sábado, 31 de outubro de 2009

Bem-Te-Vi



Me diz aí quem é esse
Que chega e me bambeia,
Me incendeia, inebria?
Esse teu olhar me enlouquece,
Tua voz me empalidece,
Teu cabelo grande me arrepia,
Seu autoritarismo precoce me contagia...
Mas quem é então esse que me incendeia,
Me varia, me endoidece?
Esse remelexo mole
De quem vai ou fica,
Fica de vez ou
Já vai de vez!
Vai, vai, vai
Vai ver aonde vai...
Atrás da montanha quem
Foi sabe aonde,
No puro ar, no verde campestre,
Com murmúrios de bem-te-vi,
Eu bem-te-vi,
Te vi e sorri, e corri porque não morri.
E a sorrir vou eu indo,
Até que fiquemos tu e eu, aqui a sorrir.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz

Esta bela frase da música “Tocando em frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira, nos
proporciona uma boa reflexão, nos faz pensar de uma forma bem simples e extremamente
profunda. Nos mostra uma grande verdade sobre nós mesmos e nos lembra de nossa capacidade interior, do nosso “dom de ser capaz e ser feliz”, fala da capacidade do ser humano de ser o senhor de sua vida, direcionando sua caminhada por um caminho bom, um caminho reto, utilizando a capacidade que Deus nos deu a nosso favor.

É preciso que realmente trabalhemos por nossa felicidade, é preciso que o Homem “queira” ser feliz, pois querer é poder e o homem pode desenvolver este dom.

Através das dificuldades do dia a dia podemos encontrar um jeito de superar as adversidades com alegria, com esperança de dias melhores. É sujeito a acontecer e vejo muito isso hoje em dia: as pessoas esquecem o que já conquistaram, o que já construíram, pois o sistema hoje em dia exige cada vez mais. Quando chegamos num lugar que desejávamos, aquele lugar já não tem mais tanto valor e é preciso caminhar mais, lutar, vencer mais batalhas para se chegar num lugar cada vez mais longe.

Muitas vezes, pela ansiedade, pela pressa, deixamos de ver tantas coisas bonitas nesse caminho. Durante a construção de nossas vidas e nossas histórias, podemos ter grandes oportunidades, conhecemos pessoas, trocamos experiências, aprendemos, sorrimos, choramos, sofremos, mas também andamos para frente adquirindo conhecimento, vivência para agirmos cada vez mais com sabedoria e fazermos sempre as melhores escolhas para nossas vidas.

É preciso ir realmente "Tocando em Frente” para conseguirmos gradativamente aumentar nossos limites, para sempre encontrarmos a vitória em nossas vidas. A vitória que podemos ter e a mais importante é sobre nós, quando conseguimos aumentar nossas próprias compreensões.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre a preservação da libido nos seres que dependem dela para continuar vivendo.

"Pelo jeito que a coisa vai, em breve o terceiro sexo estará em segundo." (Stanislaw Ponte Preta)


Luzes coloridas de neon, pista de dança, bares, poles onde se penduram bailarinas girando seus traseiros cheiros de erotismo,corredores que podem nos levar a qualquer situação imprevista; labirinto impregnado de cores, cheiros, pessoas, raças, cujo significado não têm a menor importância. O que importa é a adrenalina, o desejo, o brinquedo proibido , a manipulação direta e indireta de desejos canalizados e expostos à estranhos parceiros sem face e sem identidade. A marca individual se encontra nas genitálias, nas nádegas, nos pés, nas bocas, nos sussurros, no aroma impregnante de sexo.
Manipular significa se fazer disponível para toda e qualquer experiência através do instinto maior de preservação da espécie. Caricaturas no ato de reprodução, tal qual os tempos de Adão e Eva, tal qual Sodoma e Gomorra, tal qual a Roma satirizada de Nero e Calígula: animais burlescos em busca do prazer luxurioso sem medir consequências morais, sociais ou religiosas. Apenas pele, sensações e órgãos em movimentos libidinosos e mecânicos tentando chegar ao ápice do que o corpo humano pode expelir de si mesmo: um gozo extasiante sem fronteiras e compartilhado voyerísticamente entre os personagens do clube de swing. Este era o ambiente que aguardava mais dois casais exóticos...para dizer o mínimo.


No momento em que saiu de sua casa , Jezebel havia se encorporado nas entranhas de Iracy. Sentia-se excitada pela novidade a qual estaria exposta. Apolo , o garoto de programa  com quem vinha se relacionando nos últimos três meses, sentindo o quanto aquela ex-dona de casa se descobria enquanto mulher a cada encontro que tinham, decidiu desafiá-la a enfrentar o desconhecido. Uma situação um tanto quanto inusitada, corajosa e por que não dizer, inescrupulosa e marginal. Experimentar o fruto proibido tem seu preço, que pode ser altíssimo....
Por isso, Iracy decidiu que deveriam ir à um local onde em hipótese alguma, pudessem ser reconhecidos, pois estariam expostos em todos os sentidos, literalmente falando.
Haviam chegado a Punta Del Leste três dias atrás. Dias de reconhecimento do local e de ensaio para o grande evento. Até agora haviam ido à praia, curtido o spa do resort aonde estavam hospedados, com muito banho de hidromassagem, sessões de aromaterapia, massagem sueca, shiatsu. Disse à Apolo que tivesse calma, ela diria quando estivesse preparada. Hoje era o dia.
Bebericando seu cocktail na lounge em frente à piscina, ela se perdeu em outros pensamentos....o que diria seu ex-marido se a visse naquela situação? Melhor nem pensar. O pobre diabo teria um infarto, no mínimo. Até que seria bom, o gostinho de uma vingança que se come fria. Imagina, justamente ela, uma "senõra" , mãe e avó que sempre sucumbiu às vontades autoritárias do marido, sem levantar a cabeça, sem se impôr, engolindo todos e quaisquer sapos todos aqueles anos, sem nunca ter sequer dialogado sobre a vida sexual do casal, sem saber o que era sexo oral, prazer, comunhão de corpos, brincadeiras eróticas. Preliminares? Nem pensar. Hoje tinha a noção exata de que seu papel fora o de mera reprodutora, empregada e mais um item de decoração da casa, que por ter mobilidade, também era utilizada como boneca marionete para ser exibida para todos os vizinhos, parentes e casais do círculo de negócios que era obrigada a aturar sorrindo, em intermináveis e maçantes almoços regados por conversas fúteis de esposas tão solitárias, carentes e superficiais quanto ela, cuja válvula de escape, eram as sessões de compra nos shoppings da cidade.
O que diriam hoje as suas amigas das Cáritas, onde fazia um trabalho voluntário para a Congregação da Imaculada Conceição? Nem seus silicones eram aprovados! Diziam que ela era outra depois da separação, que enlouqueceu, que estava se sentindo inferiorizada, que era vingativa, orgulhosa. No início podia ser, mas à medida que foi se aprofundando no divã do analista, começou a perceber que sempre usou uma máscara que não era dela, que viveu num mundo de convenções obrigada a fazê-lo, só por ter nascido mulher. Vagina entre as coxas era sinônimo de sujeição, escravidão, humilhação...
Mas os tempos agora são outros. Sem algemas na mente, renasceu para a vida e queria na terceira idade, aproveitar o que ainda lhe restava de vida, antes de sucumbir as doenças e a paralisia que acomete a todos nós.
 Aprendeu que a vida é uma só, e que chega de se culpar por coisas pelas quais ela não tinha culpa. A gente é o que a gente tem; a gente leva da vida o que se faz da vida. E viva o tesão! Como está bem escrito no livro do psicanalista Roberto Freire que ela resolveu ler como fonte de inspiração: "Sem tesão, não há solução".


Luís Arantes soube no momento que conheceu Ágata que  ela  era uma escort girl diferente das outras. Fina, elegante, possuía algo familiar e refrescante, algo que encontrou em sua esposa no tempo em que eram enamorados, e que se perdeu com as obrigações matrimoniais e rotineiras, principalmente após a chegada dos filhos.
Entre encontros e renúncia total do casamento até o divórcio e o ato final de consolidação daquele affair, contabilizavam-se três anos. E como em todo relacionamento, o início acalorado foi perdendo seu encanto com a rotina, e percebeu que para manter aquela mulher como objeto de coleção ,admiração e cobiça,  teria que abrir sua mente para algumas novidades, caso não quisesse ser um corno cego e burro. Pagava caro para ter exclusividade. Dividi-la com outros, só com seu aval e observação em primeira instância.
Por isso, resolveu ceder aos constantes pedidos de sua amante,de apimentar o relacionamento sexual do casal, incluindo participantes estranhos, sem vínculos de qualquer gênero. Coadjuvantes ativos, que seriam apenas sombras, após algumas horas de prazer.
Decidiram ir para Punta Del Leste, mas não queriam ficar num resort qualquer. Arantes era conhecido no balneário, por isso se hospedaram em um bangalô independente da área comum do resort. Um chalé digno
de noivos em lua de mel. Já estavam ali há dois dias e hoje seria a grande noite. Ele precisava deste tempo para se sentir seguro de si. Embora não fosse um santo, nunca havia participado de nenhum tipo de suruba, sempre gostou de sexo entre quatro paredes e reservado a um casal e só. Mas haviam conhecidos seus que relataram algumas experiências do gênero com suas amantes ou garotas de programa pagas para se exibir em público. Além do mais, o uso do Viagra era um plus na prolongação do exercício sexual. Sentia-se excitado em pensar em assistir sua mulher ser penetrada e acariciada por outros homens, embora não expressasse a ela tal desejo que também era novo para ele.
Por um momento pensou em Iracy...o que diria sua ex-esposa se o visse dentro de um clube de swing?
A coitada até resolveu fazer lipoaspiração e colocar silicone tentando atraí-lo novamente para si. Mas de velho já bastava ele. Os netos eram o que ela podia usufruir da vida. Que ficasse lá comportada e gastando seu dinheiro com cosméticos.Que ficasse lá entretida nas obras de caridade. Nem o significado de orgasmo, a pobre criatura conhecia. E que continuasse assim..
Com sua esposa  nunca pensou em tal coisa, aliás, este tipo de pensamento era uma total aberração. Eles eram de um tempo, que swing era um estilo de dança americana. Sua esposa era mãe dos seus filhos, uma mulher quase santificada. Ele foi educado para pensar que a mulher escolhida para ser levada ao altar deveria cumprir suas obrigações sexuais sem muito assanhamento.
As putarias sexuais era restringidas aos casos e noitadas extra-conjugais. Para isso pagava as prostitutas. Para realizar fantasias loucas, que no seu caso, sempre foram conservadoras, do tipo "papai e mamãe".
Bebeu mais uma dose de whisky e resolveu tomar um banho, antes de ingerir a pílula milagrosa.
Seu mastro não iria se dobrar em nenhum momento. Disso Jennifer podia estar certa.



