(Por Iara Caldwell)
Novamente Paris.
Estava prestes a chegar. Férias... Não
podia esperar pela hora de caminhar às margens do Sena, naquele pedacinho da
Île Saint Louis; ver as luzes e as largas avenidas que rasgam aquela cidade
espetacular. As tardes nos cafés; pensar em Deus diante da Notre Dame ou Sacré
Cœur. Talvez entrar e rezar. Mas não antes de dar umas voltinhas profanas e
excitantes pelo Marais. "Senhores passageiros, em breve estaremos pousando
no aeroporto Charles de Gaulle. Hora local: 16h, temperatura média de 10ºC e
faz tempo bom", falou, pausadamente, o comandante da aeronave.
Não posso
acreditar que estas angustiantes onze horas de voo estão terminando. Desde que
decolamos do Rio, segurei a sua mão e não larguei mais. Larguei. Preciso comer,
beber, me levantar para esticar um pouco as pernas, ir ao banheiro... Ah, o
banheiro... são idas e idas ao banheiro. Tudo incomoda: o barulho, a pressão, a
turbulência, o espaço mínimo entre os assentos, o frio... Há uma estreita
relação frio x bexiga que precisa ser estudada. Você, gentil, não reclama.
Apenas me olha, acompanhando meus movimentos inquietos, parece me entender
perfeitamente. Deixa a mão estendida sobre o braço da cadeira, esperando que eu
encaixe a minha. Encaixo.
Tudo isso já
está acabando, o negócio é ter paciência, falta pouco. Outra vez a vontade de
voltar ao banheiro... Não, eu espero. Gostaria de pensar que já estamos
descendo, mas o piloto não diz nada. Ninguém diz nada. Você também não diz
nada. Mas segura a minha mão e isso me conforta.
Tenho um tremendo problema com altura. Lugar
para mim, no avião, é no lado do
corredor, janela nem pensar! Olhar para baixo me aterroriza. Procuro nem
prestar atenção quando o piloto começa a
sua explicação sobre a altitude: "... estamos a tantos mil pés de
altura". Informação desnecessária. De que me adianta saber? Melhor dizer
que é muito alto e pronto. E, daqui de cima, acontecendo qualquer coisa, nada a
fazer senão rezar. E segurar a sua mão. Seguro. Melhor que nada aconteça.
Não, não sou medrosa, caso esteja passando
essa impressão. É que altura nunca me deixou lá muito à vontade, eu disse:
tenho problema com ela. Quando era criança, vivia subindo em árvores. Mas antes
do terceiro estágio de forquilhas já olhava para baixo, media mentalmente a distância
e logo procurava me agarrar a algum galho forte mais próximo. Assim, como faço
com a sua mão. Só por precaução. Com a árvore, dava certo: nunca caí, nunca
quebrei nada, um ossinho que fosse. Por que não daria certo com a sua mão?
Acho que o avião
já se aproxima do solo. Estamos descendo?
O passageiro ao lado levantou a janela, me ergo um pouco e... ah,
confirmado! Estamos baixando, mas bem lentamente. Vou me preparando então. Não
demora, pedirão que atemos os cintos. Estranho o piloto não falar nada... Êpa!
Estamos subindo de novo? Gelei. Gritos, falatório, desespero, pedidos de calma.
Confusão armada no avião. O que é isso? Que guinada! "Senhores
passageiros, por favor, mantenham os cintos atados!" - fala um comissário,
quase gritando. Alguém me explica o que está acontecendo? E o avião continua
subindo, subindo e aumentando a pressão nos ouvidos... Ai, me falta o ar... ;
me falta a sua mão. A sua mão, onde está a sua mão? Aqui. Fica aqui, por favor.
Assim... Calma, preciso manter a calma. Respira! Estamos voando reto de novo?
Ai... meu coração está acelerado, parece
querer saltar pela boca. E sem paraquedas!
Tudo calmo
agora. Nunca havia passado por isso antes... Por um momento pensei que estivéssemos
a caminho da lua. Que desespero! "Senhores passageiros, pedimos desculpas
pela manobra brusca. Tivemos que arremeter, pois não nos foi autorizada a aterrissagem
no Charles de Gaulle. Voaremos para o aeroporto de Orly. Por favor, mantenham
seus cintos atados". Que susto! O
ar me volta aos poucos. Por favor, me dê
a sua mão. Não solte. Ordens do comandante.
Menos apavorada,
fico pensando o quanto poderá ser complicada a saída de Orly para o centro de
Paris. Ah, por que me preocupar com isso
agora se ainda estamos aqui em cima, voando, voando... ? E quanto tempo mais
teremos de esperar? Nada do comandante falar. Aeromoça, por favor, ainda falta muito para o
pouso? Perguntei como uma criança impaciente no carro dos pais, em viagem de
férias. "Em breve". Apenas isso? Grande ajuda!
Acabo de pensar
na semelhança de sons das palavras: aterrissar e aterrorizar... É isso! Voo que
não aterrissa, aterroriza.
Depois de toda
aquela adrenalina, o melhor a fazer é fechar os olhos e imaginar Paris. O
anúncio do comandante quebra o silêncio: "Senhores passageiros, dentro de
mais alguns instantes estaremos aterrissando no aeroporto de Orly, hora local:
17h, temperatura média: 9ºC e faz tempo bom". Dentro de instantes, em
breve... essa tripulação gosta de uma imprecisão. E continuamos voando...
"Tripulação,
senhores passageiros, preparar para o pouso: mantenham suas cadeiras na posição
vertical e afivelem os cintos". Enfim, a nossa deixa. Seguro forte a sua
mão, como na decolagem. Tocamos o solo. Aplausos para o comandante. Que alívio!
Cintos desatados. Pegamos nossa bagagem de bordo e nos preparamos para o
desembarque. Nos olhamos e com um
sorriso, agradeço: Merci, monsieur.