasos no mirante
vidrados no norte:
tempo distante,
esvai com sangue.


Do Rio de Janeiro, RJ: Anderson Council
Título: Suicídio

surpreender todo mundo
sair do fundo do poço
com a corda no pescoço


De São José do Rio Preto: Donnie Darko
Título: Aos dezoito

Escrevo porque não sei dançar.
Mamãe me disse que é preciso
arrumar emprego & namorada
e nunca foi tão difícil
fazer a barba sem cortar
os pulsos.

Quando nasci, confesso
: não veio anjo algum.
Desde então os invento...
Contra o tédio desde 1996.

Paro ainda mais uma vez à porta da tabacaria
onde a cruz estrangeira guarda a morte.
Não tenho aonde ir. É tarde
e amigo algum me abriria a porta.

Meus amigos são fabulosos!
A alguns escrevo cartas
que demoram a chegar,
ou se extraviam. A outros
contos eróticos
que nunca lerão.

Ainda ontem lia um poema perigoso
num clube patético,
e me chamavam O Inflamável,
e bebiam em meu nome
eis minha glória!

Ontem também encontrado morto
(nove facadas, o pescoço
cortado) um selvagem qualquer
aqui da Rua Pau Brasil. Virgens
em pânico!

Eu queria pra mim o pudor dos comedidos
e seus movimentos precisos e simulados.
Mas dividiram meu peito em castas
e povoaram... Estou exposto & estúpido.

Que triste revisar as coisas
de ontem, agendar as coisas
de amanhã. Por ora: (1) alimentar
o cão, (2) trancar as portas, (3)
dormir... O céu é logo depois
do abyyyyyyyysmo…



De Brasília, DF: Maria Lis
Título: à francesa                                    

fecho a janela
aos quinze andares de remorso
{tempo demais para pensar no corpo
que se espatifa sobre o asfalto
no parapeito, enfileirados
brancos
comprimidos sem cheiro
— formigas perfiladas, dúzia 
de causas e (e)feitos
colaterais
: choro, vômito, frêmito
arrependimento
(esse voltar ao vício de sobremorrer 
a conta-gotas
na lata idosa sob o tanque [em stand by
a cicuta líquida dos ratos em oferta
: um trago sem gelo; um rio de entranhas 
caudalosas, pasta ácida
flácida, que reduz à metade a moeda
de Caronte
{meia paga/meia travessia — e o Estige é fundo}
mas é o falo de metal francês da Laguiole
afiada que não hesita e entalha [nos pulsos tatuados
o mapa de Paris  
das veias acalmadas
um Sena vermelho-expressionista 
jorra


De Porto Alegre, RS: Valente
Título: Suicídio Coletivo

noite invernal
paredes escuras
cheiro de fumaça     
chove sobre a cadeira
trapos úmidos arrepiam 
         a esperança de calor

nos olhos lacrimosos
a fome insinua revolta       

a mãe magra de afetos
reparte o pão
furtado na padaria     

visceralmente
alimenta um verbo
sem carne sem cor
sem nome

veio vazio
vazante
        que emudece
            a cada gole



De Vinhedo, SP: João Gilda
Título: É terna

“Caiu ali
entre a nódoa e o trigal
sob o céu vermelho anil”

A última carta
(Navalha entre as coxas)

Ai de mim que vou morrer um pouco
Só hoje tenho um seio em promoção
Deixo o outro para Chico
Me ninar  pra lá de Holanda

Vazio entre os dentes
E a hora chegando, ando, ecos on the rocks

Há alguém aí? É bonito meu vestido? Só hoje?!
- risos-

Ainda resta um papelote
Cheire, acabei de escrever

Fome, aflita, Gogh, chita
Que nunca soube ser metáfora
Danço eterna enquanto soul
Agora mais nada, preciso morrer-me
Olhe, me encontre depois
Estarei quase tão perto
Pincelando outro trigal

“Partiu com serventia

                                                                                       Encheu-se o bico do corvo”



De Ipatinga, MG: Tatu Triste
Título: As intermitências da morte

Desde a mocidade
consome-se em tormentos...
Carrega nas faces soturnas
as misérias humanas.
Em profunda agonia
prepara o ritual macabro
para abreviar a maldita sina.

A carta de adeus sobre o leito,
a rigidez do braço erguido
e a marchinha de carnaval na rua
desvia o ouvido da arma.
Segue a folia e se esconde da bala
entre as belas pernas da porta-bandeira.
O amor cadencia, abre caminhos...