Não percam! Cenas do último e excitante capítulo, na próxima semana.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Volver





É preciso partir, perseguir sonhos, buscar algo além do horizonte.
É preciso ver gente, ouvir línguas, sentir cheiros e sabores não familiares.
É preciso ver castelos, plantações de girassóis e obras de arte....
É preciso ir, para saber que voltar é sublime.
Levantar voou em direção ao desconhecido é maravilhoso, mas voltar para o aconchego do seu país, isso não tem igual!
O poeta tinha razão, quando disse que a alma cantava ao ver, ou melhor, rever o Rio de Janeiro...
Não há povo latino mais colorido ou mais caloroso do que nós brasileiros. Não há flamenco que contagie mais que o nosso samba, nem comida mais gostosa, nem gente mais alegre que dá nó em pingo d´agua sem perder o sorriso no rosto.
Caminhar pelo mundo antigo é uma sensação estonteante...Sentir-se no berço da história, onde tudo aconteceu, ver tudo de perto, intacto, é gratificante, enriquecedor!
Mas... Se Picasso conhecesse o Rio, Guernica ainda seria uma guerra, porém cheia de cores.
A Espanha é linda e eu ainda estou embebida em sua rica cultura, mas como saudosa patriota que sou, só podia deixar como meu primeiro relato de viagem a imensidão que é o nosso país:
Imensidão de terras
Imensidão de gentileza
Imensidão de alegria.
O critério usado para a escolha da sede olímpica em 2016, obviamente não foi a segurança nem o preparo da cidade. Madrid está anos luz adiante neste quesito, mas a receptividade e o carisma do nosso povo, ninguém tem...
Porque apesar dos pesares, ( e que pesares), não há gente mais bondosa, (acreditem!) que a nossa, nem terra mais linda, ( tenham certeza!)que o Brasil.
Partam sempre que puderem, conheçam o mundo, mas sempre tenham essa certeza, e voltem sempre, pois melhor que partir, é voltar.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O amor que podia ter sido

Expirou-se um amor
Que aspirava uma relação
Respirou, enfim,
Meu sofrido coração.

Apagou-se, de chofre,
A fagulha da esperança
Que ardia como o enxofre
No inferno de almas santas.








Tive um tempo perdido
Tive o corpo vencido
Tive a mente ré
De uma alma condenada
A só dizer não.

Fartei-me do banquete
Da dona ilusão
Agora, indigesto,
Recomponho meus gestos
Meus olhares
Preparo-me para uma nova paixão

Minhas lágrimas
Que um dia elas chorem
Por razões necessárias
Minhas lágrimas
Que um dia elas chorem
Por quem as mereça
E de todo tempo ido
Minha mente se esqueça.

