quinta-feira, 25 de julho de 2013

Puta



(Por Cinthia Kriemler)

Cuspiu na pia. Junto com a saliva, os restos do sexo. Estremeceu. Não tinha nascido para aquela vida. Fazer dinheiro trepando é pra quem tem estômago. Lembrou de antes. De quando não contava as rugas e as unhas estavam sempre feitas e o perfume francês e as roupas eram recebidos de presente, pagos por homens importantes.  E de quando cada encontro era uma festa de bebida e pó. "Cheira aí, meu bem". E ela fungava tudo. Pra aguentar as trepadas alucinadas, os tapas, as humilhações. Tinha que cheirar. E beber. Que o champanha e a vodca deixavam qualquer porra com gosto de importada. 
Sacudiu a cabeça. Em seguida, estremeceu de novo. Dessa vez, mandou embora o tempo. Porra de madrugada fria! Porra de úlcera maldita que dói toda hora
Mas tinha coisa que doía mais. Os murros do cafetão; a penetração por trás, forçada, apressada, arrebentando tudo. Não se acostumava. As outras debochavam: "Onde já se viu puta com frescura?" Pois ela era uma puta danada de fresca. Desconsentia. Negava. Argumentava. Depois fazia. Tinha medo de o freguês reclamar para o cafetão. Mas não entregava a bunda sem lutar.
Até que não é caro o remédio da úlcera. Só não adianta de nada. Vai ver é este conhaque vagabundo que está cortando o efeito dos comprimidos. 
Jogou na boca dois chicletes de hortelã. Testou o hálito. Retocou o batom vermelho e limpou os dedos na moldura de madeira apodrecida do espelho. Parou um instante para ver o coração rabiscado na parede. Não estava ali na semana anterior. "Marcelo ama Polaca". Mais uma idiota achando que cliente se apaixona por puta. Polaca, Polaca, fica esperta! Deve ser menina nova. Tinham chegado umas catarinenses que ela ainda não tinha visto. Só gente bonita essas gurias do sul. Duro era trabalhar ao lado delas na rua. Altas, cabelos loiros, pele sem marcas. Droga! E ainda trepavam bem, as vacas. Atraíam os homens mais novos. Os melhores. Desses que transam com a puta falando poema e prometendo amor. Uns fodidos, isso sim! 
Depois, ia sobrar pra ela falar a verdade. Que puta não sonha. Que puta não faz planos. Que puta não fala de amor. E juntar os pedaços. Oferecer o pó, a pedra. Entregar o conhaque vagabundo. Estancar o sangue nos pulsos frios numa noite de navalha cega.
Porra! Quem será essa Polaca? 
Cuspiu no chão da rua. Estava ficando velha. Sentindo pena da menina do sul. Sentindo falta daquele antigamente de merda. A dor da úlcera queimando por dentro. O coração rabiscado na parede mostrando o pesadelo dos sonhos. O poema ausente em cada transa fazendo falta, finalmente.
Pegou os comprimidos na bolsa minúscula. Aquela desgraça toda ia passar.