Todo ano sacrifica um carrasco
que habita em seu peito de morte.
Com as cordas arrasta os sonhos
e as urgências dos dias insanos.

No impulso do golpe sangrento,
a rosa vermelha a desabrochar
desvia o olhar do sinistro.
Poda os desencantos com o punhal
e vê um novo amor florir.

Quando leva à boca a taça amarga,
mãos amigas acolhem as dores.
Derramam o veneno sobre os ratos
roedores de sua esperança.

Outra noite tenebrosa!
No momento do salto, recua.
É salvo por um anjo de sorriso aberto
com dentes de janelinhas.
Esconde as cartas de adeus
e fecha a janela do desespero.

Ainda ostenta a ideia fixa
nas paredes da mente angustiada.
Espia o mundo por entre
os dedos tesos da tristeza.
Melancolia crônica não provoca
infarto fulminante.

Por fim,
haverá de envelhecer
em lamentos intermitentes
e morrer de falência múltipla
dos elos com a vida.

De São Paulo, SP: Heccos
Título: A marca da sereia 

(Extraído a seco, sem dó, do Conto: O Senador e a Sereia, de Tomasi di Lampeduza)

o rio estava preto, gordo
o céu oleoso, escurecido
nuvens brancas cravando o negro
espremidas entre as duas margens

“a beleza” – dizia, o olhar
ardendo à luz de estátuas gregas
só visíveis à sua retina

olhava os corpos jovens, belos
para ele: “doentes esquálidos”
no futuro que antecipava
sentia já o fedor das carcaças
(era Saturno encobrindo Eros)

para ele só o passado
abranda um pouco o perfume
que emana da mortalidade

“certa vez, pela costa selvagem”
revelou – “o coração de um jovem
foi pelo amor apaixonado
inventando joias ao sol
sobre o dorso bruto do mar
declamava versos líricos
para a indiferença das águas”

até o dia “o maior dos dias
uma espuma branca sorria
um sorriso de sal amável”

foi um perfume encantatório
as palavras – as mais comuns
a ele apenas o acesso se abria

gozou as mais altas volúpias
confessou até doces delitos
em dias claros e noites úmbrias

“a mais delicada alegria
com o violento ardor do cio
de presente me deu sua morte
morte lasciva e angelical”

foram as últimas palavras
saltou no rio oleoso
com um sorriso de esfinge
fechando-se no escuro


De Conceição do Mato Dentro, MG: Neneco de Bintim
Título: Queda

Calcar na rocha a rubrica da dor
tatuar no sangue espesso
cristalizar signos
da cruz de todo o dia.

Pictografar a pele
na tortura do voo revés
desguarnecido das asas
com que sonhei-me anjo
ou pássaro...

Tanto mais a vida me reflui
mais me infinito em paradoxos.
Assimilo-me às pedras e perdas
faço-me montanhas. Túmulos...

No desamparo da queda
apeado de asas
em múltiplas âncoras
álibis ou habeas-corpus tão inúteis.

O voo se desata no chão.


  
De Porto Alegre, RS: Andrea Stoppa
Título: Canção da Colona Triste

Sou uma casa caiada
que já ninguém mais habita.

Sou uma caixa vazia
toda enfeitada de fita.

Dentro de mim mora um anjo
de asas despedaçadas.

Dentro de mim mora um cristo
que já não crê em mais nada.

Um dia eu fui desejada -
bem menos que desejei.

Um dia eu soube do mundo -
bem mais do que hoje eu sei.

Olho essas mãos sem coragem
e não me apetece o arado.

Olho esses pés sem vontade
e não me esquece o passado.

Ouro, terra, amor e rosas -
nada disso me valeu.

Ouro, terra, amor e rosas -
nada minha vida preencheu.

Tive em mim tantas lembranças -
hoje só quero esquecer.

Tive em mim tanta esperança -
hoje eu queria não ser.

De que me servem pulmões?
Sou uma tumba enfeitada.

De que me servem ilusões?
Sou uma choça caiada.


De Curitiba, PR: Perez
Título: Pergunta Fundamental da Filosofia (um devaneio no universo de Albert Camus)

Divórcio entre si mesma e sua árdua vida,
Um abismo gélido de contrapontos existenciais!