O homem que seria ser outro - Parte 9 - Descoberta








Lia Neide nunca tinha estado em uma delegacia antes. Agora, teria que realizar um depoimento pelo assassinato do ex-namorado, Adalberto.
Walter, o pai de Ariano, chegara a tempo de acompanhá-la no depoimento. Era advogado criminalista, prestigiado por ter sido bem sucedido em casos polêmicos e praticamente irreversíveis.
-Preciso que mantenha a calma. Se é inocente, não há o que temer, moça. – Disse ele a Lia, um pouco antes de encararem a expressão emburrada do delegado Régis.
O depoimento se inicia.
-Senhorita Lia Neide, nós recebemos uma queixa, a qual aponta você como a principal suspeita por ter cometido este crime bárbaro.
-Quem me acusa disso, seu delegado? – Indaga ela, com o olhar mais inquieto do que nunca.
Régis, com seus olhos argutos, logo repara essa característica da moça. Aquela atitude de Lia Neide, de não olhar nos olhos, poderia ser sua maior adversária naquele momento. Régis captava esses pequenos sinais corporais, e construía seu interrogatório com base nos pontos falhos que ia colhendo dos suspeitos...
-Ontem a senhorita teve contato com o seu ex-namorado?
-Minha cliente tem o direito de saber quem a acusou.
-Não, por enquanto. Antes vou formular algumas perguntinhas a sua cliente, que por sinal, parece nervosa...
Lia suava frio.
-Também pudera. A moça foi surpreendida por toda essa situação desagradável. O depoimento não podia ser realizado hoje. Ela acaba de deixar a cerimônia de enterro do seu ex-namorado.
-Ela não morrerá por isso, senhor. Dona Lia, está me ouvindo?
Ela, que tinha a cabeça derreada, se sobressalta, fitando o delegado.
-Estou, estou.
-Imagino sua tristeza... – Disse, em tom irônico – Teve contato com seu ex-namorado no dia de ontem?
-Sim, eu tive. Ele foi até o meu local de trabalho, ele... Ele veio me falar umas coisas.
-Coisas... Agora fiquei curioso. – Riu-se o delegado, debochado.
-Ele queria voltar pra mim. Ele... Ele ainda me amava, e eu... E eu a ele. – Confessou ela.
-Você disse a ele isso?
-Não... Isso é o que mais me dói. Eu não quis voltar pra ele, eu... Eu não quis me envolver, só isso. Queria um tempo, só um tempo, pra pensar. Meu pai faleceu há dois meses, logo depois eu terminei meu namoro com ele. Minha vida está meio atribulada. Agora então, nem se fale.
-Então este foi o seu último contato com ele?
-Sim.
-Não telefonou para ele depois?
-Não. O meu celular foi roubado ontem.
-Oh! – O delegado finge um espanto – Roubado?
-É, ele desapareceu. Eu tenho certeza que o levei para a minha sala, no jornal. Quando dei por mim, não o encontrei mais. Ele só pode ter sido roubado.
-Hum... Então não se tem certeza se foi roubado ou não.
-Não.
-A que horas a senhorita deu seu celular por ausente?
-Ah... Devia ser umas onze e meia da manhã, não lembro ao certo o horário.
-Engraçado... Um passarinho verde me contou que a senhorita enviou uma mensagem para o Adalberto ontem, por volta das onze e quinze da manhã.
-Como?
-O meu filho também se queixou por ter recebido uma mensagem do celular dela, delegado, já de noite. Como isso pode ter acontecido se minha cliente não estava de posse do celular?
-Esta mensagem dirigida ao seu filho não me interessa, mas sim, a que ela enviou a Adalberto.
-Este dado foi provado?
-Sim. O celular da vítima foi recolhido. Por sorte, ele não apagou a mensagem da senhorita Lia... Mas nem eu apagaria uma mensagem picante como aquela.
Lia fica estupefata.
-Solicito a mensagem, delegado.
-Claro.
Régis entrega uma folha de papel ao advogado. Walter lê a mensagem em voz alta.
-Eu nunca enviei essa mensagem! A ninguém! – Exclama Lia, desesperada.
-Acalme-se, Lia. Vamos provar sua inocência.
-Existem testemunhas de que meu celular foi roubado. A Julia, redatora chefe do jornal, entre outros colegas. Eu saí pela redação a procura do meu celular, perguntando a todos se o tinham visto caído no chão.
-Suas testemunhas são irrelevantes. A senhorita enviou a mensagem as onze e dezessete, e deu um sumiço no celular. Depois, disfarçadamente, convocou a ajuda dos colegas para procurarem seu celular, que a senhorita mesmo ocultou! Criou toda uma situação para que tivesse, agora, álibis.
-Que!!
-Não tem o direito de acusar minha cliente dessa forma.
-Não estou acusando. Estou supondo.
-O que acaba de dizer é um absurdo. Ela jamais faria isso.
-Pelo que sei, doutor Walter, o senhor acaba de conhecer a sua cliente. Como pode afirmar com tanto afinco que ela não é a culpada pelo assassinato de Adalberto se não a conhece?
-Digo o mesmo ao senhor. Não a conhece. Não tem o direito de especular, acuando a menina. Exijo fatos concretos! – Vocifera Walter.
-O amigo do Adalberto foi a pessoa que acusou a senhorita. Sabe por que? O seu ex ficou completamente extasiado com essa mensagem, e quando a recebeu, estava perto do Vitor. Que ex-namorado apaixonado não ficaria?
-Meu Deus... Quem pode ter feito isso...
-Portanto, é natural que o seu nome seja o primeiro que vem a cabeça quando se trata de suspeitos... Se Adalberto morre no local do encontro, e se foi a senhorita quem marcou o encontro... O que alega, senhorita Lia?
Lia olha assustada para Walter.
-Alegamos que a pessoa quem roubou o celular de Lia é o verdadeiro culpado pelo assassinato de Adalberto Rangel. Esta pessoa forjou um plano sórdido para dar cabo do rapaz.
-A senhorita suspeita de alguém?
Lia hesitou, e disse:
-Sim, eu suspeito... Ele se chama Euclides, é um colega do jornal. – Disse, com muito pesar em ter que levantar aquela suspeita – Digo isso porque ele foi a única pessoa que esteve na minha sala, por volta desse horário, inclusive. As onze e quinze ele não estava mais na minha sala, já tinha ido. Logo depois, dei falta do aparelho.
-Euclides... E por acaso ele tinha ciência da relação de vocês? Porque pelo conteúdo encontrado na mensagem...
-Sim, ele tinha. – Respondeu Lia, meio surpresa, pois não tinha pensado nisso. – Inclusive conversamos sobre isso na minha sala.
-Então são amigos íntimos...
-Não, nos conhecemos há pouco tempo...
-E já o considera um amigo confidencial? Sim, porque para comentar sobre um relacionamento amoroso seu, acredito que seja necessário um pouco mais de intimidade.
-Eu não devia, mas ele... Ele me persuadiu. Mas é uma boa pessoa.
-Uma boa pessoa que pode ter roubado seu celular. Em que jornal trabalham?
-O Boca do Povo...
-Hum... – Cofiando o bigode – Seria o Euclides dos Santos, o novo colunista esportivo?
-Sim, ele mesmo. Costuma lê-lo?
-Já li, uma vez. É que minha esposa... Ah, esquece. Acha que esse Euclides teria motivo para roubar seu celular e forjar esse assassinato?
-Não... Ai, eu não sei... Eu não estou me sentindo bem, delegado.
Lia apoiou-se no ombro de Walter, que se sentava ao seu lado.
-O que sente, Lia?
Régis lhe deu um copo d’água.
-Beba, moça. Está liberada por hoje.
Lia toma um gole d’água e se levanta da cadeira, um pouco zonza. Walter a acompanha.
-Acompanhem a moça até a saída. Senhorita, ordeno que não saia do país, muito menos do estado, nos próximos dias. Poderemos intimá-la a depor a qualquer momento.
-Ela ficará a par de tudo, delegado. Fique tranqüilo. – Adiantou o advogado. – Vamos, menina.
Walter e Lia saem da sala do delegado. Ariano, que os aguardava junto de Dona Beatriz e Euclides, vai rapidamente ao encontro de ambos.
-E então, pai? O que foi resolvido?
-As investigações apenas começaram, meu filho. Lia, infelizmente, figura como a principal suspeita do crime. O depoimento foi interrompido, ela não se sente muito bem.
Dona Beatriz foi acudir a filha.
-O que sente, filha?
-Estou um pouco tonta. Não agüento mais, mãe...
Lia dá um forte abraço na mãe, aos prantos. Por cima do ombro da mãe, ela, com os olhos encharcados, encara Euclides, que a olha, enternecido. Ela se afasta da mãe e se dirige até Euclides.
-Euclides, eu... Preciso te contar uma coisa.
-O que, Lia?
-Eu não tive escolha, eu... Eu disse que você é o único suspeito por ter roubado meu celular, pois vo...
-Espera! – Brada ele, indignado – Está me chamando de ladrão?
-Calma, eu não quis dizer isso!
-Ah não! Você acabou de me caluniar!
-É apenas uma hipótese! Sei que não foi você, quer dizer, eu quero acreditar nisso... Mas você foi o único que entrou na minha sala ontem!
-Você perde seus objetos e vem culpar a mim? Do que mais me acusou, Lia Neide?
Walter decide por fim àquela discussão.
-Por favor, não é o momento para isso. Lia, você não precisa dar satisfação a ninguém.
Walter olha de esguelha para Euclides, que retribui com um olhar furioso.
-Injustiça! Eu aqui, te dando a maior força, e você me apunhala pelas costas.
-Me perdoe... – Clama ela, em meio às lágrimas.
-Você não é digna do meu perdão. Me dêem licença agora.
Euclides sai da delegacia, muito aborrecido. Lia tenciona segui-lo, mas é detida por Walter e por sua mãe.
-Você não podia ter dito isso a ele! Ele é suspeito também, Lia! O que quer, se ferrar? – Admoesta seu advogado.
Ariano defende Lia:
-Pai, ela está nervosa, não ta vendo?!
Walter bufa, impaciente, e se afasta. Ariano se aproxima de Lia.
-Fica sossegada, tudo vai dar certo, eu tenho certeza.
Ele segura as mãos delicadas de Lia.
-Obrigada, Ariano. Se não fosse por você, e seu pai, eu não teria um advogado pra me acompanhar, eu estaria completamente perdida.
Lia abraça Ariano. Os pés do jovem pareciam flutuar naquele instante. Seu coração disparou, suas pupilas dilataram. Sentiu-se hirto dos pés a cabeça. O calor dos braços de Lia, suas lagrimas molhando a camisa, sobre o ombro... Ela nunca se aproximara tanto.
-Você sabe que faço tudo que tiver a meu alcance por você. Eu... Eu te amo, Lia. – Disse, ao pé do ouvido dela.
Lia se afastou dele, suavemente.
-Eu tenho um apreço muito grande por você.
-Apreço, é?... – Resmunga ele, cabisbaixo.
-É... – Sorri ela.
-Vamos indo. Eu levo vocês duas em casa. – Disse Walter.
-Não precisa, pegamos um táxi. – Adiantou-se Dona Beatriz.
-Faço questão. É bom que podemos conversar melhor, não acha, Lia?
-Claro.
E assim fizeram. Dona Beatriz os convidou para subirem até seu apartamento. Ariano, tímido, participou da conversa na sala. Lia disse não acreditar que Euclides pudesse ser capaz de cometer tal ato.
-É bom ficarem atentos com aquele rapaz. Ele é estranho. – Alertou Walter.
-Pai, até o senhor?
-Além de ser suspeito de um crime que foi concretizado a sangue frio... Por favor, ouçam o que eu digo.
-Somos amigos dele. – Disse Lia.
-Filha, não seja teimosa.
-Eu sei mãe. Só estou dizendo que não será tão fácil nos afastarmos assim, de repente. Ele vai achar que estamos desconfiados dele.
-Isso não é bom. Não podemos deixar que ele saiba que estamos com um pé atrás. Temos que fingir. – Aconselhou Ariano, lembrando-se das palavras de Julia.
-A nossa maior chance, no momento, é que as investigações sejam focadas neste rapaz, o Euclides. Irão intimá-lo a depor. Vamos esperar.
-Que situação... Logo o Euclides envolvido nisso... – Murmurou Ariano – Ele tem conversado muito com você, Lia? Ontem, por exemplo, chegou a estar na sua sala.
-Conversamos às vezes. Por que?
-Nada, nada... É que ele nunca me fala sobre você. Parece que não quer que eu saiba que vocês dois são... São amigos, né.
-Impressão sua. – Diz ela, tão ingênua quanto Ariano.
Ou não...
-Vejam, eu trouxe uma cópia da mensagem. Lia, me diz a verdade: como foi o seu encontro com o Adalberto na manhã do dia anterior?
Lia, envergonhada, não sabia se dizia o que de fato havia ocorrido.
-É mesmo necessário ficar lembrando isso?
-Obviamente.
-Diga filha, sem vergonhas!
-Está bem... Ele me beijou, a força.
Ariano se engasga com o café.
-Hum...
-Eu dei um tapa nele, entrei no elevador e subi pro trabalho. Nossa... Eu dei um tapa nele... Como é doloroso isso, essa despedida...
-Não se aflija por isso, filha. Você nunca ia imaginar que fosse acontecer uma barbárie dessas.
-Lia, está claro! Releia a mensagem! – Entusiasma-se o advogado.
Walter entrega a folha a Lia.
-“Oi, querido... Queria me desculpar, por hj... Tenho que confssar, ñ tem jeito: sou louca por vc ainda. Aquele bj foi maravilhoso...”
-Já é o suficiente. – Decretou ele, pondo-se de pé, no centro da sala.
-O que deduziu, pai?
-Se a Lia disse, em seu depoimento, que o Euclides estava a par de todo acontecimento entre ela e Adalberto, é obvio que a pessoa quem escreveu essa mensagem foi o Euclides! Ele assistiu a tudo? Ao tapa também?
-Sim!
-Pois então! Como ele sabia que você queria se desculpar por hoje? Algo que mal tinha acontecido, há minutos atrás! E o beijo? O beijo, Lia! Quem mais sabia do beijo senão o Euclides? Não me restam dúvidas. Foi o Euclides.
Ficaram todos abismados. A verdade estava ali, bastava querer enxergá-la.
-Não pode ser... O Euclides...
Ariano custava acreditar.
-E agora? Aquele falso precisa pagar! E eu ainda com pena por ter acusado ele! – Exaltou-se a moça, erguendo-se do sofá.
-Calma, Lia. Será a sua palavra contra a dele. Ele agirá com naturalidade. Dirá que não fez, e aí? A suspeita maior continuará recaindo sobre você. Agora, precisamos de provas. Qualquer prova que o incrimine.
Ariano se levantou, e oscilou pela sala, atônito.
-Então foi ele quem me enganou, quem me fez ir até aquele restaurante, à toa? Então... Ele quem matou o Adalberto?
-Se foi ele, não podemos saber, filho. Ele pode ter ordenado que alguém finalizasse o rapaz.
Ariano leva a mão à boca, incrédulo. De seus olhos brotaram lágrimas.
-Meu amigo...
Walter caminha até Ariano, e lhe dá um tapa no ombro.
-Amigo que quase matou você, Ariano. Que superdosou seu remédio. Que amigo é este, Ariano?
-Ele se desculpou, disse que...
-Chega, não há nada mais que me faça acreditar na inocência dele. Quando sua mãe me disse que o achava estranho, eu também discordei dela. Ele é um psicopata. Não transparece, nem de longe, ser uma má pessoa. Através de embustes, ele vai levando a vida. É o mestre da enganação. Sinto te dizer, Ariano, mas você caiu na armadilha do Euclides.
-Ele nunca fez nada contra mim!
-E quem garante que já não está planejando? E quem garante que a dosagem do remédio não foi uma primeira tentativa?
-Eu vou acabar com ele, pai.
-Não. É perigoso tomar atitudes por conta própria, principalmente contra esta estirpe. Continue agindo normalmente com ele, como você mesmo orientou. Finja ser amigo dele, finja que acredita na palavra dele. Pode ser um meio de conseguirmos uma evidencia. Somente com a prova, em mãos, poderemos salvar a Lia.
Ariano olha para Lia, desolado.
Euclides chega à casa do tio Charles, de mala e cuia.
-Entre, fique a vontade, meu sobrinho. Estou passando um café pra gente. – Recepciona o tio, animado – Seu quarto fica ao lado do banheiro, pode deixar sua mala lá.
-Poxa, tio, obrigado mesmo. Não imagina o quanto está me ajudando...
Euclides deixa a mala no quarto. Olha ao redor; um quarto modesto, sombrio, que cheirava a mofo. Pouco usado, naturalmente.
Euclides foi até a cozinha.
-E então, avisou teus pais que veio pra cá? – Perguntou, enquanto terminava de coar o café.
-Que nada. Eles não precisam saber.
-Acho melhor tu avisar... Mal ou bem, tu saiu de casa de repente, sem falar nada... Não custa avisar, não?
-Minha mãe vai adorar saber que estou com o você.
-Não esquenta. Diga a ela que não vou matar o outro filho dela. – Zombou.
Euclides se aproxima, a passos tímidos, do tio.
-Tio, eu... Vou precisar da sua ajuda. Mais uma.
-Já sei: arrumar o quarto. Pode deixar, acabando aqui a gente dá uma geral naquele quarto.
-Não é isso.
Charles olha com estranheza para Euclides.
-Fala, ora.
-Eu preciso de um álibi. E esse álibi só pode ser você.
-Ei, cara, me explica essa lorota direito...
-Eu vou ser chamado pra depor, serei apontado como suspeito de ter matado uma pessoa.
-Suspeito? Como assim, o que tu aprontou, Euclides?
-Nada. Antes de mais nada, confia em mim como confio no senhor?
Charles, desconfiado, preferiu não contrariá-lo.
-Confio.
-Você tem que dizer que eu passei a noite toda aqui, que não fui a nenhum hotel.
-Mas... Quem não deve, não teme. Não é esse o ditado?
-Eu não devo. Mas temo. Temo que me julguem mal, que me prendam inocentemente. Tio, o senhor não imagina o quanto estou sofrendo, e com medo...
-Por que mentir? É pior, meu sobrinho!
-Eu saí do hotel na mesma hora do crime. É um indício contra mim. As câmeras flagraram minha saída. A policia chegará nesta pista, e eu posso ser preso, tio. Não permita que isso me aconteça. Me proteja, pelo amor de Deus... – Dizia, contristado, demonstrando pavor.
Charles mergulhou naqueles olhos epiléticos. Hipnotizado, disse:
-Eu... Eu te ajudo, cara. Fica calmo. Eu tenho um amigo advogado, eu, eu... Eu te ajudo.
Euclides sorriu.
-Sabia que não ia me abandonar nesse momento, como meus pais fariam. Eu vou ao banheiro, já volto.
Euclides se retirou. Charles ficou ali, parado, com o olhar apavorado, as mãos tremulas.
-Eita Deus, onde fui amarrar minha cabra?
A caminho do banheiro, o celular de Euclides emite um som. Havia recebido uma mensagem. Ele o tira do bolso, e lê a mensagem:
-“Você está com seus dias contados, Euclides”.
O telefone era desconhecido; o mesmo número que lhe enviara mensagens misteriosas na noite anterior, para o celular de Lia. Ele telefona para este número. Alguém atende, mas se mantém em silencio. Escuta-se apenas sua respiração.
-Quem está aí? Responde... Tem medo de mim, é? Não quer revelar a identidade?
A pessoa desligou o telefone. Euclides inchou-se de ódio, e medo.
-Diabo... Eu vou descobrir quem ta me fazendo de palhaço e vou acabar com a raça.
CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...

domingo, 25 de outubro de 2009

Tempo perdido


Hoje não quero escrever sobre corações apaixonados, sobre corações dilacerados, sobre amores impossíveis e nem amores perfeitos. Também não quero "cometer" nenhum crime, nem discorrer sobre mentes perturbadas, personagens vingativos ou sádicos. Hoje, e somente hoje, eu quero encontrar um outro sentido...

Nunca entendi as razões para as coisas acontecerem do modo como sempre aconteceram em minha vida. Nunca entendi o fato de não ter minha mãe por perto, sabendo que ela estava viva e bem. "Você é muito pequena, quando estiver adulta, você entenderá", diziam. Aos três anos de idade, parecia um total absurdo a ideia de uma mãe deixar de ver sua filha. Aos vinte oito também parece. Mas foi assim, desde de muito nova tive que conviver com a ausência - sem explicação alguma - e tive que entender que isso seria pra sempre.

Deus, de algum modo, quis compensar essa falta, colocando em minha vida um anjo. Um anjo disfarçado de mãe. Uma mulher capaz de amar ao que todos repugnavam. Uma mulher com um coração infinitamente maior do que qualquer orgulho ou vaidade. Uma mulher forte e segura, com coragem suficiente para tomar pelas mãos uma filha que não era sua e criá-la como tal. Do mesmo modo estranho, Deus foi estreitando nossos laços, ao ponto de nos tornar semelhantes em vários aspectos, inclusive físicos.

Hoje olho para trás e vejo que ganhei infinitamente mais do que aquilo que pedi. Uma família linda, com meu pai e irmãos, que são parte fundamental do que sou. E uma mãe, no sentido verdadeiro da palavra. Uma mãe que passou noites acordadas, abrandando minhas febres. Uma mãe que me preparou bolos de aniversário e compreendeu o que se passava em meu coração. Essa mulher me fez entender o sentido verdadeiro da palavra mãe. Sem ela, seria imposível que eu fosse também uma boa mãe.

Hoje me sinto novamente como aquela pequena criança, que não sabe o que fazer. Sinto-me perdida ao vê-la deitada numa cama de hospital. Sei que isso é passageiro, sei que não há de ser grave e que em breve estaremos sorrindo, juntas novamente. Mas é que me incomoda não poder livrá-la da dor que sente, do mesmo modo que ela fez comigo, tempos atrás.

A vida é estranha e engraçada. Esperei durante anos por algo que hoje não tem a menor importância pra mim. Hoje percebo que o que mais me importa sempre esteve ao meu lado. Hoje sou grata à mulher que me trouxe à vida e minha gratidão por ela termina aí. Mas sou infinitamente grata à mulher que me trouxe o real sentido de viver, aquela que tornou possível o meu existir, a minha mãe, especial e única.

"Todos os dias quando acordo
não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo..."



sábado, 24 de outubro de 2009


Ser humano pior dos mortais
Mais podre que o Tietê.
Aonde te levara essa tua alma enlameada de fezes
E toda sua ganância e egoísmo?
Já falta-me tolerância em te aturar
Pra mim basta,
Já chega!!
Que te roam todas as ratazanas venenosas
Ao ponto de lhe arrancarem o couro
Para solar meu chinelo!
Quero estar de pé
Para assistir ao teu cozido
No caldeirão borbulhante,
Daquele de quem és filho.
Quero ver-te morrer do próprio
Horror que plantastes.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Fuga



Não costumo me aventurar pela poesia, não encontro talento em mim suficiente para isso, mas essa semana eu resolvi arriscar uns primeiros passos, ainda um tanto desequilibrados, mas com boa vontade e alegria.

Sinto que aqui é um excelente lugar para experimentar, sem medo de errar, pois tenho amigos suficientes para me ajudar a me consertar.


Às vezes te vejo querendo fugir

Fugir não é o remédio

Pra curar o seu tédio

Preencher o vazio

Do teu espírito

Fugir não vai resolver

Resolver é se encontrar

Olhar para dentro de si

Ver seu real tamanho

Examinar a vastidão

Desse nosso mundão

Limpar o coração

Desfazer as amarras

Lavar toda mágoa

Com a água da lágrima

Renascer como o dia

Com encanto e magia

Trabalhar pela harmonia

Sorrir para o irmão

Com a força da união

Estender a sua mão

Sentir novamente

O amor presente

Para que o seu coração

Seja feliz novamente!


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sobre a preservação de raças favorecidas na luta pela vida.

"A luta pela existência é a causa de toda a variabilidade existente entre as variedades biológicas, as espécies, os gêneros." (Charles Darwin)




Hugo não parava de se olhar no espelho. Narcisista de parto, só sabia olhar para seus próprios dedinhos enquanto bebê. Para fortalecer esta fraqueza de caráter, sempre foi bonito. Não extraordinariamente belo, mas o suficiente para se destacar entre os de beleza comum.
Mimado pela mãe e pela avó, só conheceu o pai através de uma fotografia. Sua mãe ficara viúva quando ele tinha apenas três anos de idade. Seu pai morreu num acidente de moto. A única foto que sua mãe possuía do seu pai, ele guardava dentro de uma bíblia. O pai sentado na moto, vestido com uma jaqueta de couro, cabelos penteados para trás, pinta de James Dean: olhar voluntarioso, postura rebelde, com os braços cruzados no peito e pernas bem abertas. Puxou dele a beleza e o charme.
Hoje, aos vinte e nove anos,  Hugo não tinha moto, nem jaqueta de couro, mas era ambicioso e gostava de coisas boas, caras, conforto, sem ter que se esforçar muito pra consegui-las. Ele era mais um retrato de sua geração.
Passava as manhãs na praia. Enquanto caminhava ou jogava vôlei com parceiros de um nível social bem diferente do seu, adquiria um bronzeado  acobreado, daqueles de enlouquecer homens e mulheres, enquanto desfilava e exibia seu corpo sarado, à  custa de  muita musculação à tarde. Se auto-intitulou "modelo", como todos os que são belos e sem profissão definida o faziam. Terminou o Ensino Médio com a convicção de que nasceu para se dar bem, sem grandes traumas ou sentimentos de culpa em relação  a muitas coisas na vida. Afinal, não teve nenhum modelo de grande caráter em quem se pautar. Só fazia questão de não roubar e nem de  usar drogas. Sua mãe e sua avó foram felizes com estas prerrogativas na sua educação. Além do mais, a própria vaidade se incubiu de fazer com que ele tivesse aversão a qualquer coisa que pudesse macular sua aparência saudável.
Foi assim que para custear suas roupas de grife, suas idas às baladas mais interessantes, suas tardes de malhação na academia da zona sul, seu ap de dois quartos em Botafogo, resolveu ser garoto de programa. E dos mais requisitados. Seu nome de guerra: Apolo.



Iracy não podia mais se conter dentro de si mesma. Seu ego estava mais inflado do que os silicones que havia colocado nos seios e nos glúteos. Sessenta e oito anos, nove meses e dezenove dias...Sua obsessão por parecer mais jovem, bonita e sarada a levou a extremos jamais sonhados por sua mãe ou avó em sua idade.
Ao ser abandonada pelo marido a quem se dedicou a vida toda, por uma mulher quarenta anos mais jovem que ele e com a mesma idade de uma de suas filhas, ela resolveu iniciar um tratamento psicanalítico para se conhecer. Sua busca por respostas a conduziu por becos e ruas sem saída dentro de si mesma, enquanto seguia esta viagem interior na garupa de uma Harley Davidson. Descobrira dentro de si, uma mulher cheia de atitude, rock'n roll e fogo, muito fogo, capaz de incendiar uma cidade em questão de segundos. E a partir de uma sessão em grupo, pelo método Reichiano, descobriu o que era gozo, orgasmo, masturbação, voyerismo, tudo ao mesmo tempo e a partir deste dia, seu nome passou a ser Jezebel, para todos que contratava para lhe dar prazer.



E foi assim que ela e Hugo se conheceram: ela, Jezebel; ele, Apolo.


Seu Arantes não tinha do que reclamar da vida. Empresário de sucesso no ramo têxtil, adquiriu um patrimônio sólido e expansivo o suficiente para deixar sua ex-mulher feliz da vida com a recheada pensão a qual tinha direito após um divórcio conturbado. Além da pensão vitalícia , o divórcio lhe rendeu quatro imóveis comerciais supervalorizados, dois automóveis, três casas e cerca de 50% das ações de sua empresa.
Agora ele estava livre, ou melhor, completamente livre. Vinha de um tempo  em que o homem ter relações extraconjugais e sua esposa fechar os olhos para isso, era comum. O que valia era manter a instituição matrimonial. Era importante não deixar os filhos se sentirem humilhados por terem pais divorciados. Graças à Deus, conseguiu chegar ao tempo em que o divórcio se banalizou e filhos não seguram casamento. Ainda bem que podia viver aos setenta e dois anos, um romance de invejar qualquer homem. Sua atual companheira tinha a idade de uma de sua filhas, quarenta anos mais nova, mas ele não se importava e nem era ingênuo de pensar que ela só estava com ele por amor. Aliás, nem ele mesmo estava preocupado com isso. Amor ele tinha de sobra através dos netos lindos que seus três filhos lhe deram. O que queria agora, era curtir a vida, com muita disposição , bom humor e sexo, com a ajuda milagrosa do Viagra.
Assumir suas rugas, seus cabelos brancos , uma barriga saliente e pele flácida, não mexiam com sua vaidade. Para ele, ser belo era poder ter a oportunidade de desfilar com Jennifer, a beldade que ele bancava em um flat na Barra da Tijuca. Aparecer em publico com aquela jovem, o tornava mais viril e poderoso, e ele gostava de se mostrar assim.


Jennifer tinha trinta e dois anos de vida bem vividos. Educada em uma família de classe média alta, mas muito conservadora, resolveu dar seu grito de liberdade quando estava então no segundo ano da faculdade de Direito. Percebeu que aquela vida não era o que havia pensado para si mesma. Seguir o exemplo de sua mãe, uma Amélia de corpo, alma e mente, não estava nos seus planos ambiciosos de conquistar o jet set internacional, frequentar as melhores festas, recheadas de pessoas bem sucedidas e belas, ser fotografada por paparazzis, e de quebra, quem sabe, se tornar uma atriz de sucesso. Atributos físicos não lhe faltavam. Descendente de alemães, alta, com olhos azuis, nariz fino, lábios grossos, cabelos lisos e muito loiros, percebeu logo que se tornou mulher, o quanto provocava os olhares de cobiça nos homens.
Contudo, era rigorosamente controlada por seu pai, um homem rude no falar e no agir. Não podia sequer emitir opiniões próprias sobre os assuntos mais banais, e cursar Direito, foi quase uma imposição por aquele que fazia questão de jogar em sua cara tudo o que sempre fora gasto em sua educação, como se ela fosse um patrimônio na bolsa de valores e não um ser humano com vontade própria. Nem o que ela mais gostava de comer ou sua cor favorita, seu pai sabia. Resolveu então secretamente juntar o dinheiro de sua mesada e da faculdade particular que ela mesma se incubia de pagar através de boleto, e aos vinte e um anos, se mudou para o Rio de Janeiro. Saiu do Sul, num dos poucos dias de calor. Abraçou a mãe com lágrimas nos olhos e um pedido urgente de atitude. A mãe não entendera o motivo para tal pedido, mas quando achou a carta que Jennifer deixou explicando os motivos para sua partida, entendeu o que quis dizer e continuou no seu mutismo acomodado.
No Rio de Janeiro, as coisas não se encaminharam do jeito que ela achou que seria. Sua beleza, sem dúvida, abriu-lhe as portas: as portas para a prostituição. Se auto-intitulou modelo, como fazem as belas que nunca trabalharam na vida e nem têm ocupação definida. Com sua falta de experiência, conseguiu trabalhar inicialmente, como modelo fotográfico para catálogos de lingerie e ganhava uma mixaria.
Alugou um quarto em um pensionato para moças, e lá conheceu duas garotas de programa, com histórias parecidas com a sua. Elas insistiam em dizer que estavam ganhando muito bem para divertir velhos ricos em busca de sexo. E após muitos anos entre programas dos mais variados, com mulher, homem, casais, grupos, foi convidada para atuar em filmes pornográficos. Aceitou com a condição de que estes filmes só seriam vendidos no exterior. Nunca mais ligou para os seus pais.
Conseguia bancar sessões de drenagem linfática, limpeza de pele, escova progressiva, hidratação nos fios, mudanças de corte e tintura nos cabelos, consumo de suplementos, academia de ginástica, branqueamento nos dentes e todas as roupas, sapatos, jóias e perfumes , além do aluguel  na zona sul dividido com mais duas meninas e percebeu que era uma trabalhadora incansável e sem futuro....os anos iam passando, as despesas aumentando. Já não era mais tão jovem, não era "novidade" e também ainda não havia começado a juntar seu pé-de-meia. Um relacionamento "normal" era inconcebível. Filhos, nem pensar. Que homem aceitaria sua condição de prostituta? As poucas vezes em que tentou um relacionamento, teve que mentir e não conseguia manter uma vida assim. Os homens que aceitavam esta condição, eram viciados ou gigolôs. Resolveu então que investiria tudo para ser amante fixa de somente um homem, de preferência com a idade do seu avô.
Até que um dia foi contratada para entreter convidados numa festa particular promovida por uma grande multinacional para empresários do ramo têxtil.