Todos os dias ao acordar perguntava:
“A vida vale ou não vale a pena ser vivida?”
Até ontem a resposta era “sim”.
Hoje, o “não” que respondeu mentalmente fez-lhe agir sem hesitar!

Atuou na vida tragicômica em “persona” niilista e rebelde,
Saiu de cena em último feito – drama sem lágrimas – sangue.

Sem Deus ou ideologias, encontrou resposta no absurdo de Camus,
Hoje, em sua liberdade, escolheu encerrar o teatro insano!



 De Vancouver, Canadá: Carla Soares
Título: Suicídio

Eu queria escrever um poema sobre a queda
quando me dei conta de que não mais queria
impedir os olhos ou me perder de mim mesma.

A caneta é forte, mas o corpo pedia suicídio.
O fim escrito e pré-anunciado na letra da carta.

No dia em que aconteceu, eu estava tão certa
que queria ouvir a morte conversando, sussurrando
palavras, enviando comandos dentro de mim, que desisti.
Cansada, encostei a cabeça contra a parede, e venci.

O medo do despedaçar das palavras, das metáforas em partes,
me tirou o chão dos verbos, que outrora pulsava nas frases.
Fechei meus olhos e esperei até o amanhecer.
Guardei o poema para nunca me esquecer dos gritos.


Do Rio de Janeiro, RJ: Alice Condor
Título: Corte

Essa pele que habito
é em mim asa, cor, grito.
É em mim a possibilidade fenda,
Fontana rasgando os olhos e o mito,
rasgando o corpo sem órgãos,
orgânico rito.

A pele habitada me desabita,
me converte em ausência,
recusa visita.
Vestindo um hábito vestido
ela me encara,
e aqui o preço: o olho da cara.

Desabitada a pele a carne insiste.
Faz-se vida toda músculo,
falta o toque,
o choque,
goteja sangue, mas resiste.

Porém o hábito da pele
à carne falta,
e desse desabito,
desacostumada carne,
vê-se a dobra da ferida regenerar-se em pauta,
vê-se a cobrir retorcida a carne farta,
um sangue úmido,
ralo,

e nenhuma carta.


De Goiânia, GO: Flor de Lisbela
Título: Na neblina
  
Escuto
          as ondas
                    do
              mar
            Sinto
                 o cheiro
                        do relento
                                 busco as linhas da vida
                                                        um caminho
                                                                  feito
                                                                pelo
                                                     vento    
                                                Vejo
                              u m a  l u   z       
                   v e r d   e      s    e      
               d    i      s 
                          p       e
                                     r
                                         s   
                                                  a          n         d             o
                                                                                                    n      a            
                                                                  n        e      
                                                                                    b         l
                                                                                                      i         n
                                                                                                                             a  
                                                                                     Ela sinaliza um penhasco
                                                                                                 um jovem
                                                                                                             se
                                                                                                          desatina 
                                                                                                    o homem 
                                                                                             busca o mar
                                                                                          águas geladas
                                                                                            o abraçam
                                                                                  Rodeiam-no
                                                                                              velozmente
                                                                                     engolem
                                                                                               sua alma
                                                                               Ele está ensanguentado
                                                                                              seu coração
                                                                                      machucado 
                                                                                        sua alma foi traída                                                                                              
                                                                                             foi-se
                                                                                                 sua 
                                                                                                  medíocre
                                                                                                         vida.                            



TEMA:
CASA



De Brasília, DF: Urbanoide Cáustico
Título: Palafitas

Sonhos
plantados
na lama

(paisagem
de aranhas
paralisadas)

– as sementes
pecas.

A lama
fecunda
a miséria
ancestral,

gera
a memória
de si,
por sobre.

No ventre
do infortúnio
pulsa
a realidade
pútrida.

Leveza
há,
nas formas
e nos sonhos.

Tudo
que é leve
se dissolve
na lama.



De Cachoeiras de Macacu, RJ: Anne Sexton
Título: Velha Casa

melros na varanda
violetas
resmungos

Aruçu sentado
latidos a espera
no portão

e o cheiro de feijão
por trás daquela porta

trancada.