E foi assim que ela e Arantes se conheceram: ele, Luis; ela, Ágata.


CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Janelas abertas, por Reinaldo Kelmer

Este texto foi escrito pelo querido professor Reinaldo Kelmer. Um grande literata, que espontaneamente resolveu escrever para o nosso blog. Em nome de todos os autores s/a, agradeço a ele por ter nos concedido este prestígio. Aos professores que se interessarem contribuir como ele, as portas estão abertas!

Boa leitura a todos!








Os olhos corriam pelas janelas misteriosas do trem. Janelas abertas e fechadas que traziam expressões diversas. Uma, porém, chamou-me a atenção pela insistência num lugar perdido. Mirava o distante numa acompanhada solidão. Jamais tinha visto alma tão inexpressiva. Era uma janela aberta ao nada; contemplava a não-existência, o não-ser absoluto de um mundo fora do mundo. Seria possível?
No entanto, lá estava aquela janela aberta. Estivesse fechada, nenhum efeito faria, nenhum mal ou bem, nada. Estações andavam lentamente empurrando o comboio da vida. E vidas. A janela mantinha-se muda. Esqueci-me dela um instante para esquecer a obstinação que me atormentava; passei por outras menos importantes, talvez, e menos comunicadoras.
Libertei-me, enfim.
Percebi ser bom observar as janelas fechadas, pois nada dizem, nada expressam; não me envolviam. Elas não me apresentavam movimento. Não moviam sonhos e escondiam o ouro do sol da alma. Súbito veio-me a idéia de fechar, também, minhas janelas; mas, antes, resolvi olhar para a estação que ficara para trás e a próxima. Lembrança e sonho, rio que afaga e devasta, fecunda e destrói. Minha vida passou instantânea em quatro estações e o convite foi inevitável: voltar os olhos para a janela dos primeiros momentos; aquela da solidão.
Acomodei-me. Acompanhei-a. A viagem tornou-se serena e abstrata. Desci na estação da alma. Todas as janelas se abriram em sincronia e os sonhos alcançaram o absoluto fantasiado; tudo-nada. Então a janela sorriu-me em brilho verde sincero e amante. Doce cumplicidade que ficou na última plataforma. A estação da vida viajou sem volta. Restaram apenas os trilhos da alma a viajar em direção ao brilho verde de seus olhos cristais.
E tais sonhos! Breve viagem no comboio de cordas fingindo-se coração. Breve vida que se perde num piscar de olhos, num fechar de janelas. Saudade do último namoro dos olhos na perdida plataforma da última estação.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O homem que queria ser outro - Parte 8 - Acusação

Quero, antes de qualquer coisa, me desculpar por não ter postado a parte 8 da história na semana passada. Por motivos de força maior, não tive condições de escrever. Todavia hoje todos poderão dar continuidade a essa história que já está chegando em sua reta final. Quero também agradecer a todos que se preocuparam comigo, e que vieram me perguntar sobre a história, intrigados, rs. Podem ficar tranqüilos, o Euclides não assassinou o autor da história. Pelo menos ainda, né...rs Abraços a todos, e tenham uma ótima leitura!