De Jundiaí, SP: José Matsushita
Título: A casa que habito

A casa que habito
não tem lembranças nos ladrilhos
não tem porta presente
porão de passado
janela para o futuro

Na casa que habito
as notícias não passam da soleira
com o irônico capacho de bem-vindo
– todos pisam na hospitalidade
e beijam a porta na cara –
as ‘novidades’ amarelam do lado de fora
e são abandonadas em soleiras alheias
que o mundo insiste em enganar
com tragédias velhas
repetidas à exaustão

Na casa que habito
ouço o sussurro das tábuas
o gemer dos pregos
nada é concreto
tudo é devaneio
acredito em papais noéis
só não tenho chaminés

Na sala há uma cadeira de balanço
que só vai e nunca volta
No quarto, uma cama de casal solteira
com uma mancha de arrependimento no lençol
Na cozinha, o relógio está sempre faminto
com os ponteiros devorando as madrugadas
e regurgitando escuridões nas horas de luz
A torneira da pia do banheiro
goteja solidões
a banheira é colo
o corpo nu fetal
o eco dos azulejos embaçados
e o choro primordial
de um parto sem útero

A casa que habito
não está em rua alguma
encontra-se em um eu desconhecido
na alameda dos ausentes,
sem número.




De Atibaia, SP: Sub-Versivo
Título: Poesia em movimento sem teto

Fundo em veios abertos
alicerces que sustentam a leveza de não-ser,
Vergalhões e estruturas metálicas são ossos
                                                                           que deixam a mostra apenas a moldura,
desnuda de carne, envolvida por argamassa e rejunte.

Pela porta de entrada
passam pedreiros apressados,
em movimentos peristálticos caminham rumo ao reto.
Todo ralo é um cu ao avesso.

 Suspiro. Alvéolos de alvenaria inflam.
            Pouca telha me cobre a cabeça, moinho de vento.
Escolhi não permanecer patrimônio histórico:
- Nasço, racho e desmorono!

deus da moeda local se vale de mim, especula o meu valor,
humano-imobiliário, enquanto sem tetos se
abrigam no meu coração,
Pois o homem concreto não veio do barro,
é a casa de pau-a-pique que esconde a revolução.


De São Paulo, SP: Antônio Pina
Título: angostura

sentada diante de
fichas de pôquer
uma escultura amarela de cera derretida
contra insetos
(ainda arde; uma chama acesa)
dois pratos sujos com restos de batatas
(estavam muito salgadas)
e uma cópia amassada da odisseia
do outro lado da mesa, o garoto prepara drinks com vodkas
e desvenda o futuro: tudo aconteceu e
ele sempre soube; o que há é mera
cópia barata, antiga projeção
deveríamos ter ficado em casa assistindo a estranhos
encenarem tamanho espetáculo
os dias se vão
se é que alguma vez estiveram mesmo
conosco
à mesa, continuamos as atividades
pôr e retirar palavras
pôr e retirar lençóis
pôr e retirar arbítrios
o garoto não separa a madeira
ainda que seja preciso saber da sua raiz se é
furiosa ou arredia
as duas portas se abrem para a mata
moldura
certa estou de não adentrar esse quadro
sonhei que recebia de um amigo
uma caixa com alguns rolos
dentro havia filmes feitos por andy warhol
em um deles
andy estava na praia, acompanhado de uma fauna espetacular
imagine: uma praia de nova york dos anos 1950
(eu nunca fui a nova york)
guarda-chuvas brancos e vermelhos
chapéus
todas as pessoas estavam de costas para nós
de frente para o mar
havia uma profusão de vozes
essas vozes nunca correspondiam às costas
de quem estava sendo filmado
esse amigo também tinha uma amiga que pintava florestas
cada quadro era uma passagem
para onde a pessoa
poderia ir quando quisesse sair do mundo
a minha floresta era muito clara
em tons de rosa e verde claro
um rio curto, uma tripa de rio
e uma montanha que, sabia-se, além dela
havia mar.
o despertador tocou.
existem deuses e eles pairam



De Nova Friburgo, RJ: André P.
Título: casarão

as cortinas desbotadas
feito quadros abstratos
a sala penumbravam
nos absurdos sóis dos janeiros
as paredes descascadas
sustentando fotografias de ontem
o vermelhão batizava pés de quem
não seguisse as  avenidas de jornais
o assoalho gemia
as janelas de tão grande: ‘quaseportas’
urinol embaixo da cama com seu pálio
e a poeira assentando memórias

varanda de domingos
um quintal de infâncias
um de lenha pros alimentos
um porão cheiro dos túmulos

as cortinas desbotadas
aventando na sala
e a dona de tudo isso
viúva
cotovelos na janela
envelhecendo
feito ferrugem nos portões...


De Petrópolis, RJ: Le Chat Rouge
Título: Contraendereço

Não há nada a fazer.
Você coloca o chapéu, apaga a luz do quarto
e senta no escuro. Mas isso não resolve.
A solução é um homem em pé atrás da porta.
Mas a loja de material de construção
ainda não entregou
a sua porta.

Vamos encomendar uns salgados.
Tirar o chapéu.
Acender a luz e sentar no claro.
(Tua sala eternamente de espera.)
Então levantar, colocar o chapéu, apagar a luz e sentar no escuro.
Mais uma vez.
Como se fôssemos astros vagando em torno
de qualquer incerteza a que chamam de
estrela.

Como se fôssemos crianças em véspera de
consultas médicas, natais, aniversários, viagens ou
tempestades.

Luvas vazias são tristes.
Sapatos empoeirados nem indicam o caminho
nem renovam a promessa.
Quando penso na solidão imagino
um saco cheio, furado,
esvaziando até se curvar sobre si mesmo
e tombar para frente.

Imagino que a solidão é um homem atrás da porta.
Mas a loja de material de construção
ainda não entregou
a sua porta.



De Americana, SP: Onaira
Título: Rua das Quimeras, Sem Número

Aquele terreno baldio
lá no fim da Rua das Quimeras
era como um menor (abandonado) solto no mundo:
flanava ao léu
pelos ventos das incertezas.

Era todo cercado
pelas ervas daninhas das desilusões
e pelos destroços da calamidade humana:
sobra excessiva de areia nos olhos,
caliça de pensamentos desmoronados,
fragmentos de vidas demolidas.

Quando viu aquele terreno
lá no fim da Rua das Quimeras, sem número,
a minha visão poética logo foi me dizendo:
– esse é o seu número!

Rapidinho eu concordei... E o adotei!
Capinei e desentulhei!
Passei o rastelo nos cacos de histórias tristes fenecidas
e também a enxada e a foice
naquelas ervas daninhas
que cegaram os brilhos
dos que já foram um dia olhares saltitantes.

E os pedacinhos de tijolos que restaram
das aspirações ainda ilesas?
Ah! Cada um deles, cuidadosamente,
aconcheguei nas palmas da minhas mãos
e, com a argamassa dos meus quereres pueris,
ali mesmo levantei as paredes
do endereço das minhas alegrias.

Agora, naquele terreno (não mais baldio)
lá no fim da Rua das Quimeras,
reside um coração feliz;
bem ali na bucólica casa dos meus sonhos.

Pode entrar e ficar à vontade,
só não pode mais jogar entulho!




De Brasília, DF: Palavra Grávida

Título: Ladainha da falência



Cem mil reais,

ô Madalena,

é quase nada.

Tremenda ofensa.
Foi tudo aqui: o amém e o não.

Ninguém compra uma história assim,
mulher. Tá ouvindo?

Cê quer deixar as paredes tristes?

Foi tudo aqui, de improviso:
o nascimento da Gertrude,
a doença do Guinelo,
nosso abandono que durou três dias.

Sangrei à toa, de sol a sal?
Foi tudo em vão?

Inda tem abacate no pé,
a cama cheirando a mofo,
o chumbo que Ivan Levou,
o chinelo que o Saci roeu...

Quem vai morar com o mesmo amor, a mesma ira?

Esta casa vale infinito, ô Madalena.

Ninguém sabe se amar aqui
qual miserável estabanado frente ao prato.
A nossa cama não canta direito noutro endereço.

O trincado miúdo da viga,
a caixa de esgoto, que só eu desentupo,
a sarna do galinheiro, e os ovos de cada dia.
Isso é nosso. É da família.

E a serenata das 15 horas?
Chovia fino no violão. Eu tava rouco.
A TV em cores chegando da loja.
Era dia de Miss Brasil. Tá lembrada?

Minha alma não está à venda,
Madá querida,
nem por fortuna de arco-íris.

Só sei viver aqui, entende?
E sinto: a morte tá me acenando.
Seu pranto há de cair bem lento,
pra eu ficar germinando, eterno.

É mau negócio sair do céu!
Dê outro jeito.
Neste cafofo, o nós dá certo.