No chão daquele quarto de hotel, um telefone celular é totalmente despedaçado por um martelo. Aqueles pedaços, vários, espalhados pelo chão... Foram motivos do riso de Euclides, que tinha o rosto refletido no espelho da parede. Tudo caminhava de acordo com seus planos.
Reuniu todos os fragmentos do celular em uma sacola plástica e lançou dentro de um latão de lixo qualquer, numa esquina qualquer do Centro da cidade. Agora ia ao encontro de uma pessoa, num bar próximo.
-E então, seu danado? O que foi aprontar ontem! – Admoestou Charles, com seu jeito despreocupado de viver, uma caneca de chopp na mão direita.
-Eu fui acusado de matar minha avó. Isso é certo? Deveria ter ficado calado?
-É... Entendo sua situação. Seus pais são dois sujeitos muito complicados. Sua mãe então, nem se fale. Não é a toa que mal nos falamos... Ficou muito soberba depois que enriqueceu. Eu não! – Sorriu, erguendo a caneca – Eu sou um cara tranquilão, vivo minha vida sem preocupações, sem exageros.
-Admiro o senhor por isso, tio. Mas por que me chamou aqui?
-Imaginei que fosse sair de casa mesmo. Conheço teu gênio. Peguei seu telefone, e te liguei porque quero te convidar pra ficar na minha casa, até que tudo se resolva, claro.
-Poxa tio... Obrigado. Eu fico feliz que alguém se importe comigo, ainda mais o senhor, que nunca falou com minha família direito...
-Não é nada demais. Eu, melhor do que ninguém, sei do que é ser acusado de matar alguém quando na verdade, nem se sabe ao certo o que ocasionou a morte do sujeito...
-Sei do que está falando, tio. O meu irmão, não é?
-Não gosto de recordar essa história. Sua mãe jamais poderia ter me dito aquelas palavras. Eu tava... Eu tava bêbado, não vi nada.
-Eu acredito no senhor.
-Não me chame de senhor, garoto!
-Não me chame de garoto também.
Charles riu-se, amargurado por aquela lembrança.
-O pior é que, mesmo não tendo culpa de porra nenhuma, eu sempre sinto remorso quando lembro disso.
-Meu irmão já morreu há um bom tempo. Vamos esquecer isso.
-É, vamos!
E brindaram suas canecas de chopp.
É hora do almoço. Ariano está saindo bem arrumado de casa, quando é notado por sua mãe, que punha os pratos sobre a mesa.
-Hum! Que elegância é essa, gente! Todo perfumado, cabelos bem penteados... Aonde o moço vai desse jeito?
-Vou me encontrar com ela, mãe. A Lia. – Disse, radiante. – Combinamos de almoçar juntos.
-Nossa, que bom! – Sorriu Arlete, compartilhando a alegria do filho – Fico tão feliz em te ver feliz... Você parece esbanjar vida por todos os poros do corpo. Mas você ligou para ela ontem?
-Não, enviei uma mensagem. E ela respondeu, dizendo que aceitava.
-Mensagem? Por que não ligou?
-Eu liguei, mas ela não atendeu. Enviei a mensagem, que por sinal, eu até prefiro. Tenho menos vergonha assim...
Arlete balançou a cabeça, em sinal de indignação.
-E o papai, não vem almoçar?
-Ele ligou, disse que está bem atarefado no escritório hoje... Cheio de processos, coitado, já disse que desse jeito ele não vai dar conta. Pelo visto, vou almoçar sozinha hoje então, né. E o pé, já melhorou?
-Já, tirei a caneleira hoje pela manhã. Agora deixa eu ir, mãe. Me deseja sorte?
-Desejo tudo de bom pra você, meu querido.
Ela vai até Ariano, e lhe estala um beijo no rosto.
-Só tome cuidado com as emoções fortes, viu?
-Sem emoções fortes, a vida não tem graça nenhuma. – Responde ele.
Ariano sai, otimista. No caminho, segue o conselho de Euclides, e compra um lindo ramalhete de rosas. Não custou muito tempo para ele chegar no local marcado. Sentou-se à mesa, comportado. Foi bem recepcionado por um dos garçons, que lhe entregou o cardápio.
-Obrigado.
Suas mãos suavam um líquido gelado. Sentia-se como uma geleira derretendo; o coração palpitava a cada pessoa que adentrava naquele recinto. O perfume de alfazema de Lia ele parecia sentir mesmo em sua ausência. Ausência física, pois em seu espírito, ela estava sempre presente.
Passaram-se quinze, trinta, quarenta minutos. Ariano já tinha se levantado, ido ao banheiro, lá fora, respirava fundo, transpirava longo, coçava a cabeça, tornava à mesa. Já não agüentava mais a espera quando vê chegar no restaurante um companheiro do jornal.
-Ei, como vai Ariano? – Cumprimenta Saulo, indo até a mesa de Ariano apertar sua mão.
-Olá meu amigo. Vou bem. Quer dizer... Nem tanto. Estou aqui esperando uma pessoa, há quase uma hora, e nada. Senta aí.
-Obrigado, mas já estou de saída. Só vim aqui entregar um recado ao dono do restaurante. – Disse, se acomodando na cadeira defronte Ariano - Putz, que sacanagem hein... Eu já teria dado no pé.
-Você a conhece. É a Lia Neide, da redação.
-A Lia? Ah garoto! Está tentando conquistá-la, é? E essas flores, eram pra ela? Mandou bem, hein.
-Sim, eram para ela... Estou tentando, mas está difícil. Ela não dá nem esperança.
-Olha cara, acho que sei o que aconteceu. Não tenho certeza, mas ouvi alguém dizendo lá na redação que hoje ela faltaria o trabalho porque faleceu um grande amigo dela. Aquele pugilista que estava ganhando fama, Adalberto Rangel. Dizem também que eles tinham um caso...
-Como? O Adalberto morreu? Mas... Ele era o ex-namorado dela!
-Foi o que ficamos sabendo. Já estão até noticiando na tv. Ele foi brutalmente assassinado na praia do Leblon. Esses caras... Lutadores marrentos, acham que podem tudo. Deve ter encarado assaltante e não dado conta da briga.
-Minha nossa... Coitada da Lia... Mais uma perda!
-Por que?
-Ela perdeu o pai há pouco tempo. Agora entendo o porque dela não ter vindo. E eu aqui pensando um monte de besteira...
-Mas ela podia ter te ligado, não acha?
-É... Mas ela pode ter esquecido. É, ela esqueceu. – Concluiu, tristemente.
-Por que você não liga para Julia? Ela sabe melhor o que houve, pois foi para ela que a Lia telefonou. Preciso ir agora, Ariano. Aquele abraço, se cuida hein.
Eles apertam as mãos novamente. Saulo se despede e sai do restaurante. Ariano não perde tempo em ligar para Julia.
-Julia, o que aconteceu com a Lia?
-Com ela ainda não aconteceu nada. Mas pelo andar da carruagem, tanto ela quanto você correm sério perigo perto dele...
-O que está falando?? Ele quem?
-Onde você está agora?
-No Sushimar, perto do jornal...
-Ok. Eu vou até aí, estou no meu horário de almoço. Precisamos conversar pessoalmente.
-Eu, eu te espero... – Gaguejou, nervoso.
Julia desliga o celular, apanha sua bolsa a tiracolo e sai de sua sala.
Ana Lucia liga a televisão, jogando-se no sofá da sala.
- “Um corpo foi encontrado por um gari, hoje pela manhã, na margem da praia do Leblon. Adalberto Rangel, pugilista de vinte e seis anos, foi brutalmente assassinado. A carreira deste talentoso esportista começava a decolar internacionalmente. No mês passado, ele venceu três lutas importantes nos Eua...” – Anunciava a jornalista.
-Jesus, até na praia estão matando as pessoas. Será que ninguém viu isso? – Indignou-se Ana, atentando para a reportagem.
- “Vamos ouvir o delegado da 14º DP do Leblon, Régis Noronha. Delegado, como é caracterizado este crime na opinião da polícia?
-Bem, obviamente o crime é caracterizado como um homicídio doloso. De acordo com os peritos, o assassinato foi realizado na madrugada desta quinta-feira, na própria praia. Supõe-se que a vítima tenha sido golpeada por um bastão de madeira, e posteriormente, levada até o mar desacordada, onde, fatalmente, foi a óbito por afogamento.
-Seria um assassinato premeditado, ou fortuito, sendo realizado por um assaltante, por exemplo?
-Já temos algumas informações aqui, que leva a crer que tudo foi premeditado. No entanto, precisamos ser cautelosos na investigação, não podemos divulgar nenhuma pista precipitadamente. O que a vítima estaria fazendo há essa hora numa praia deserta? É uma pergunta que logo formulamos, e estamos partindo desse pressuposto.
-Ok, delegado. Desejo boa sorte a vocês, e que a justiça seja feita.
-Com certeza será.
-Tenha uma boa tarde.”
Ana Lucia sorriu, orgulhosa.
-Até que meu maridão se sai bem com esses repórteres... Coitado, mais um árduo trabalho pela frente...
Neste momento, seu filho chega da escola com a empregada. Ele entra correndo em casa, direto para os braços da mãe.
-Oh meu querido! Como foi na escola?
-Hoje aprendi os adjetivos. Disse que você era bonita. É uma qualidade que dei pra você.
-Ah, meu lindinho! Obrigada. Seu pai apareceu agorinha na televisão.
-Jura?
-É, mas ele não falava de coisa boa não... Tem muita gente ruim nesse mundo, e são essas pessoas que ele tenta pegar.
-O papai é muito esperto. Com ele ninguém pode!
-É... Espero mesmo que continue assim, filho... – Disse, num devaneio de preocupação.
Julia e Ariano solicitaram seus pratos.
-Ela ia adorar as flores, são lindas. – Elogiou Julia, admirando o ramalhete de rosas sobre a mesa.
-Eu não dou sorte mesmo... Mas, e então? O que tem de tão importante pra me dizer?
Julia estende os braços sobre a mesa, segurando as mãos de Ariano que se cruzavam na extremidade da mesa.
-Preciso que acredite em mim, Ariano.
Ariano hesita.
-Não precisa ficar nervoso, quero que mantenha a calma. Também me preocupo com sua saúde, este foi um dos fatores que me fizeram não te contar antes...
-Vai, fala logo, eu to bem.
-O Euclides é um homem perigoso, Ariano.
Ariano sorri, desconcertado.
-Como? Está me gozando? De onde tirou tanta implicância contra ele?
-Tem muita coisa que você não sabe sobre ele... Coisas que pensei que fosse enxergar sozinho, mas vejo que isso não será possível. O Euclides é mestre em persuasão, em disfarce. E você é um menino muito ingênuo.
Ariano afasta suas mãos das de Julia, recolhendo-as para sobre suas pernas.
-Ingênuo, eu? Me desculpe Julia... Eu não sou nenhum idiota.
-Sabe qual é o seu maior defeito, Ariano? Você não sabe reconhecer os seus defeitos. Você é um jovem excepcional, isto é inegável. Mas ser incrível não significa ser perfeito. Não que sua pureza seja um defeito, mas você precisa aprender a ouvir aqueles que gostam de você e que possuem mais experiência de vida do que você.
Ariano inclina a cabeça, vexado.
-Desculpe eu ter que te dizer essas palavras, mas é preciso, meu querido. Queria ter tido tempo de dizê-las ao meu filho...
-Você transferiu a imagem do seu filho para mim, Julia. Eu sou muito parecido com ele, mas não sou ele.
-Eu sei... – Ela sorri, emocionada – Me perdoe, Ariano... Você está certo. Mas deixa eu cuidar de você?
Ariano se mostra compadecido por Julia, ao sentir o carinho maternal da mulher.
-Eu sou espírita, acho que nunca te disse isso. Uma semana depois que meu filho se foi, eu fui ao centro espiritual, e lá ele... Ele me enviou uma mensagem.
-Que mensagem? – Indagou, arcando o corpo, demonstrando interesse.
-Ele disse que... – Pausou, consternada.
Ela bebe um gole d’água e prossegue.
-Ele disse que quando eu o visse no olhar de alguém, que era pra eu proteger essa pessoa de todo o mal que a rodeasse, pois eu seria a única pessoa que poderia ajudá-la. Nunca me esqueci dessa mensagem... Imagina a responsabilidade que recaiu sobre minhas costas! Durante seis anos eu procurei por esta pessoa, e quando decidi parar de procurar, você me aparece no jornal. Quando bati os olhos em você, eu vi, no brilho dos seus olhos, o meu filho. Eu não vejo como uma transferência... Eu vejo que ele está em você.
-Não diga isso. Isso não existe, cada um é cada um.
-Não me importa se existe ou não. Essa discussão seria inútil a essa altura. O que importa é que eu seguirei o meu propósito. Estou aqui para te alertar. O Euclides não é seu amigo. Ele quer ser como você. Ele almeja tudo que você conquistou, e tudo que pode conquistar. Eu tive a certeza disso depois que ele conseguiu substituir você no jornal, garantir uma função semelhante a sua. Na terça-feira ele discutiu virtualmente com todas as pessoas que criticaram o texto dele.
-Eu não vi isso...
-Ele apagou. Eu ordenei que ele fizesse isso. Mas eu acompanhei tudo, Ariano. Ele não admite críticas. As pessoas sentiram sua falta, se preocuparam com você, e deram pouca importância ao texto que ele publicou.
-Eu também ficaria chateado nessa situação. – Retrucou, irredutível.
-Ele está tentando conquistar a Lia. – Argüiu, agora com a certeza de que abalaria de vez a estrutura do jovem.
-Como?
-Você contou a ele que está apaixonado pela Lia. Contou também que a chamaria para sair no dia do aniversário dela. Lembra?
-Contei... E?...
-Enquanto você estava debilitado no hospital, ele a convidou para sair no seu lugar. Seu grande amigo lhe disse isso, Ariano?
-Não! – Espantado – Não pode ser, ele teria me contado... Mas eles saíram juntos?
-Não, porque no dia nós iríamos visitar você no hospital. Mas, não fosse isso, ela teria aceitado. A Lia ficou toda derretida com o convite, você precisava ver o modo como ela me contava. Trocaram telefones. Estão íntimos. Vai me dizer que não sabia de nada disso? – Continuou, tal como Iago fez com Otelo; no entanto, Julia desejava proteger seu amigo, e não vingar-se.
-Por favor... Ele não seria capaz de tal traição. Vai ver ele fez isso sem segundas intenções...
-Ah, faça-me rir! Ariano, pelo amor de Deus! Não me faça te chamar de imbecil! Que homem faz tudo isso sem ter segundas intenções? A não ser que ele seja gay!
-O Euclides... Será que ele está apaixonado por ela também?
-Você precisa ver como ele olha para ela... Ele está se aproximando aos poucos... Está preste a dar a bote. Mas eu não diria que ele está apaixonado. Creio que seja por sua causa. Como já te disse, ele mira tudo que você tem ou pode ter.
-Por que essa obsessão comigo? Isso é loucura!
Ariano se levanta da mesa, exasperado.
-Calma, Ariano. Sente-se, que eu ainda não terminei.
-Eu já ouvi o bastante! Absurdo, absurdo! Meu Deus... É assim que quer me proteger? Me deixando desse jeito?
-Acalme-se! Você não pode se alterar!
-Mas foi justamente isso que você fez!
-Ariano, eu ainda não terminei... A morte do Adalberto.
-Ah, só falta agora você me dizer que foi ele quem deu cabo do cara.
-Eu acho que sim.
Ariano balança a cabeça, totalmente fora de si.
-Sente-se.
Ele adere a imperatividade de Julia, e torna a se sentar.
-Ele roubou o celular da Lia. Isso está claro para mim. Ontem somente ele entrou na sala dela antes do sumiço do aparelho. Ela sabe que ele é forte suspeito, mas não quer dar o braço torcer, com medo de acusá-lo injustamente, essas coisas.
-E que diabo isso tem a ver com a morte do Adalberto?
-O que o Adalberto estaria fazendo naquela praia, à uma hora daquela? Ele foi morto de madrugada. Assassinado com golpes de porrete na cabeça, e depois jogado no mar. Suspeito que o Euclides tenha usado o celular da Lia para marcar um encontro com o Adalberto.