Do Rio de Janeiro, RJ: Henry James
Título: Ode à casa

o garfo deseja a colher

na cozinha
a escumadeira lamenta
uma ausência no escorredor
a louça a conforta:
o amor tem vieses
que ele próprio desconhece

mas no quarto
a traição
a cama desarrumada

a escumadeira no banheiro
sufoca o pesar que machuca

fios sangue
no lavabo
em frente ao espelho

na sala de estar
a adega
a poltrona
as taças
tudo vazio

frente à solidão
ninguém mais ali


apenas a casa
a pia
de onde escorre
a água que não lava cicatrizes

De Pelotas, RS: Dani Mo.
Título: azul turquesa

tudo continuava ali
as paredes manchadas
o pedaço de reboco
que caiu na entrada do corredor
as fotografias amareladas
os mesmos quadros
a garagem ainda alugada
para uma oficina de bicicletas
os quartos interligados
por portas que chegavam ao teto
o poço artesiano coberto
por uma espessa camada de concreto

tudo continuava ali
as janelas que davam pra rua
o fogão que alimentava a cozinha
o rádio que a escutava
a cama onde sonhava
e o quintal que iluminara os seus dias

quando resolveu partir

De Recife, PE: Januário Sertão
Título: Uma retina lembrança

O dia fluía numa alga solta e perdida
sob as ondas do mar.
E toda aquela existência salobre dos arrecifes
brilhava
nas retinas,

a lembrança
de um vaso e sua flor
esquecidas

no fundo do jardim
de uma
casa solitária.

O teto insustentável
espirrava
sua poeira marginal,
um flamejar de ar dormia sob
a mesa

Uma gata no seu tom matinal
corre atrás do rato
renegado do submundo.
A prole felina dormia
na caixa travestida
em veludo

O silêncio da estrada, das árvores,
do chão o vento.
Um sussurro pensamento
Olhos em solidão

Como o primeiro raio de sol à mesa
uma criança abandonada,
teima ter forças
para queimar seu coração petrificado.
Não podendo ver mais, respirar mais,
sentir mais.
Como uma rocha que fizera do ar,
o seu relicário.
Estremecera na última fração de moléculas
e cristais imaculados
que subiram as escadas telhas
no âmbar
da retina lembrança
num vaso rachado
e sua flores
cerejeiras
no fundo do jardim
enervada de cupim
daquela velha casa realeza.


II

Velho ranger sob as telhas
que calham quando a chuva cai
num copo d’água
quebrado sob a mesa
Uma gata no seu tom matinal
corre atrás do rato
renegado do submundo
a pulga que pula de rabo em rabo
a poeira marginal dormindo no estofado
o vaso e sua flor morta
esquecidas
no fundo do jardim de uma
casa solitária
tuberculosa
respira e transpira
lágrimas mal cheirosas
de um véu desbotado
sem receita

Eis a casa que se sustenta
camusiana
um céu rosa no entardecer
de um quarto embevecido
pelas flores mortas
roubadas de um jardim emudecido

Só me restaram essas portas
sem trincos abrigos
nem uma alma-inimigo
a vida que percorre
na madeira
desenha meu destino.

De Porto Alegre, RS: Cassiopeia
Título: A Casa

Madeira
Zinco
Concreto
Telhas
Paredes e mobílias
Portas que se aaabrrremmm
(                                           )
Portas que se fecham
                .
Janelas para rua
Janelas para o nada
Janelas para outras janelas
[  ][  ]
Mesas
Cadeiras
Cachorros dormindo
Miau de gato
Chão e teto
Intervalos também
;
Toctoc dos sapatos
Sonoridade de beijos
Tapas, abraços
Gente
Gentes
,
Isso também
Também
...
Árvores, estrelas
Chuva, amendoeiras
Cheiro de mar
A estação entre as estações
Frio
Bolo de fubá
Violão
Pedra
Montanha
Verde
E estrela
Azul, azul, azul
Mais azul
Nada de paredes
Nada de tetos
Muito além
Todo, todo, todo
O universo
E também esse corpo
Que habita essa alma.


De Cabo Frio, RJ: Dersu Uzala
Título: da casa.

encolhia no sofá pelo frio e aconchego das cobertas
conforto da alma no quarto improvisado

poucos móveis tínhamos
poucos motivos para  uma alegria absurda construída de quase nada

fechava os olhos e abria -se a viagem
para todas as direções
passavam serras
rios
florestas
cidades
tudo cabia na bagagem

as vozes distantes
o vulto apagado do pai na mesa de jantar
com o velho hábito da farinha engrossando o feijão
a laranja com casca cortada em gomos.

a santa acendia - se imóvel
fervia a noite apertada
o sofá transformado em cama
a sala em quarto
a felicidade não tinha vergonha do pouco espaço.

da casa.

nota: o poema pode ser lido verso a verso na ordem invertida, a critério do leitor.