-Que mente fértil você tem...
-Mente fértil e maligna ele tem.
-A Lia me respondeu a mensagem ontem, pelo celular! Ela aceitou meu convite!
-A Lia... Como, se o celular dela foi roubado a tarde? Você acha que um ladrão comum teria se preocupado em tramar um sacanagem dessas pra você?
Ariano balbucia, como quem concorda.
-Sei que não tenho provas, mas tudo está muito claro para mim. Eu sinto uma energia muito negativa perto dele.
-Eu não me baseio em espiritualidade para acusar uma pessoa de assassinato. Onde já se viu isso? Admiro você, uma grande jornalista, dizer uma coisa dessas, sem provas, nada concreto!
-A Lia estava balançada pelo Adalberto... Ele deu cabo do Adalberto para que seja menos um empecilho no caminho dele. Por isso você e ela precisam tomar muito cuidado!
-Chega, Julia. Olha, que ele esteja apaixonado pela Lia, pode até ser. Mas matar uma pessoa... É melhor pararmos por aqui.
-Vou dar queixa dele. Caberá a polícia investigar se é verdade ou não.
-Não faz isso...
-Espero que você leve em consideração tudo que lhe disse e... Quero te pedir uma coisa: não conte nada a ele. Não deixe ele saber que você sabe. Fique na sua, observe os passos dele sorrateiramente. Se ele desconfiar que você sabe... Correremos sérios riscos. Psicopatas se livram daqueles que descobrem que eles são psicopatas.
O garçom lhes serve o almoço.
-Eu não vou comer. Perdi o apetite. – Declara Ariano.
-Tudo bem, eu entendo. Toma.
Julia tira da sua bolsa um pedaço de papel e entrega a Ariano.
-Aí está o endereço do cemitério que o Adalberto será enterrado, e o horário também.
-Pra que está me dando isso?
-A Lia está precisando de apoio. Você sabe bem disso.
-Será mesmo que devo ir?
-Fique junto dela, Ariano. Fique junto dela.
Ariano guarda o endereço no bolso.
-Eu vou indo.
Ele se levanta, não sem antes deixar uma quantia em dinheiro sobre a mesa.
-Não pre...
-Faço questão. – Interrompe ele. – Pode ficar com as flores também.
Julia também se levanta, encarando Ariano.
-Se cuida, meu filho.
Ela lhe dá um beijo no rosto. Ariano retribui friamente.
-Tudo bem, eu... Eu agradeço pela preocupação. Adeus.
Ariano se retira, ainda meio atordoado pelas revelações bombásticas que Julia lhe fizera. Atravessou a rua sem verificar o semáforo, e por sorte não foi atropelado. Um carro freou a poucos metros de si.
-Acorda pra vida, menino!! – Berrou o motorista, gesticulando agressivamente pela janela do carro.
Ariano, ainda tomado pelo susto, fica estático, fitando o motorista. De ímpeto, ele sai correndo em direção à calçada, com aquela frase martelando em sua cabeça: “Acorda pra vida, menino”.
“Vários sinais”, ele pensava, enquanto caminhava rapidamente, sem destino. “Todos querem me alertar. Basta eu escutá-los”.
Ele pára, e tira do bolso o endereço do cemitério... Ao ler novamente o que estava escrito ali, começa a pensar em Lia Neide, em todo seu sofrimento; no quanto ela estava precisando de um ombro amigo.
Enquanto isso, Euclides, que ainda não tinha saído hotel, pesquisava na Internet, pelo seu lap top, o local do enterro de Adalberto.
-Viva Las Vegas, haha! – Comemora – Cemitério São João Batista! Poderiam mudar o nome para Euclides dos Santos em minha homenagem! Todos os defuntos eu mando para o mesmo cemitério, não é possível! Ontem, minha querida avó, hoje, o boxeador de meia-tigela!– Zomba, prazerosamente – Pronto... Acho que chegou a hora de vestir uma roupinha a la muerte, e bater meu ponto em mais um velório...
Cinco e meia da tarde. Faltava meia hora para o enterro de Adalberto. Euclides chega no cemitério e segue direto até o túmulo recente de sua avó. Vestido com elegância, terno preto, calça de linho, óculos escuro – ele finge fazer uma prece diante do túmulo afastado da movimentação do velório.
-Como está aí embaixo, Dona Hilda? Muito frio? Aqui em cima o clima ta bem quente. Olha, to até suando – Diz ele, secando o suor da testa com um lenço de pano.
-Vó, eu não vim aqui te visitar não. Isso aqui é só uma ceninha, sabe. A senhora não passa de um pretexto nessa história toda. É que a Lia, a mulher que eu amo, está lá na capela agora, provavelmente chorando rios de lágrimas por causa de um Zé ninguém, que já deve ter conhecido a senhora, creio eu. Bem, vou até lá marcar minha presença. Tenha uma boa festa com os vermes.
Euclides se benze rapidamente, e segue em direção a capela. Lá, ocorria o velório de Adalberto Rangel. O caixão estava lacrado. As lesões nas faces de Adalberto estavam horrendas.
Havia poucos familiares e amigos, e também alguns curiosos. Euclides entra acenando com a cabeça para alguns presentes que espiavam sua entrada. O choro da mãe da vítima era doloroso. Ele procura por Lia, e logo a encontra, perto do caixão, secando as lágrimas com a mão. Ele se aproxima dela e lhe oferece um lenço. Ela aceita, sem nem reconhecê-lo. Ele tira os óculos e se apresenta.
-Será que mudei tanto assim?
-Ai... Euclides, você aqui?
-Tomei gosto por cemitérios... Ontem mesmo estive aqui, nesta capela. Brincadeiras à parte, eu vim até aqui fazer uma oração para a minha avó, e então soube do velório... Não resisti, e vim até aqui por sua causa, Lia. Ontem você me deu a maior força, saiba que não esqueci disso em nenhum momento. Quero ser grato a você. Mas não faço apenas por gratidão... Faço porque você é uma menina muito especial, que não merece sofrer.
-Obrigada... Você é um anjo. – Diz ela, sorrindo em meio às lágrimas, olhando nos olhos de Euclides.
-Finalmente olhou dentro dos meus olhos.
-Ah!, ela riu, secando as lágrimas com o lenço que lhe fora emprestado.
-Imagino o quanto está sofrendo. Você ainda o amava. Agora somente o tempo e um novo amor poderão curar essa ferida dentro do seu peito.
-Tempo... Novo amor... Parece que nada mais disso existe para mim. Estou aérea, vulnerável.
-Deixa eu proteger você, Lia.
-Me proteger... Há, não é preciso. Eu já estou me acostumando, essa é a verdade.
-Não se habitue a morte. Busque a vida. Ela está mais perto do que você imagina. Ela está no amor.
-Obrigada pelas palavras... Nossa, eu no seu lugar não suportaria... Presenciar o velório de duas pessoas, por dois dias consecutivos.
-Daqui a pouco vão me confundir com o coveiro.
Eles riem baixo. Algumas pessoas percebem o burburinho causado por ambos, e se incomodam. Lia se desfaz imediatamente do semblante risonho, tornando mergulhar no clima lúgubre.
-Minha mãe disse que vinha, que ia sair cedo do trabalho, e até agora nada... – Reclama Lia.
-Calma, eu estou aqui com você.
Euclides abraça os ombros de Lia.
Neste momento, um jovem trôpego entra na capela. Não usava óculos escuro, pois detestava. Usava o seu, de costume. Estava vestido de luto. Seu olhar preocupado percorre todo o recinto. Ariano Bezerra avista, dentre aquela pequena aglomeração, a sua amada Lia Neide. E, naturalmente, a pessoa ao lado dela...
-Euclides? – Ele murmura para si, abismado.
De imediato ele “invade” a capela, retumbante. Lia e Euclides notam sua aproximação, espantados. Euclides, de fato, não esperava pela chegada de Ariano. Sentiu-se constrangido.
-Lia... – Cumprimenta Ariano, beijando seu rosto.
-Euclides.
Ele encara Euclides com um olhar surpreso, e desconfiado.
-Amigo, não esperava que viesse. – Balbucia o homem de olhar epilético.
-Engraçado, você tirou as palavras de minha boca.
Euclides abaixou a cabeça, desconcertado. Achou que seria melhor manter-se calado.
-Lia, meus pêsames. Eu recebi o recado da Julia, não pude deixar de vir até aqui lhe dar esse apoio.
-Obrigada, Ariano. Você e o Euclides são dois grandes amigos.
Ariano e Euclides se entreolham, num certo clima de animosidade.
-Como você soube, Euclides?
-Foi coincidência. Vim visitar o túmulo de minha avó, e soube. Imaginei que a Lia estivesse aqui, e vim fazer o mesmo que você.
-Você sabia que o Adalberto era o ex-namorado dela?
-Sim, por que?
-Nada... É que poucas pessoas sabem disso. – Murmura Ariano.
-Nós conversamos sobre isso – Diz ela a Ariano - Gente, vamos fazer silêncio, o caixão já vai ser levado.
Ariano morde os lábios, inquieto. Euclides observa seu estado agitado com um sorriso preso dentre os lábios.
Um homem chega apressado na capela, muito esbaforido, como quem tivesse corrido um quarteirão inteiro para ali chegar. Ele corre até o caixão, aos prantos. Abraça o caixão, promovendo uma cena comovente.
-Meu irmão! Meu braço!! – Berra ele.
Os familiares de Adalberto afastam o rapaz do caixão, pedindo que ele tivesse calma. Desesperado, o rapaz grita, batendo no peito:
-Calma!!? Eu não vou ter calma enquanto a culpada disso tudo não pagar pelo o que aconteceu com meu amigo! Cadê aquela vadia?!
Todos se entreolham, assustados. O rapaz, que se chamava Vitor, fita seu olhar furioso em Lia.
-É ela... – Ele diz, com uma voz sinistra. – Ela é a assassina!!
Incontrolável, ele contorna o caixão, partindo para cima de Lia Neide, que sem nada entender, se esconde atrás de Ariano.
-Vagabunda, eu vou te matar!
Ariano tenta contê-lo
-Ei, não encosta nela!
E recebe um soco no nariz, que o derruba no chão. Euclides engravata Vitor, enquanto outros homens se aproximam para segurá-lo também.
Lia se abaixa para socorrer Ariano, que sangrava pelo nariz.
-Minha Nossa Senhora, Ariano, você ta bem??
-To, to... Só acho que quebrei o nariz...
Ela o ajuda a se levantar.
Vitor é retirado a força da capela pelos seguranças do cemitério. Lia ouve suas ameaças, e se desespera com aquela situação. Todos ficam a encarando, emburrados.
-O que eu fiz?! – Ela grita.
Ninguém responde.
O caixão é levado para o local do sepultamento. Lia permanece dentro da capela, inconformada. Euclides e Ariano lhe fazem companhia.
-Você precisa limpar esse nariz, cara. Tem um banheiro ali do lado. – Indica Euclides.
-Você poderia vir comigo, Euclides? – Pergunta Ariano, não desejando que o amigo ficasse sozinho com Lia.
-Claro. Fiquei aí, Lia. Não saia daí.
Os dois vão até o banheiro. Euclides ajuda Ariano a lavar o nariz.
-Não parece que quebrou. Mas que foi uma porrada forte, foi. – Diz Euclides, observando a lesão no nariz de Ariano.
-Desgraçado, ele ia bater nela se eu não tivesse ficado na frente!
-Você foi corajoso. Poderia até ter quebrado os óculos...
-Eu sou capaz de dar minha vida pela Lia. – Decreta Ariano, com o olhar fixo no pequeno espelho de parede.
Euclides também mira o espelho. Os olhares se encontram, num silêncio repentino.
-Você faria isso por uma mulher como ela, Euclides?
-Eu faria isso pela mulher da minha vida. Admiro seu sentimento. Você realmente ama essa menina.
-Que homem não ama Lia Neide?
Eles continuam se olhando pelo espelho, até que Euclides se vira para Ariano.
-Está insinuando alguma coisa ou é impressão minha, Ariano?
-Você sempre acha que estou insinuando alguma coisa, sempre na defensiva... O que eu estaria insinuando pra você, hein?
-Não sei... Ariano, me diz uma coisa: Você acha que eu amo a Lia Neide? – Atacou, lembrando-se daquele velho ditado de que o ataque é a melhor defesa.
Ariano pensou em tudo que Julia lhe dissera... Pensou também nos melhores momentos de amizade que tivera com Euclides...
-Não. Se você amasse a Lia, tenho certeza que eu, seu melhor amigo, seria o primeiro a saber.
Euclides sente um soco invisível atingir em cheio o seu rosto. “Ele está jogando comigo”, pensou. “Quer semear em mim o remorso... Quer arrancar a verdade de mim”.
-Com certeza seria. – Reafirma Euclides. – Pelo que vejo o sangue estancou. Vamos?
Com a mão no nariz dolorido, Ariano retorna para a capela ao lado de Euclides. Lá, eles não encontram Lia Neide.
-Meu Deus, será que ela foi pro enterro? – Preocupa-se Ariano.
Os dois vão em busca de Lia. De longe, eles avistam o corpo sendo sepultado, e Lia estava lá, no meio das pessoas.
-Ela amava esse cara mesmo. – Comenta Euclides – A morte dele vai abrir caminhos para você, Ariano.
-Você é maluco, Euclides? Como pode falar uma bobagem dessas agora?
-Foi mal, cara... Por que você acha que a Lia foi acusada de assassina por aquele louco?
-Imagino que seja por conta do tal roubo do celular... Meu Deus, essa história ainda vai dar pano pra manga... Estou prevendo um cerco contra a Lia. Acho melhor ligar pro meu pai.
-Ligar pro seu pai?
-Ele é advogado. Ela vai precisar de um, pode apostar.
Enquanto isso, terminado o enterro, Lia vai até o túmulo de Adalberto lançar a rosa vermelha que levara para homenagear o grande amor de sua vida. Ele que sempre lhe dava rosas nas ocasiões especiais...
-Adeus, A...
-Lia! – Chamou sua mãe, Dona Beatriz.
Lia olhou para trás. Em seguida, relanceou uma última vez o túmulo dele. Calada, ela se benzeu, e foi ao encontro de sua mãe.
-Mãe, que bom que chegou...
-Desculpa filha, o transito está terrível. E você, hein? Odeio te ver assim, totalmente abatida.
-A vida parece que só quer me ver assim ultimamente, mamãe. As pessoas saíram, ninguém veio falar comigo, me cumprimentar... Eu fui acusada de assassinato, mãe.
-Minha nossa!! Filha, quem?
-Um amigo de infância do Adalberto. Agora vamos, não agüento mais ficar aqui...
-Filha... Eu vi dois carros de polícia na entrada do cemitério.
Lia se detém, espantada.
-Será que...
-Não sei, e se esse cara chamou a polícia? De qualquer modo, vamos ir preparadas. Ninguém ousa acusar minha filha de assassinato na minha frente!
E foram. No caminho, cruzaram com Ariano e Euclides, que a esperava.
-Mãe, esses são meus amigos do jornal. O Ariano, e este é o Euclides.
-Oh, mas eu os conheço. Claro, pelos textos! É um prazer.
-O prazer é nosso. – Diz Euclides.
-Lia, eu já liguei para o meu pai, que é advogado. Ele virá até aqui. Fique tranqüila. Caso haja mais acusações, não responda nada sem a presença dele, está bem?
Ela consente com a cabeça, muito exausta.
Na saída do cemitério, os quatro são cercados por três policiais.
-É ela! – Grita Vitor, do lado de fora.
Um dos policiais se encaminha até Lia, que estava a ponto de desmaiar.
-A senhorita se chama Lia Neide?
-Sim, sou... Sou eu.
-Quero que venha até a delegacia conosco.
-Delegacia?? Serei presa? Meu Deus, mas o que eu fiz!! – Desesperada, olhando para as pessoas a sua volta.
-Acalme-se. A senhorita irá prestar um depoimento.
-Não sem o nosso advogado! – Intercala Dona Beatriz.
-Ela terá direito ao advogado. Mas agora temos que ir, senhorita.
-O que eu fiz...
-A senhorita está sendo acusada pelo assassinato de Adalberto Rangel, seu ex-namorado.
Lia, exangue, desaba nos braços de Euclides, desmaiada. Mal sabia ela que teria de ser mais forte do que nunca de agora em diante.
CONTINUA NA PRÓXIMA SEGUNDA-FEIRA...

domingo, 18 de outubro de 2009

Mais um sonho...

Eu sabia que estava sonhando, por mais absurdo que isso pudesse parecer, eu realmente tinha consciência de que dormia. Minha tendência a ter sonhos detalhados não era um fato novo, mas desta vez acho que ultrapassei qualquer limite já estabelecido.

Ele estava em frente a mim e isso eu podia sentir com uma certeza quase real. A pele pálida, os cabelos desalinhados de um modo perfeito, sem pretensão de sê-lo, os olhos enigmáticos e brilhantes como gudes, o perfume deliciosamente incomum, as roupas escuras contrastando com a pele, aquele sorriso singular, que eu conhecia tão bem. Aquele sorriso que ao se abrir, parecia colocar estrelas no céu, não importava como a noite estivesse.

Olhei ao redor e não reconheci o lugar onde estávamos, era bastante reservado, não havia ninguém por perto, parecia um mirante escondido em meio à mata, um platô ou algo assim, afastado da cidade. Mas e a música que eu ouvia, de onde vinha? Não sei. Como também não soube identificar na hora que música era, apesar de bastante familiar. Assim como a música incidental tocando baixo, sem incomodar, tudo mais parecia absurdo, a começar pelo modo como ele me olhava, parecendo esperar que eu dissesse algo revelador e, no entanto, tudo que eu tinha era um leque infinito de perguntas.

- Onde estamos? - essa era a primeira delas, que proferi sem hesitar.
- Este é apenas um lugar onde podemos ficar a sós, sem que ninguém interfira em nossa conversa. Isso não é bom?
- Sim, sem dúvida. Espero por isso já a algum tempo.
Ele sorriu, me desconcentrando de qualquer postura mais rude.
- Qualquer lugar que você conheça poderia atrair certos inconvenientes ao nosso momento, a memória às vezes atrapalha demais...
- Não entendo. - resmunguei, olhando para a cidade ao longe.
- O que você não entende, meu amor? - perguntou num tom de voz apreensivo e ao mesmo tempo consolador, enquanto passava os braços em torno da minha cintura, levando meu corpo pra mais próximo dele.
- Sei que isso é um sonho, sei que você não é real, mas não entendo como isso tudo acontece ou o porquê disso acontecer.
- O que quer dizer com sabe que eu não sou real? Ainda duvida que eu exista? - Perguntou, levemente irritado, apertando um pouco os olhos.
- Me expressei mal, desculpe. Quis dizer que embora você seja absurdamente real e presente em minha vida, sei que você só existe em meus sonhos. Isso é cruel e dói muito, de verdade - disse isso cabisbaixa e contendo uma emoção que insistia em surgir.
- Dói mais em mim, acredite.
- Não vejo como isso pode ser doloroso pra você, sinceramente.
- Seu ceticismo me assusta, sabia? - Ele parecia decepcionado e irritado, afastou-se de mim e virou-se de costas, como quem pensa em algo e não tem certeza se deve falar. Ficou contemplando a cidade em silêncio.
- Não é ceticismo, entenda, não há mais lugar pra isso a essa altura dos acontecimentos. Talvez seja apenas... saudade.
- Quando você acorda, qual é a sua rotina? - perguntou impaciente, me fazendo pensar que tinha mudado de assunto.
- O que? Ah, escovar os dentes, tomar banho, café da manhã, trabalhar. Normal, vida normal.
- Coisas normais... Você acorda todos os dias e faz centenas de coisas sem precisar de mim, você existe perfeitamente, longe de mim. - de repente ele ficou ofegante e aumentando o tom de voz consideravelmente perguntou - E eu, o que sou sem você?
Não consegui responder, estava confusa.
- Tudo o que posso fazer é esperar que você adormeça, essa é a minha vida. Estou com você a maior parte do tempo, mas não tenho permissão para interagir contigo quando está acordada, no máximo através de canções, poesias e coisas sem aparente sentido. Cada despertar seu é como uma navalha rasgando minha carne aos poucos, e isso sim, dói de verdade. Conhece saudade maior do que aquela que sentimos por quem nos faz existir?
Permaneci calada, completamente absorta naquelas palavras tão cheias de amor e raiva. Rompi o silêncio com outra pergunta
- Você é um anjo? Anjo da guarda, que vigia meus passos silenciosamente... ou você é um anjo mal, um demônio que aprisionou meu amor incondicional no plano dos sonhos? - ao contrário do que eu esperava, parece que quebrei o gelo, fazendo-o sorrir novamente.
- Anjo? É um nome a ser considerado... mas infelizmente não posso impedir que você tome decisões, portanto não posso protegê-la completamente. Agora... demônio? De onde tirou isso? - riu, balançando a cabeça em sinal de negação - Por acaso algumas vez estivemos juntos em algum pesadelo?
- Não. Pelo contrário, você aparece sempre para me tranquilizar, por mais insólito e louco que o sonho possa parecer, você traz uma paz que me acompanha mesmo depois de acordada.
- Não sou maligno como um demônio, apesar de mil vezes ter desejado tê-la só pra mim, num gesto egocêntrico e desvairado e muito embora já tenha tentado me materializar, por puro ciúme. Também não sou puro como os anjos míticos, não sou um bom exemplo para figurar historinhas infantis, nós dois já cometemos pecados algumas vezes, não se esqueça desse detalhe - disse num tom irônico e com um sorriso belíssimo de canto de boca.
- Então o que você é, de fato? - perguntei num tom desafiador, mas sutil.
- Ainda não posso te contar... Mas sou o que você quiser que eu seja, contanto que eu seja seu.
Ele sempre desarma minha guarda como quem tira doce de criança, por fim eu já sorria, completamente derretida.

Novamente ele abraçou minha cintura, senti a paz se reestabelecendo. Passei meu dedo indicador de leve sobre o rosto lindo dele, contornando cada detalhe.
- Como é possível que eu nunca o tenha visto materializado diante de mim e que, no entanto, eu possa conhecer seus traços com tamanha precisão... eu poderia entalhar, de olhos fechados, seu rosto numa pedra - disse isso olhando em seus olhos.
A música nos conduziu numa espécie de dança, de corpos, de mentes, de almas. Estávamos em um ritmo muito mais lento do que a melodia exigia. De narizes e lábios encostados de leve, balançamos suavemente, sem tirar os pés do lugar. Nossos corpos colados, minha pele arrepiada, e meu coração, que parecia um tambor dentro do peito. Ele me beijou a testa, engoliu em seco, e num tom de voz muito baixo, disse o que eu não queria acreditar...
- Já está amanhecendo, você precisa ir.
- Não, não pode ser. - olhei para o céu e vi que ainda era noite - não, não está amanhecendo ainda...
- Você sabe que tem que se guiar pelo tempo cronológico, no seu quarto já é quase manhã - disse sorrindo, mas com um olhar triste.
- Tenho medo de voltar, de nunca mais vê-lo, nunca sei quando será a última vez.
- Eu já disse que sou aquilo que você quiser que eu seja. Enquanto você me buscar, eu estarei aqui.
- Então eu desejo que você seja real, é só isso que eu desejo... por favor, seja real - disse, já desesperada.

Antes que ele pudesse responder, acordei com o rádio-relógio tocando uma música e piscando 6:00 em algarismos vermelhos. Constatei que estava sozinha novamente, que o sonho tinha acabado e que a única resposta que eu teria, seria a canção que ecoava em meu quarto e que, finalmente eu conseguia reconhecer...

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