De João Pessoa, PB: Justine Montecchio
Título: Palavra de Pandora

Aqui, nessa casa de lobotomias,
há um olho que anda
Pernas de anjos terríveis, uma mulher vestida
com o sol de Dalí

Boneca suspensa numa caixa de mescalina
Soluçante, aranhiça
tecendo casulo, cataclismo de seda,
azul

Palavra, avança
Sutil floco, embora foice
Pandora parindo
Beleza, horror.


De Salvador, BA: Augusto da Maia
Título: Em casa

cada dia se dizia menos
o silêncio foi comendo toda palavra
até que não sobrou mais nada
mesa vazia, afeto desfeito
sem tato, sob o mesmo teto
alegria desbotando no porta retratos
estante escorada na parede
tv dizendo o que ninguém mais escutava
aquela ferida aberta no meio da casa
como um buraco negro
uma vala q aberta no meio da sala
cabia qualquer palavra
- boa noite pai.
 não havia mais nada 


De Pavia, Itália: Longobardo
Título: A casa no oásis

Há um oásis no grande deserto
que abriga desde mil anos
quem se rebelou
por que não queria patrão.

No oásis, um grande jardim
com tâmaras, laranjas, romãs.
Perfume de jasmim
e sepulcros milenários.

Túmulos todos iguais
sem marcas a distinguir,
apenas um pedaço de barro
sem nome, para lembrança.

A água jorrando da rocha,
gelada no brilho ofuscante,
entre touceiras de capim,
molhando uma mangueira.

Lá vamos voltar um dia,
encontraremos velhos amigos,
chegando para um compromisso
esperado, há muito tempo.

Será como voltar para a casa
na sombra do pátio mourisco,
entre o aroma de coentro
e de chá de hortelã.

A noite no terraço
na fresca vaga do ar,
entre gritos de ratinhos
e gatos caçando sombras.

Lá irá cobrir-nos a asa
do enorme mocho
deslizando pra buscar presas
no luar macio.

De Varre-Sai, RJ: Marcopolo
Título: Manual de pátina e liquens perolados
I
Árvore, ninho, gruta, oca, palafita, pau-a-pique,
barco, plataforma, calçada, chão. Mar, dos absolutos que navegam. E mergulham. Caçadores de ostras. Escamosos.
Intestinos: ágora dos vermes.
Cova, a derradeira inescapável: ponto, sem interrogações. Por quê? Por quê? Não haverá respostas, desista, é drama básico, não banalize a tragédia com perguntas vãs.
Conheci um que morava num buraco de barranco, escavado a mão, unhas sujas. Manias de lanternas, de acumular entulhos e livros. Biblioteca, habitação de delírios.
Alvenaria, condomínio, prédio, estâncias mais felizes, onde vendamos os olhos, que se foda o externo. Casas de preconceitos: me defendo e nego.
Casulo, dos que se transformam em avatares. Barriga das fêmeas, a força da esperança. O futuro: ovo.
II
Peito: aconchego
(nas noites de chuva, datilografia das gotas no telhado. Aurora, onde mora o sol, lençóis, lençóis onde me espalho, cobertores, seus cabelos).
Meu olho, onde você mora. Memória! Memória!
Aqui, residem todos os nomes, cheiros, sabores, tatos, suas pernas, o arrepio, sim, aquela luz azulada dos vitrais, seu corpo nu sob as canções que vinham de um bar ao lado, quando enlouqueci.
A ferida, que você cuidou, seus dedos com mertiolate. Agradeço.
Tédio, que não insisto em residir. Ah as estrelas, clichês, mas não parecem fogueirinhas? Um tempo me aqueceram, quando não tive dinheiro para o aluguel, me expulsaram.
A minha preferida: Betelgeuse. Foi a que realmente fez a diferença.
Morei (de forma transversa) nos rastros de um ódio, da vingança, que nunca cumpri, raiva, desprezo, tantos lares de tijolos expostos (o verniz fendido), insustentáveis, suspensos. Dor.
Ar. Nuvens. Liberdade. Voando sobre telhados, sobre a cidade. Fiz viagens. Dias e dias. A Terra. A Via Láctea. Laniakea. O Cosmo. Todos, absolutamente todos, que me acolhem. E ajuntam, e colam, e me confortam.
A casa é algo que se apruma, se eleva e se suspende.
Corpo: o lar em que habito.


De Riachão do Jacuípe, BA: Vaqueiro das Nuvens
Título: A casa que habito

Habito uma casa que não conheço
E que me abriga sem saber

Perdido atravesso a ermo
Os amplos mares do ser

Sendo navegante
Inquilino deste mar vagante
Aplaco a sede dos dias

Num labirinto de espelhos
Semeio dos meus artelhos
A seca fome das feras

Habito uma casa que não conheço
E que por força do hábito me abriga


De Caxias, MA: Carvalho Jr.
Título: Abrigos

lá onde desdormem as borboletas hematófagas,
no buraco da fechadura dum castelo de marimbondos,

no sétimo sonho do menino sonâmbulo,
nos zigue-zagues das sombras das asas das libélulas,

na chúvida versilínea polissemia das nuvens,
na luz de lamparina dos lábios do relâmpago,

nos becos dos bicos de cores da boca do arco-íris,
nos cúrvidos assobios dos ventos,

no rastro do rabo de uma estrela cadente,
no piercing da orelha do livro em construção,

na oca do olho do coração do homem,
na casca do ovo e do coco dum santo do pau oco,

nos cândidos caminhos do umbigo da lua,
nas saliências das pernas de meu amor...

em todos esses lugares eu moro, desmoro,
corro, namoro, choro, morro e desmorono...

minha casa é uma louca varrida de bagunça
que vive em eterna mudança...

como não uso mais pedra que não seja poética,
estou dividindo apartamento com um joão-de-barro.
  
Do Rio de Janeiro, RJ: Taurus
Título: A velha casa            

Repousa a velha casa abandonada
Sob a brisa e seu tímido lamento.
Ali, a vida e a morte, de mãos dadas
Vagueiam, com seu passo solene e lento.

Dormindo quieta sob o sol de outono
Em meio a musgo e desmaiadas flores
A casa, no seu derradeiro sono,
Sonha um passado de alegria e dores.

Deixem a velha casa!... É assim
Que as ilusões devem chegar ao fim:
Embaladas na lembrança e seus traços.

Não a sepultem como a um triste morto!
Seja o tempo, inexorável e absorto,

O algoz final, em seus morosos passos.




 De Crato, CE: André Anlub
Título: Casa


"O importante não é a casa onde moramos.
Mas onde, em nós, a casa mora."
- Mia Couto

Às vezes constroem-se imponentes casas de madeira,
Às vezes impotentes castelos de areia.

Falando em outras épocas:
Não houve regras nem mesmices,
Nem de outros, quaisquer palpites,
Nunca deixei; (fui menino traquinas).
Até hoje em dia quando me apontam o dedo,
Aponto um lápis.

Na puerícia fui um príncipe - fui plebeu,
Fui o princípio das brincadeiras – fui o fim, pois também fui o rei.
Por essa razão ou outra, talvez,
Não existe agora, nesse tempo,
De um insatisfeito, nem um ínfimo resquício.

Vivia o hospício bem-vindo de um artista,
Vivia o “agora” sem a vil bola fora,
Que condiz com qualquer aprendiz.

Na parede da minha casa,
Descascada, carcomida,
Em linhas frenéticas de giz,
Comecei os primários esboços:
Linhas traçadas nas paredes
Do sóbrio Pollock de um metro e trinta.

O piso era velho, de taco,
E no meu quarto o desenho de um tabuleiro de xadrez.
Em frente à casa uma mangueira,
E uma mangueira para regar e tomar meu banho.
Um balanço sobre a roseira e os belos girassóis de Van Gogh...
Mas isso só em sonho.

Fui feliz naquela casa e nas outras que surgiram,
Pus meu toque ao adornar, pus a música e trouxe amigos.
Deixei o pássaro cantar, o verde crescer e o cachorro latir,
Deixei o chinelo sujo de barro na porta

E guardei a lembrança da minha mãe sorrindo.

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E então? Quais os melhores poemas na sua opinião? Quem serão os 32 classificados?  Boa sorte a todos! Na quinta-feira saberemos!

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